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“A HORA DO DRAGÃO”

13-12-2019 - Francisco Garcia dos Santos

Antes de mais, cabe referir que o título deste artigo, com a devida vénia, é um “plágio”do do excelente livro de Luís Cunha, doutorado em Relações Internacionais pelo ISCSP-Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, perito em política chinesa e extremo-oriental, prefaciado pelo Prof. Doutor Adriano Moreira, relativo à política externada República Popular da China (RPC) desde Mao Tsé-Tung, ou Mao Zedong (líder de 01/10/1949 a 09/09/1976), até aos nossos dias, mais propriamente2012, data cuja Presidência era ocupada por Hu Jintao, antecessor do actual Presidente Xi Jinping. Essaobra, editada naquele ano por Zebra Publicações e patrocinada pelo IIM-Instituto Internacional de Macau, éde leitura “obrigatória” para quem se interesse por política e relações internacionais.

Nos últimos 15 dias, ainda que eventualmente tenham em parte passado despercebidos à maioria dos leitores, ocorreram três factos relevantes ao nível da geopolítica e geoestratégia, os quais foram a proibição pelo Governo da RPC de navios militares dos EUA aportarem em Hong Kong, as “desavenças” entre o Presidente americano Donald Trump e o seu homólogo francês Emmanuel Macron durante a cimeira da NATO em Londres, e ainda a retaliação diplomática chinesa para com os EUA traduzida em restrições à actividade dos diplomatas norte-americanos acreditados em Pequim.

Mas para o caso o que importa é que, como frequentemente vem dizendo o Prof. Doutor Adriano Moreira, desde há pelo menos duas décadas, a primeira “preocupação” geopolítica e geostratégica dos EUA deixou de ser o espaço euro-atlântico para se transferirpara o asiático-pacífico, ou de forma mais incisiva, para o, face à Europa, extremo-oriental-asiático-pacífico.

Efectivamente, ainda que haja “fricções” geopolíticas e geoestratégicas entre a Europa/NATO e a Federação da Rússia, principalmente a Norte nas Repúblicas Bálticas (Estónia, Letónia e Lituânia), a Sul na Ucrânia com a anexação russa da Península da Crimeia -aliás “berço” da atual Rússia- e no PróximoOriente com a Síria, a verdade é que as mesmas não se afiguram de primeira importância para os EUA, já que os seus interesses económicos e militares não se encontram directamente afectados neste “espaço”. Daí o desentendimento entre Macron e Trump sobre o financiamento e futuro da NATO.

Já no que concerne ao “espaço” asiático-pacífico, os EUA passaram a dedicar especial atenção. É que a RPC, com o seu “galopante” crescimento e desenvolvimento económico desde há pelo menos três décadas, permite-lhe ter enormes empresas semi-estatais cotadas nas grandes bolsas de valores do Mundo (Nova York, Londres, Hong Kong e Singapura), fazer dumping comercial para venda dos seus produtos nos mercados ocidentais e arrecadar bilionários rendimentos, e ser desde há vários anos o principal credor dos EUA, mediante compra dos respectivos títulos de dívida pública. Se por mera hipótese académica, a qual é quase de todo improvável, a RPC pusesse à venda nas “praças” financeiras mundiais esses títulos, geraria uma brutal queda de cotação do dólar americano (USD) e uma enorme crise financeira nos EUA, a qual, a acontecer, teria repercussões inimagináveis a nível mundial.

Centrando-nos na própria RPC, a “Revolução Cultural” promovida por Mao, que durou 10 anos (1966-1976), com o intuito de efectuar enormes “purgas” no próprio Partido Comunista Chinês (PCC) -e ao mais alto nível-, bem como perseguição política de meros cidadãos apenas suspeitos de simpatizarem com alguns costumes e/ou usos ocidentais tidos por “capitalistas”, resultou em dezenas ou centenas de milhar de mortos (fuzilados) e presos políticos, entre eles Deng Xiaoping, que, após a morte do primeiroem 1975, discreta e pacientemente atingiu o poder (08/03/1978-19/03/1990).

Os novos porta-aviões chineses terão um convés totalmente plano, sem a ski-ramp usada no Liaoning

Deng teve a lucidez e famosa sabedoria extremo-oriental de iniciar a “abertura” da RPC ao “Ocidente”, de implantar a denominada “economia de socialista de mercado” -depois designada de “um País dois sistemas” (colectivista numa parte do país e capitalista noutra, sobretudo na área do Delta do Rio das Pérolas, “triângulo” que tem por vértices Hong Kong e Xangai a Norte, a Oeste Sishuan e a Sul Cantão e Macau)- e promover o desenvolvimento económico e social chinês, política essa que ficou conhecida como a “segunda revolução”.

À parte o aspecto económico-social, cujo êxito é inegável, a RPC paulatinamente tornou-se uma grande potência regional, influenciando directa e/ou indirectamente os países que com ela têm fronteirasterrestres e/ou marítimas: Vietnam, Laos, Myanmar, Índia, Butão, Nepal, Tajiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Mongólia, Rússia, Coreias, Japão e Filipinas -não se inclui Taiwan por ser considerado território chinês mas com governação independente. Contudo, tal influência não se esgota nesses países, pois a RPC, desde a Conferência de Bandung, por si promovida e ocorrida na Indonésia entre 18 e 24 de Abril de 1955, e que reuniu representantes de 29 países asiáticos e africanos, criou o“Movimento dos Países Não Alinhados”, como contraponto às áreas de influência geo-estratégicas e geo-políticas dos EUA/NATO e da então URSS/União Soviética/Rússia/Pacto de Varsóvia, durante a “Guerra Fria”, que não se cingiam à Europa,mas abrangiam outras áreas do Globo, como o Próximo e Médio Oriente, Norte de África, África subsaariana e “América Latina”.

Actualmente a RPC está em vias de competir em termos militares com os EUA e a Rússia, pois, para além de ser uma potência nuclear dotada de mísseis balísticos de curto, médio e longo alcance -estes últimos capazes de atingir qualquer ponto do Globo-, já conta com um quase “completo” equipamento bélico convencional. Com efeito, segundo números de 2018, a RPC tem um efectivo militar activo de 2.035.000 “homens”, ao qual acrescem mais 510.000 reservistas. Depois,desde o Verão de 2012 conta com um porta-aviões de origem russo/soviética, mas incompleto, adquirido à Ucrânia pós fim da URSS (terminado e modernizado com tecnologia chinesa), denominado “Liaoming”, um segundo, da classeType001A, de fabrico 100% chinês e “lançado à água” em 2017para testes, que entrará ao serviço em 2020. Este último é de propulsão nuclear, tem 315 metros de comprimento e 75 de largura e capacidade para 48 aeronaves (aviões e helicópteros), sendo equiparado à mais moderna e poderosa classe Nimitz de porta-aviões norte-americana, e tendo um outro em construção.

Tal significa um poderio militar não só defensivo/dissuasor, mas também ofensivo, combinando armamento nuclear e convencional, facto que é motivo de preocupação para Washigntone Moscovo. Como diria o Prof. Doutor Adriano Moreira, com a inauguração em 2012 do primeiro navio porta-aviões e sua frota de escolta(fragatas, contra-torpedeiros, submarinos, etc.), a RPC, para usar linguagem naval, mostrou a bandeira. É que não se pode esquecer/ignorar que nos Mares da China existem “fricções” relativas à soberania sobre ilhas e ilhéus entre a Rússia a Norte e o Japão a Sul, sendo que a defesa dos interesses do Império do Sol Nascente depende dos EUA.

Por outro lado, ocorrendo neste final de ano 6 meses de manifestações pró democracia e liberdade em Hong Kong, as quais sem segredo para quem se interessa por política internacional e seus bastidores mais obscuros, são apoiadas e fomentadas pelos EUA através da CIA e outros serviços secretos, tudo com vista a criar embaraços ao Presidente Xi Jinping, e no limite, até “maquiavelicamente” fazer com que Pequim intervenha naquele território autónomo militarmente, causando um novo “Tianamen”, para daí colher “frutos” em termos internacionais, algo que por demais é do conhecimento do Governo chinês.

Por fim, como me disse um amigo profundamente conhecedor da política chinesa em termos teóricos e sobretudo práticos, i. e., mediante contactos pessoais regulares ao mais alto nível político-administrativo da RPC, nesta «hoje já não existe um “comunista”». Segundo o mesmo, o Partido Comunista Chinês é um mero “rótulo e/ou marca” tipo Coca-Cola, na substância algo semelhante à União Nacional salazarista-meio de o cidadão integrar a administração pública chinesa e nela fazer carreira política ou enveredar pela carreira das “armas”; e as novas gerações das Forças Armadas estão cada vez mais apolíticas, profundamente nacionalistas e tendo por objectivo recriar o grande Império do Meio -Zhõnguó (Terra Central, nome dado à China no Séc. III a. C. pela dinastia Cin que durante esse período unificou um enorme território, correspondendo à maior parte do atual chinês).

Hoje a RPC tem à frente dos seus destinos um discreto, pragmático e todo poderoso Xi Jinping, curiosamente da idade de Vladimir Putin e, salvo as devidas “distâncias” e melhor opinião, politicamente semelhante a este último em termos de acção.

Portanto, face ao exposto, será bom que o showman Senhor Trump modere os seus“impulsos” e o apagado Senhor Putin não crie “fricções” na fronteira da Sibéria com o território e ilhas do Mar do Norte da China -tudo a bem da estabilidade e paz no Planeta.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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