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VERA DAVES E O DESEMPREGO: UM EQUÍVOCO A DESFAZER

20-03-2020 - Rui Verde

Vera Daves, a ministra das Finanças de Angola, representa uma frescura e um arrojo praticamente desconhecidos na política angolana. Fala com à-vontade e não usa um discurso elíptico e pomposo do governante engravatado. Os seus périplos pelo estrangeiro, designadamente por Londres, têm sido razoavelmente bem-sucedidos e contribuído para começar a mudar a imagem de Angola nos mercados financeiros internacionais. Em variados contactos britânicos, tenho tomado conhecimento directo dos elogios ao desempenho público da ministra das Finanças.

No Dia da Mulher, 8 de Março, Daves concedeu uma entrevista ao Jornal de Angola. Há vários excertos interessantes nessa entrevista que merecem aplauso.

Todavia, as posições da ministra sobre a política económica a ser aplicada em Angola em termos de desemprego levantam muitas dúvidas, e na nossa opinião estão erradas. Não se trata das opções ideológicas. Tal como a ministra, também acreditamos numa economia de mercado livre e concorrencial.

O problema é que a ministra parece acreditar numa política adormecida por parte do Estado, entregando a resolução dos problemas a um mercado que não existe em Angola. No fim, este tipo de política vai levar ao caos e à anarquia.

A visão da ministra estaria certa se fosse ministra das Finanças de Portugal ou do Reino Unido. Está errada sendo ministra das Finanças de Angola. Vejamos porquê.

Na entrevista, Vera Daves afirmou: “A máquina administrativa do Estado não tem capacidade para resolver o problema do desemprego. Entenda-se que já é uma máquina pesada, de modo que o caminho possível é incentivar o empreendedorismo, dando forças, criando iniciativas, melhorando o ambiente de negócios, incentivando o sector privado a fazer o seu papel e, por essa via, serem criados os postos de trabalho que tanto precisamos.”

Vera Daves está a recitar os manuais que estudou na universidade e que descrevem modelos optimizados de concorrência perfeita com adequado enquadramento institucional, que não existem em Angola.

É evidente que a máquina do Estado não funciona e é corrupta, além de ser pesada, tendo herdado todos os defeitos do colonialismo português, a que adicionou a paranóia controleira do marxismo soviético, mas isso não é razão para deixar cair os braços no combate ao desemprego e convidar todos os angolanos a serem empreendedores… Empreendedores com o dinheiro de quem? Onde está o crédito para iniciar empresas? Empreendedores com que formação, onde estão as escolas de gestão que preparem os empreendedores?

É evidente que não é de um momento para o outro que todos os angolanos vão ser empreendedores, até porque há pessoas que simplesmente não têm personalidade para tal.

É correcto começar a criar um clima social que fomente o empreendedorismo.

É errado pensar que isso resolve no imediato o problema do desemprego. Ora, se não o resolve, o Estado tem de agir e criar emprego.

Quando não há mercados a funcionar, quando uma economia está parada e não alcança o pleno emprego, é a altura de o Estado desempenhar o seu papel de provedor do bem comum.

Há três planos para a actuação do Estado em relação ao desemprego.

O primeiro plano é o da reforma do próprio Estado. A velha máquina pesada deve ser desmontada e recalibrada, criando-se um Estado ágil, e desde logo terminando com as acumulações de salários que se sucedem e com os funcionários-fantasma. Possivelmente, o término destas maleitas permitirá admitir uma série nova de jovens que renovarão os quadros do Estado com perspectivas e contributos inovadores. De facto, a resolução do problema do desemprego começa pela reforma/reestruturação do próprio Estado e a admissão de quadros não contaminados pelos vícios do passado.

É necessário um programa de reforma e contratação de jovens no Estado.

O segundo plano é de características puramente keynesianas. Como se sabe, John Keynes foi o economista inglês que na década de 1930 salvou o capitalismo da derrocada, ao explicar que em certas circunstâncias, tecnicamente chamadas de equilíbrio em subemprego, era necessário um empurrão do Estado para resolver aquilo que o mercado não estava a conseguir solucionar.

É evidente que esse empurrão é necessário aqui e agora em Angola. Keynes até defendia que em último caso se poderia contratar pessoas para abrir e tapar buracos de seguida. Em Angola, isso não é necessário, uma vez que já há muitos buracos abertos, basta contratar alguém para os tapar.

Portanto, além da reforma do Estado e da contratação de novos quadros, é fundamental criar um plano geral de actividades do Estado que obrigue à contratação de mão-de-obra adicional.

É no terceiro plano de pensamento que entra a proposta de Vera Daves. O Estado deve fomentar o empreendedorismo, deve criar condições para surgirem empresários. Na verdade, é no papel do empresário e na sua capacidade de inovação, como escreveu, e muito bem, Schumpeter, que reside a essência do desenvolvimento económico. Mas mesmo para aparecerem empresários é necessário, pelo menos, o acesso ao crédito e um sistema bancário a funcionar, bem como formação profissional dos jovens. Nestes aspectos, também o Estado tem um papel a desempenhar.

Não se pode, nem deve, entregar a solução de todos os problemas ao Estado, mas na situação a que Angola chegou não é possível passar de um extremo para o outro. O Estado não pode cruzar os braços e esperar que assome uma geração espontânea de empresários. Tal não acontecerá. Há que criar condições.

Fonte: Maka Angola

 

 

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