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UMA NOITE DE TEATRO

20-09-2019 - Francisco Pereira

A noite estava quente, inesperadamente quente e agradável apesar de já irmos a meio de Setembro, o jardim que dizem ser da República, mal iluminado como a dita, tinha os bancos quase todos ocupados por grupos de trabalhadores asiáticos que ali vão para utilizar a borla da Internet, para aqui para esta terreola vem enriquecer os senhores empresários agrícolas que os exploram, mas isso são contas de outro rosário, hoje era noite de ir ao teatro.

Nem a propósito a peça versava sobre as agruras de dois emigrantes, fechados no seu mundo tentando sobreviver o melhor que podem. O texto é mesmo muito bom, o que me agradou sobremaneira, porque é raro algo com tanta qualidade chegar aqui a esta parvónia, parabéns a quem teve o bom senso de trazer esta peça teatral aqui ao fim do mundo, encarecidamente lhe agradeço.

Mas não é disso que vos quero falar, quero antes falar-vos do outro espectáculo, um espectáculo lateral, patético e pateta, que corre no mesmo tempo do outro com os actores verdadeiros, este espectáculo tem porém actuações improvisadas que me divertem imenso. É um espectáculo paralelo muito mais interessante que bem poderia figurar num qualquer anedotário pois basta um pouco de atenção para rir a bandeiras despregadas com as pequenas coisas que vamos observando.

Queixava-se uma vez Ramalho Ortigão, que as pessoas iam ao teatro para serem vistas e não para verem o que quer que fosse, não vou a tanto, mas foi interessante observar a variada fauna que cá fora esperava para entrar na sala, tentando perceber as motivações que os levaram a estar ali.

Uma das motivações era óbvia, residiu no facto simples de o espectáculo ser à borla, o que de novo agradeço, ver algo assim de qualidade de borla é nos dias que correm um milagre, mas continuando. Chegado ao Cine teatro, postei-me serenamente atrás da última pessoa que ali estava naquilo que era a tentativa de criar uma fila ordeira de gente, e digo tentativa porque aqui nesta parvónia habitada sobretudo por labregos, desconhece-se completamente o que sejam filas ordeiras, tanto que nem um minuto depois de eu chegar e ir para o fim da tal fila, chegou uma “vaporosa” de vestimenta vermelha, que se foi colocar à minha frente como se nada fosse porque ela é muito mais importante que eu e que horror seria se alguém assim tão importante entrasse na sala atrás de um labregozeco como eu ou de todos os outros que já ali estavam antes, não lhe admirariam a vestimenta nem o ar sofisticado uma espécie de “labrego chic” não que isto tenha importância alguma pois como eu bem sabia assim que a porta abriu foi o típico “salve-se quem puder”, com empurrões, atropelos e apressados a acotovelarem-se, em mais um exemplo da labreguice local.

Entretanto enquanto aguardava pela abertura das portas, fui classificando metodicamente quem estava, optei por dividir a coisa em três grupos principais. O primeiro era o das velhinhas, atraídas pelos actores que são dois rapazes das telenovelas televisivas, que eventualmente fazem Teatro, coisa de que devem gostar pois a sua entrega à interpretação foi fantástica, este primeiro grupo o das velhinhas, foi assim ao engodo propiciado pela borla que iam assistir a um momento revisteiro telenovelucho com piadolas patéticas e rimas fáceis, enganaram-nas tadinhas, mas esse logro foi calculado, deve ter sido uma forma subtil de encher a casa.

O segundo grupo, era o grupo da corte politica, dos seus acólitos, apaniguados e protegidos, que por mor dos cargos, prebendas e benesses que retiram da ligação à politiqueirice local têm de gramar com todas as pepineiras promovidas pela chefia para não correrem o risco de cair em desgraça, na cara de alguns era visível o desconforto por ali estarem contrariados, são sempre o grupo mais volumoso, vão para serem vistos, não vão para ver, com conheço alguns sei que os seus gostos e capacidades intelectuais não são ecléticos ao ponto de paparem coisas tão dispares como aquelas a que já os vi assistir, mais uma vez, compõem a sala e não estrebucham, são a matilha estão bem controlados.

O terceiro grupo, o mais pequeno deles, onde me incluo era o grupo daqueles que estavam ali verdadeiramente para verem a peça, mais ou menos cientes daquilo que iam ver, expectantes talvez sobre a qualidade do texto, da encenação e ou dos actores, alguns como eu sem ainda acreditarem que aquilo era à borla.

Sentado nas confortáveis cadeiras, apostei com a minha esposa, que ao fim de 10 minutos já haveria gente a sair, a entrar tinha visto mamãs extremosas com bebés de colo, grupos de adolescentes e outra maralha do género, que me pareceu que não aguentariam caso a densidade desafiante da peça os não compensasse com os estímulos a que estão habituados. Escusado será dizer que ganhei a aposta, quando ao fim de 10 ou 15 minutos um trio de miúdas adolescentes saiu para não mais voltar, minutos depois uma extremosa mãe saiu também levando o seu rebento que desde que a luz se apagara não mais se calara, seguida da avó da criança, realmente uma peça de teatro daquele género é o local ideal para levar crianças de colo, enfim...

No palco os dois actores davam o melhor, pela plateia, os telemóveis não paravam, as redes sociais são mais importantes, é triste, é muito triste, mas é a realidade deste nosso Mundo pouco admirável, finalmente a coisa acabou suspiraram de alívio alguns, ovação, alguma gente em pé, em especial os que lá foram cientes daquilo que iam ver, os outros lá ficaram como estavam, a bater a palminha da praxe, muitos só não haviam saído a meio por vergonha, aguentando estoicamente, facto que à saída era visível nos seus rostos, aquilo para uma larga fatia daquela gente que ali estava tinha sido uma brutal seca, uns, os mais, estavam à espera de ver miúdas meio despidas com fatos de lantejoulas e actores a debitar anedotas que rimem com alho entrecortadas com cantorias melodiosas, muito brilho, muito barulho e nenhum conteúdo, ao invés disso aquela coisa pateta de dois tipos a discutir conceitos e com referências a coisas que não sabem o que sejam, que dianho pá, “na percebi, nadinha” como ouvi alguém dizer, louva-se a honestidade da pessoa nesta terra de gentinha pequenina, miudinha, mesquinha!

E foi assim a minha ida ao teatro, espero que quem trata destas coisas, traga mais bons espectáculos como aquele que fui ver, se forem de borla ainda melhor, porque me divirto duplamente e sempre tenho assunto para ir escrevendo estas croniquetas mal amanhadas, parabéns pois a quem trata da Cultura cá do burgo!

Francisco Pereira

 

 

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