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COISAS DO PAPADO E DA SUA VIDA DE FÉ

26-07-2019 - Pedro Pereira

Para quem se debruçar sobre a História do Cristianismo e da Igreja de Roma em especial, o facto mais evidente, transversal à mesma, é o facto dos papas desde sempre e até à Idade Moderna, terem sido «soberanos de soberanos» e territórios. Factos históricos como a criação do Tribunal do Santo Ofício (a Inquisição) depõem contra a face humanista e do «Bom Pastor»; o papa, os papas da História da Igreja. Instituição que em algumas regiões vigorou até ao século XIX. No caso de Portugal, perdurou até à Revolução Liberal de 1820.

A Inquisição ou o Santo Ofício, tenebroso e sanguinário tribunal católico, estabelecido por ordem e mando do papa Inocêncio III, que deixou a sua marca para a posteridade, não só pela criação dessa instituição, mas também pelo massacre dos huguenotes, acontecimento passado à História como a «Noite de São Bartolomeu», por ter sido realizado na noite de 23 para 24 de Agosto de 1572, no qual milhares de protestantes, homens, mulheres e crianças, pereceram vítimas dos crimes e massacres mais hediondos perpetrados por católicos açulados por clérigos.

O culminar dos processos movidos contra os indivíduos pela Inquisição, desembocava em autos-de-fé, onde, em locais públicos eram proclamadas e executadas as sentenças proferidas por essa medonha «corporação». Os condenados eram em geral, judeus, cristãos-novos, heréticos e os acusados de bruxaria. É claro que, muitas vezes essas acusações serviam para encobrir outras razões bem diversas, que iam da simples inveja, à ganância pelos bens das vítimas por parte dos inquisidores. Normalmente os condenados acabavam na fogueira, desterrados, ou, com um bocado de sorte, condenados a açoites ou penas de prisão.

Os condenados ou penitentes que iam ser queimados eram vestidos com uma túnica ou «sambenito», um hábito amarelo e vermelho, que se enfiava pela cabeça. O período de maior número de autos-de-fé, sobretudo em Espanha e Portugal, decorreu do século XV ao século XVIII.

Historicamente, podemos dizer, que a Inquisição surgiu por ocasião do Concílio de Verona, Itália, que ordenou aos bispos lombardos que entregassem à Justiça os heréticos que se recusassem a converter-se. Este facto ocorreu no século XII, em 1183, no Languedoc, França, como medida contra os albigenses (os naturais de Albi) considerados hereges do sul de França, ou valdenses, membros de uma seita herética fundada por Pedro Valdo, na Provença, também em França. A causa fundamental residiu no facto do ilustre francês Pedro Valdo se ter insurgido publicamente contra a corrupção que grassava no seio da Igreja. Mas, o maior crime dos albigenses ou valdenses, que foi considerado crime capital, era pregarem a liberdade de pensamento, o desrespeito à autoridade papal, a crítica e a oposição actuante face à tirania pontifícia, às suas pretensões, às suas teorias, aos seus monstruosos vícios.

Porém, os valdenses não foram prontamente exterminados, embora tenham sido ferozmente trucidados os que caíram prisioneiros. Inocêncio III, organizou, depois, nova expedição, assaltando as províncias do Languedoc, onde foram cometidos os mais hediondos atentados, tendo sido chacinados os habitantes, saqueadas as cidades, incendiadas as aldeias e devastadas as herdades. Foi na acção directa nesta verdadeira insurreição da inteligência humana contra o despotismo teocrático dos papas, que São Domingos, o «queimador de hereges», conquistou os seus principais créditos de bem-aventurado.

Os dois maiores inquisidores que a história regista são espanhóis. Um, Tomás de Torquemada, padre dominicano, que dirigiu durante 14 anos (1484 a 1498) as operações do Santo Ofício. Ficou famoso pela sua crueldade e o seu nome confunde-se na história, na lembrança dessa terrível instituição, que foi a Inquisição.

Por causa deste inquisidor os judeus foram expulsos de Espanha, 10.000 vítimas foram enviadas para as fogueiras, 97.000 confiscações foram feitas e cerca de 114.000 famílias foram vitimadas. Outro grande inquisidor foi o cardeal Francisco Ximenes ou Jimenes (1436-1517), ministro de Espanha.

Mas também de Portugal os judeus tiveram de fugir (os que conseguiram) e outros mortos, presos, desterrados e os seus bens confiscados, a partir do reinado de D. Manuel I, «O Venturoso».

Sintomaticamente, foi a partir da sua expulsão que o império português começou o seu inexorável declínio. Procuramos fazer um levantamento das vítimas da Inquisição e, num rápido apanhado, quase que pudemos compor uma lista. De fato, não há mês do ano, em que não se destaque um destacado nome vítima do Santo Oficio. Salientem-se os mais ilustres:

. 1414, Constança, grão-ducado de Baden, concílio que condenou, à fogueira, João Huss (1369-1415), reformador checo, precursor da Reforma, movimento renovador da Igreja e do Clero;

. 1431, nas noites de 23 e 24 Maio de 1431, em Rouen, capital da Normandia, França, é queimada viva a médium Joana d'Arc, a Donzella d'Órleans, heroína francesa (1412-1431) «por ter relação com Satanás», segundo denúncia do clero da época;

. 1498, 4 de Março, data em que é queimado vivo, com mais dois dominicanos, seus partidários, Girolamo Savonarola, pregador italiano da Ordem dos Dominicanos (1452-1498), excomungado, por falsas acusações de heresias, pelo papa Alexandre VI;

. 1553, 27 de Outubro, Calvino manda queimar vivo, em Genebra, Suíça, o infeliz Miguel Servet, médico e teólogo espanhol (1509-1553);

. Em 1572, no mês de Agosto foram degolados em Paris, na célebre noite de São Bartolomeu, 10.000 franceses e, na mesma ocasião, nas províncias, outros 40.000 franceses calvinistas, com aprovação do Papa Gregório XIII;

.1600, 16 de Janeiro, Giordano Bruno, filósofo italiano (1550-1600), que abandonou a Ordem dos Dominicanos, ouve a leitura de sua sentença de morte e, em 17 de Fevereiro desse mesmo ano é queimado vivo;

. Em 1616, a 5 de Março, a obra de Copérnico é condenada pela Congregação do Index Librorum Prohibitorum, o chamado rol dois livros proibidos, fundado em Roma, no século XVI. 1654, 29 de Junho, em Cuenca, Espanha, num auto-de-fé são queimadas 56 pessoas;

. 1762, 2 de Março, é supliciado na «roda», quebrando os seus membros até à morte, em Tolosa, Espanha, o protestante João Calas (1698-1752), por não abjurar o protestantismo;

. 1791, em 7 de Abril, é condenado à morte o célebre José Balsamo, mais conhecido como Conde de Gagliostro (1743-1795), pena comutada em prisão perpétua;

. 1706, 12 de Setembro, a Inquisição faz queimar vivo o judeu Heitor Dias da Paz, em Lisboa, mas também Garcia de Horta, botânico, cientista, Ribeiro Sanches, médico que foi da corte de Catarina da Rússia, José Anastácio da Cunha, professor, matemático, Padre António Vieira, que curiosamente consegue pela primeira vez que o papa Clemente X suspenda o funcionamento da Inquisição (1674) - em 1678 o papa Inocêncio XI repetirá essa decisão -, Abraão Zacut, médico e, tantos mais vultos ilustres portugueses.

Quando a Inquisição foi extinta em Portugal, o país estava exaurido sobre o ponto de vista humano e material, por essas e por outras.
Milhares de livros, de manuscritos, alguns únicos, foram vítimas da senha persecutória do Índex da Inquisição. Como exemplos, a própria leitura da Bíblia, em 1229, foi proibida pelo Concílio de Tolosa, Espanha. Assim:

Em 1434, um monge de Barrientes, ateou fogo aos livros do marquês de Vilhena. No ano de 1490, o grande inquisidor Torquemada lançou ao fogo 6.000 volumes. E, em pleno século da Reforma, quando já a luz da liberdade tremeluzia no horizonte, o cardeal espanhol Jimenes atirou às chamas 5.000 volumes. Diniz Diderot, filósofo e literato francês (1713-1784), autor, com d'Alembert, da famosa» Encyclopédie» esteve encerrado no Castelo de Vincennes, França, porque publicou uma «Carta sobre os Cegos para uso dos que vêem». Charles de Secondat, barão de Montesquieu (1689-1755), escritor francês, foi perseguido por ter publicado «Cartas Persas» (1721), «Considerações sobre as causas da grandeza e da decadência dos Romanos» e de «Espírito das Leis» (1748). E outros, como Nicolau Copérnico, célebre astrónomo polaco (1473-1543), que demonstrou o duplo movimento dos planetas sobre si mesmo e à volta do Sol, teoria condenada pelo papa Paulo V, porque punha por terra a ideia ptolemaica, que sustentava (e a qual ainda se sustenta) a ideia do Céu e do Inferno da Igreja; e Galileu Galilei, matemático, físico e astrónomo italiano (1564-1642), que adoptou o sistema do mundo proposto por Copérnico, proclamando que o centro do mundo era o Sol e não a Terra, valendo-lhe a intimação da Cúria romana para que abjurasse e sofresse, já septuagenário, um cativeiro, sob vigilância da Inquisição.

Até aos alvores da Idade Moderna, os papas assumiram-se, salvo honrosas excepções, mais como chefes de Estado e/ou Imperadores, que como chefes espirituais, pastores da sua Igreja. Mais devotados às coisas terrenas que às do Altíssimo. Tempos houve, em que papas como o Bórgia e a sua família (filha, filhos e dependentes) trouxeram descrédito e desgraça à causa de Cristo. A corrupção, a venalidade, a luxúria e o deboche, conduziram ao Cisma e à Reforma Protestante.
Como curiosidade, assinale-se que a construção da Basílica de S. Pedro em Roma teve início em 1506 e o mais longo pontificado até hoje verificado, foi

o do papa Pio IX (32 anos - de 1846 a 1878).

Pedro Pereira

 

 

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