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Entre o preto e o branco do ecrã

27-09-2019 - Francisco Pereira

Um destes dias, lia num jornal diário, um artigo sobre cinema, a notícia era sobre mais um filme ou documentário ou lá o que era, versando a realidade dos ditos “bairros sociais”, o que quer que isso seja, isso da realidade dos bairros sociais ou mesmo o que são bairros sociais, conceito pateta.

Entrevistado o autor da peça cinematográfica, recorria aos lugares comuns e chavões do novel linguajar progressista, libertário e coisa e tal da actualidade para trazer à baila o palavreado do costume da discriminação, do gueto e mais não sei o quê, naquela conversa da treta que já enjoa.

É o enésimo documentário ou filme ou lá o que era sobre o tema, mais do mesmo, resumindo-se a isto, pretos, azuis, castanhos ou cor-de-rosa às bolas são uns coitadinhos e os brancos são uns pulhas racistas e xenófobos, pronto, junte-se a isto muito “Rap”, Hipo não sei o quê e outras sonoridades da mesma igualha e está feito, depois é só esperar que as agendas politiqueiras das Esquerdas libertárias peguem no tal filme e o promovam a obra-prima da sétima Arte e farol da luta contra a discriminação, contra a opressão e coiso e tal, diga-se entretanto “en passant” que foram os porcos racistas brancos que com o dinheiro dos seus impostos permitiram a este autor, e bem diga-se, tudo em favor da liberdade artística, dar largas à sua criatividade.

Depois dei comigo a pensar, em como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, os putos do meu bairro, eu incluído, termos tido a sorte de aparecer algum autor que quisesse fazer um documentário sobre a nossa realidade, sobre como eu vivia numa casa sem banheira nem chuveiro, só apareceu um chuveiro lá por casa no início dos anos 90, quando finalmente houve desafogo financeiro para o fazer, porque os banhos eram de alguidar com água aquecida ao lume do fogão, e essa era a realidade de muita gente daquela rua, na casa ao lado da minha a casa de banho era uma barraquinha de madeira, assente por cima de um regato que por ali passa ainda a céu aberto, onde antes haviam rãs e girinos hoje há apenas merda e ratazanas, mas adiante.

Como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte de aparecer algum cineasta que quisesse fazer um documentário sobre, como íamos usando as roupas remendadas até à exaustão, porque escasso era o dinheiro, felizmente já não se ia descalço para a escola, mas os sapatos eram igualmente remendados pelo sapateiro que ficava ao fim da rua o saudoso senhor Raposo.

Como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte de aparecer algum autor que quisesse fazer um documentário sobre, como os nossos pais se matavam a trabalhar, por ordenados de miséria, como quando ficavam desempregados a primeira coisa que faziam era agarrar o que aparecesse, com cara alegre e não ir a correr para o centro de emprego para depois ficarem a polir esplanadas ou a encerar esquinas como fazem agora. Como teria sido importante, eu dizer ao autor do filme ou do documentário, que o meu pai por exemplo, que era motorista, só fugazmente aos fins-de-semana aparecia em casa e que eu tinha terríveis saudades dele.

Como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte de aparecer algum autor que quisesse fazer um documentário sobre, a doença que naqueles tempos de penúria quando nos batia à porta era um problema dramático, recordo por exemplo que uma das minhas irmãs, que veio a falecer com apenas cinco anos de idade, precisava de uns comprimidos que nessa altura só existiam em França, fármacos esses que custavam os olhos da cara, nesses tempos só o meu pai trabalhava, porque a minha mãe teve de ficar em casa a cuidar da miúda, não passávamos fome, apenas carências, e não existiam quaisquer ajudas estatais, nem programas disto ou daquilo e muito menos subsídios, só podíamos contar claro está com a solidariedade da vizinhança, esses eram os únicos laços sociais daqueles tempos, como teria sido importante que o tal autor nos filmasse.

Como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte de aparecer algum autor da sétima Arte que quisesse fazer um documentário sobre como a meio dos anos 80 a droga começou a levar alguns dos amigos da rua ou a condicionar outros que apesar de continuarem vivos, passaram as passas do Algarve, teria sido tão importante que um desses autores tivesse desejado filmar a nossa realidade de bairro pobre, de gente maioritariamente honesta, de cavadores, de pequenos agricultores, de bate chapas, de gente humilde e trabalhadora, que nunca teve subsídios, nem vivia a lamentar-se, e que o melhor legado que deixou foi ensinar-nos a nós seus filhos a valorizar o trabalho, a decência, a honestidade, o civismo e os respeito pelos outros, valores que infelizmente muitos de nós perdemos.

Como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte de aparecer algum cineasta que quisesse fazer um documentário sobre a nossa realidade, porque hoje esse documentário poderia ser apresentado nos ditos “bairros sociais” como exemplo de que através do trabalho, do civismo, da honestidade e do respeito pelos outros é possível viver e ir singrando na vida sem ficar à espera de subsídios, mantendo a nossa integridade e dignidade sabendo conviver em e com a sociedade, teria sido mesmo muitíssimo importante, mas infelizmente não havia ninguém que se interessasse por miúdos portugueses a viver num bairro pobre nos anos 70 e 80 do século passado de uma a vila de província, foi realmente pena!

Francisco Pereira

 

 

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