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A LIVRE JACINTA

13-12-2019 - Francisco Pereira

A Jacinta, ia leda, bem fermosa mas pouco segura, com o seu vestidinho vermelho, perdida nos seus pensamentos a trautear umas modinhas, quando deu de caras com um duende da floresta que lhe propôs um trato.

- Formosa donzela – disse em tom mavioso o duende – onde vais?

- Vou a casa minha avozinha, e tu quem és que não te conheço? – replicou a Jacinta.

- Sou Rui o duende livre e tenho uma proposta fantástica para te fazer, queres ouvir-me?

- A minha mãe disse-me para não dar ouvidos a estranhos, mas estou curiosa, diz lá então!

- Com este trato se o assinares, serás livre, serás tratada como uma princesa, terás um pajem, que te seguirá para todo o lado, não terás de fazer grande coisa, é só estar sentada no palácio do parlapié, numa grande sala que eles lá têm, numa confortável cadeira com um computador com Internet, tudo de borla, depois é andar pelos corredores do palácio do parlapié a fugir aos chatos dos arautos e dizer que já os avisastes de que não falas, de resto nada demais, poderás usar belos vestidos de cores garridas, penteados amalucados e tudo o que quiseres, poderás passear as tuas poses pelo palácio do parlapié e fingir que entendes daquilo e ainda serás muito bem paga por isso.

- Hum, só isso, tu não estarás a tentar enganar-me duende Rui?

- Não – continuou o duende a sua arenga – claro que não estou a enganar-te, primeiro porque tu serás completamente livre, farás parte de uma grande família, o partido Liberto, de quando em vez lá no palácio existirão umas votações, coisa simples é só levantar o braço e pronto...

- Mas isso implica que eu tenha de saber alguma coisa sobre aquilo que se está a votar – diz a Jacinta com ar assustado.

- Não te assustes – diz o duende, recostando-se no ramo de um belo castanheiro – nós os duendes livres, sim porque não sou apenas eu, somos muitos, estaremos sempre em contacto contigo, a comunicação e orientação superior será permanente, dar-te-emos todas as indicações que precisares para votar, não precisas de pensar muito, aliás não precisas sequer de pensar, nós damos-te os papéis já prontos e tu só tens de os entregar a tempo, simples não é?

- Realmente é tentador – diz Jacinta já quase convencida – diz-me Rui, e posso também escrever nos jornais, dizer umas coisas sei lá falar da minha terra e assim?

- Ó Diabo, com assim falar da tua terra, então tu não és de cá?

- Pois sou, quer dizer, como se diz lá pelas Américas, sou marciano descendente, e gostava de vincar esse aspecto...

- Pronto tá bem, eu depois arranjo-te uma coluna para escreveres umas coisas, no jornal onde escrevo, não sei se já viste o “Jornal de Todos” tenho lá uma crónica onde escrevo umas e ideias e tal...

- Infelizmente nunca li nada teu, mas prometo que o vou fazer! Outra coisa, e que ganhas tu com isso – pergunta desconfiada Jacinta ao duende Rui.

- Ganhar, ora bem, quer dizer... – tartamudeou o duende visivelmente engasgado – não ganho nada, ora essa, nós apenas achamos que também tu deves ser livre, pois então, a tua liberdade é a nossa paga, pois é isso, está bom de ver, pois claro!

- Não será por eu ser donzela, zanaga e maneta e além disso ser verde?

- Por quem nas tomas cachopa – diz o duende Rui fingindo indignação – podias até ser branca, gaga ou néscia, que estaríamos na mesma a querer-te a ti...

- Então diz-me onde assino – declara a Jacinta entusiasmada.

Firmado o pacto, a Jacinta lá foi eleita para o Palácio do Parlapié, o Duende conseguiu o que queria, ter acesso a esse palácio, de onde o haviam arredado e onde tarde ou nunca conseguiria voltar, lá deram um elfo pateta à boa da Jacinta, que a seguia para todo o lado com a sua bela saia plissada e meia verde, um pouco pateta o ar, mas foi o que se pode arranjar.

No primeiro dia lá foi a bela Jacinta com o seu vestidinho vermelho, mais o seu elfo de saia plissada, caminhando para o palácio do parlapié, entretanto já com os portões do palácio à vista por detrás de uma moita sai-lhe ao caminho um lobo, com ar de rapazolas beto.

- Olá formosa donzela, que fazes por aqui?

- Olá, quem és tu – disse a Jacinta gaguejando assustada.

- Ó bela donzela sou o lobo André – disse a misteriosa personagem enquanto fazia uma vénia repenicada – também vais para o palácio do parlapié, se quiseres posso fazer-te companhia pois também vou para lá...

- Podes mas aviso-te já que não embarco em aventuras, para mim chega!

- E tu achas, bela donzela, que eu André te levava numa ventura qualquer, uma iniciativa liberal qualquer sem eira nem beira, jamais, ouve bem, jamais, eu sou um lobo com princípios... chega de gente sem princípios! E segredou-lhe algo ao ouvido.

A Jacinta arregala os olhos e soltam uma torrente de impropérios capazes de fazer corar um camionista, pegou no elfo pateta pela mão e abalou direito à entrada do Palácio sem dar cavaco ao lobo André. Que despeitado olhou para ela gritando-lhe.

- Ó Jacinta vai-te catar...

Entretanto ouve-se a sineta do palácio a chamar os eleitos para a sala da conversa, o grande salão onde todos se sentam a dar à taramela sobre assuntos patetas horas sem fim, sem préstimo que se lhe veja, mas assim é o uso daquela terra, Jacinta e André terminaram por ali a conversa e seguiram apressados...

Mas o Diabo tece artimanhas várias e estende armadilhas inimagináveis, a arrogância, a falta de tacto fazem o resto, pouco tardou portanto para que a pobre Jacinta andasse de candeias às avessas com o duende Rui, percebeu a pobre donzela que era pouco livre, percebeu que estava impreparada, logo falha de competência para o bom desempenho do cargo que lhe tinham oferecido, que aquilo tinha muito era de subordinação, pior é que ela dizia que fora eleita sozinha, o mérito era só dela, ditos que chatearam ainda mais os duendes livres, perplexa andava a Jacinta – afinal que queriam agora todos aqueles duendes livres – pensava ele enquanto caminha com o tonto do elfo a reboque tropeçando na saia...

Não podemos levar nada a mal à coitada da Jacinta, pois no fundo ela não passa de uma miúda deslumbrada, como muitas outras miúdas deslumbradas deste mundo, calhou apenas que esta miúda deslumbrada seja uma das falantes do palácio do parlapié do Reino da Fantasia, o que só torna a farsa ainda mais risível. Feliz Natal

Francisco Pereira

 

 

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