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CAMINHADA

21-02-2020 - Armando Alves

Não é da natureza humana dar-se ao luxo de assumir a sua parte individual da causa de um ato de natureza negativa. O ego apressa-se a procurar detalhes que modificam a perspetiva dos atos e colocam o indivíduo numa posição de alvo de condições externas. É quando o espírito do Homem é mais forte e este se submete à humildade que a voz do ego se demonstra trémula, frágil e incerta. A introspeção de si próprio é um processo pouco instintivo, sendo mais natural de surgir como produto de trabalho árduo. 

Numa noite de verão que mais se assemelhava a inverno, apanhado desprevenido, um caminhante encontrava dentro de si a culpa que lhe competia. Nas pequenas e nas grandes ações e as repercussões que tais ações haviam tido nos demais. É muito mais a dor que se causa do que aquela que nos é causada. Em alguns minutos, um homem com a alma pesada e os olhos turvos de raiva pode cometer mais erros do que os que terá oportunidade de corrigir ao longo de uma vida. 

A caminhada fora longa, dando oportunidade a uma longa e à muito necessária conversa consigo próprio. A voz interior, aquela que contrapõe o ego e que tão facilmente é silenciada quando a distração é de rápido acesso, é mais persistente no silêncio e na solidão. É também mais ríspida. Assumida a responsabilidade sobre as ações, o resto da caminhada será mais lenta, mais pesada, soturna. A mente não transmite o mesmo vigor ao corpo à luz da introspeção. O caminho não é o mesmo quando o caminhante confronta a culpa.

A culpa consome o caminhante que agora cambaleia, um espectro de um homem, um fragmento do que o seu ego se esforçava por apresentar ao mundo. A estrada parecia agora interminável e a vontade de continuar a caminhar evapora-se a cada passo. 

Sozinho, parado na escuridão, o caminhante sofre e compreende que o seu ego não passa do medo de sofrer. O tempo parece parar, mas avança em segredo. E porque não caminhar? Mesmo que a estrada não tenha o fim, e porque não dar um passo, e depois outro? A sombra da culpa permanece sobre o caminhante, mas a seu tempo os seus olhos adaptam-se. 

É para o caminhante mais fácil perdoar o próximo do que a si próprio, talvez porque o arrependimento se esforça por impedir o perdão. O caminhante encontra forças para continuar. Essa força tornar-se-á em esperança quando o sol da manhã aquecer a sua face. A luz do dia revela o seu destino no horizonte, longínquo, mas presente. Será uma longa jornada e a escuridão voltará certamente antes que termine, no final jaz a paz.

Armando Alves

 

 

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