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HONRA MILITAR, VERGONHA CIVIL

26-07-2019 - Francisco Garcia dos Santos

Ainda que não tenha cumprido o serviço militar por ser do tempo do Serviço Militar Obrigatório, o qual à data tinha excesso de contingente, fiquei excluído do mesmo. Contudo, tal não me impediu (ou impede) de conhecer minimamente por “dentro” a instituição castrense, e por ela nutrir a maior consideração e apreço.

Efectivamente, tive e tenho a honra de ter tido e manter amizades em todas as classes de militares, desde oficiais generais, passando por oficiais superiores e subalternos, assim como de sargentos, os quais, regularmente, me foram e vão transmitindo as suas preocupações institucionais, que não corporativas.

Tais pessoas, no activo, na reserva ou na reforma, preocupam-se com a dignidade e capacidade das Forças Armadas (F. A.), com vista a conseguirem cumprir as missões que lhes são confiadas, pois, ainda que sem meios suficientes lato senso, em termos humanos, de equipamento e logística (veículos, armamento e demais material de guerra), bem como parcas verbas orçamentais, que quase se esgotam em remuneraçõe, chegam ao ridículo de um Comandante de uma Unidade Militar operacional (integrada na Brigada de Reacção Rápida) ter de obter autorização do respectivo Estado-Maior para num fim-de-semana poder ter ao serviço mais “1/2 dúzia” de efectivos do que o habitual.

Isto não só é deplorável, como assustador!

É que a defesa da Pátria e projecção da sua força militar não se mede por critérios contabilísticos. Afinal, as F. A. são ou não um pilar da soberania do Estado Português, ou uma mera extenção da burocrática Administração Pública do mesmo?

Como facilmente se compreenderá, sendo o orçamento das F. A. quase todo alocado a remunerações (80%), bem como, o restante, a despesas logísticas correntes, pouco ou nada sobra para investimento em equipamento bélico absolutamente necessário, dependendo este das políticas orçamentais do Estado ou do capricho do ministro das finanças.

É esta a deplorável e triste realidade das F. A. portuguesas!

Um dia alguém disse, quiçá exuberantemente, que “Portugal era obra de soldados” -mas, pelo menos, em grande parte, teve razão.

Em plena Idade Média -situemo-nos no séc. XII (1140) - o Infante D. Afonso Henriques, herdeiro do Condado Portucalense pertencente a seu defunto pai D. Henrique de Borgonha, levantou armas com seus barões contra o primo (Rei ou Imperador de Leão e Castela) Afonso VII, proclamando-se Rei de Portugal e transformando um pequeno Condado em Reino.

Portanto, se se quiser considerar que D. Afonso Henriques de Borgonha (o Rei fundador) foi um militar que chefiou outros militares, poderemos considerar que Portugal conheceu a sua independência política enquanto reino devido a vitoriosas refregas bélicas.

Uma vez assente, ainda que de forma simbólica, que o Condado Portucalense se tornou Reino de Portugal em 1140, sendo por seu Rei D. Afonso Henriques, o mesmo não significa que se tenha tornado um país, nação ou estado, mas tão só, como ao tempo era uso, um território regalengo.

À data, qualquer território auto-governado por um “Senhor” -no caso auto-intitulado Rei-, o mesmo era apenas “propriedade privada” daquele, mal existindo quaisquer laços ou vínculos de identidade afectiva, cultural, linguística e histórica entre a respectiva população e o seu o seu soberano.

Portanto, Portugal nasce como “país”/reino por força das “armas” e vontade política de D. Afonso Henriques e seus barões.

Saltando para o Séc. XIV, isto é, 1383-1385, o Mestre de Aviz, Defensor e Regedor do Reino, depois aclamado Rei D. João I, acolitado pelo génio militar de D. Nuno Álvares Pereira, Santo Condestável e S. Frei de Santa Maria, no marco simbólico da Batalha Real de Aljubarrota, reafirma a independência de Portugal face a Leão e Castela, cujo Rei, também D. João I, era seu parente.

Mas, nas principais refregas de Atoleiros e Aljubarrota não foram apenas as hostes militares tradicionais do Mestre e do Condestável que obtiveram retumbantes vitórias face ao inimigo leonês-castelhano. Para tanto muito contribuíram as tropas de poderosos nobres e clérigos, como as de D. Lourenço Vicente, grande Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, que pessoalmente se bateu com os seus homens ao lado do Mestre e do Condestável em Aljubarrota; mas também o simples povo (arraia miúda), armado de chuços e alfaias agrícolas “cortantes” que defenderam a sua Terra e a si próprios, conscientes de que o Reino não era apenas uma propriedade regalenga, mas sim um conjunto de gentes ligadas por laços culturais, históricos, linguísticos e “querer” político, tendente á “elevação” de um Portugal senhorial a nação -quiçá a primeira da Europa.

Depois de 14 de Agosto de 1385 poder-se-á dizer que Portugal se tornou uma verdadeira nação.

Passando a 1 de Dezembro de 1640, ao fim de 60 anos de domínio filipino da dinastia Áustria espanhola, e subsequente guerra de restauração da independência nacional, que durou até 13 de Fevereiro e 1668, de novo os 3 estados (nobreza, clero e povo) se uniram, com consciência nacional, para a reconquista e defesa da soberania de Portugal.

Passados mais de 300 anos, na 2ª metade do Séc. XX, Portugal Imperial (do Minho a Timor) debateu-se com uma guerra nas suas colónias ou províncias ultramarinas -Angola, Guiné e Moçambique-, em que as já modernas Forças Armadas Portuguesas (F. A.) deram o seu melhor na defesa do Império por mais de uma década.

Tal guerra (ou guerras) apenas terminou na sequência do golpe de estado militar de 25 de Abril de 1974.

Se devido a tal (ou tais) guerra(s) o efectivo militar português (sobretudo do Exército) era à data muito considerável em termos humanos e meios bélicos, após o terminus da mesma, as F. A. tiveram de progressivamente diminuir drasticamente o respectivo número de militares (principalmente praças, sargentos, oficiais milicianos, subalternos e superiores do Quadro Permanente) e adaptar-se às circunstâncias e necessidades do território português reconfinado ao espaço geográfico fundacional europeu e ilhas adjacentes do Séc. XV.

Assim, as F. A. viram reconverterem-se as suas missões bélicas de defesa do Império noutras bem distintas, como de interposição e manutenção de paz integradas em organizações internacionais como a E. U. (União Europeia), NATO e ONU, “projectando força” muito para além das fronteiras nacionais, inclusive para outros Continentes, como a Ásia (Médio Oriente) e África.

Hoje, as F. A., devido a displicentes ou imprudentes opções políticas e de atribuição e gestão orçamental, traduzidas em sucessivos “cortes” financeiros, apenas contam com um efectivo de menos de 30.000 militares, sendo cerca de 5.000 praças em regime de contrato voluntário (o resto é pessoal do Quadro Permanente constituído por sargentos e oficiais), sendo assim deficitárias em cerca de 5.000 “homens”. Portanto, só muito esforçada e penosamente conseguem, aliás com grande brio e valor, desempenhar as missões que lhes são confiadas.

Em bom rigor, atualmente as F. A., com excepção das especificidades operacionais da Marinha e da Força Aérea, apenas contam com forças combatentes de esquadrões de cavalaria blindada ligeira de reconhecimento e protecção, de companhias de comandos, de pára-quedistas e de grupos de operações especiais do Exército, cujos efectivos são voluntários.

O desinvestimento em meios humanos e materiais por parte do poder político relativamente às F. A., o qual já vem de longe (independentemente da “côr” política dos governos), tem sido o “pão nosso de cada dia”, o qual, por displicência ou ignorância de primeiros-ministros e de ministros da defesa, tem vindo a pôr em causa a respectiva operacionalidade, olvidando que o “pilar” da “defesa/guerra” é um dos clássicos atributos ou funções de soberania de qualquer estado que se queira soberano e independente.

Assim, parece afigurar-se aos olhos do cidadão comum que, para o poder político, as F. A. são uma excrescência da administração pública do Estado, e apenas mais um mero centro de custos da dita perante o Ministério das Finanças.

Isto tem-se manifestado, e manifesta-se á saciedade, na ineptidão e desqualificação dos últimos ministros da defesa, bem como da forma arrogante e desrespeitosa como têm lidado com as F. A..

Alguém se lembra dos “casos” da alegada discriminação sexual (leia-se homossexualidade) no Colégio Militar que levou à demissão do respectivo Director? Da revista às tropas em parada, devidamente fardadas e aprumadas, por um ministro da defesa sem gravata e de camisa desabotoada? Por um ex-Chefe de Estado-Maior do Exército destituir e renomear comandantes de Unidades responsáveis pela segurança dos paióis de Tancos?

Tudo no consulado do ex- M. D. N. Azeredo Lopes, cujo currículo para o exercício da função foi ser professor de Direito e ter sido Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara Municipal do Porto. Portanto, em termos de familiarização com militares e assuntos de defesa nacional, o o senhor tem um curriculo é “brilhante”!

Na mesma pasta da Defesa sucedeu a Azeredo Lopes Gomes Cravinho, o qual se mantém em funções.

O currículo deste senhor informa que é licenciado e mestre pela London School of Economics (presume-se que em Economia), doutorado em Ciência Política pela Universidade de Oxford e diplomata de carreira. Que conhecimento e experiência tem na área da defesa e de interlocução com militares?

Lamentavelmente o ministro Cravinho, após muito recentemente o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Almirante Silva Ribeiro, ter denunciado publicamente que as F. A. estão à beira de não conseguirem desempenhar as suas missões por falta de pessoal e de verbas orçamentais, teve o topete de insinuar que se o CEMGFA não conseguia gerir a Instituição com os meios de que dispõe, deveria demitir-se.

Este ministro tem alguma noção do que é a Defesa e a condição militar enquanto uma das principais funções de soberania?

Não!

Por fim, dir-se-á apenas que o Presidente da República, como Comandante Supremo das F. A., e a Assembleia da República, detentora do máximo poder legislativo, têm de ponderar e decidir de uma vez por todas se aquelas fazem falta ou não ao País; se são ou não dispensáveis à soberania nacional; e, neste último caso, optar por dotá-las de meios e recursos humanos e materiais inerentes ao cabal desempenho das suas missões, ou, pura e simplesmente, extingui-las, entregando a defesa nacional a outros países como Espanha, França ou Reino Unido -já para não falar dos Estados Unidos da América, porquanto geograficamente estão algo longínquos.

A propósito do comportamento do Rei D. Fernando I em termos de política internacional -e a defesa faz parte integrante da política externa- alguém disse que “um fraco rei faz fraca a forte gente”.

Hoje poder-se-á dizer que políticos ignaros, medíocres e incompetentes fazem de umas Forças Armadas Portuguesas historicamente garbosas, valorosas e gloriosas um arremedo do que é o seu destino, vocação e função patrióticas.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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