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AGORA NÃO É O IRÃO

05-07-2019 - Jorge Duarte

Não importa que epíteto: guerra no Médio Oriente; embargo da OPEP; Palestina; Irão-Contras; Mãe de Todas as Batalhas; Tempestade no Deserto; Eixo do Mal...Sempre o Médio Oriente, desde a queda do último sultão.

Essa dúzia de letras que sempre que se ajuntam para vibrar em qualquer língua, ressoam a sobressalto e trazem à superfície a amálgama de ódios que subjazem nas inquietas camadas da história, vezes de mais, pelas piores razões, entrecruzadas com a nossa. O termo britânico, designava para o Reino Unido do século XIX, a vasta região situada entre a sua colónia indiana e o Egipto, face à distância relativa à ilha. Igualmente para os conceitos de Próximo e Extremo Oriente.

O ribombar dos tambores pretende declarar a inevitabilidade do ataque ao Irão, um dos países declarados “Eixo do Mal”, por Bush, como o foi a Coreia do Norte, pela obtenção do nuclear. Ora, nem esta foi atacada nem o será o Irão, pese embora a máxima pressão dos falcões das armas e das duas potências rivais (além da Turquia): Israel e Arábia Saudita. E se por um lado a motivação de Israel é de carácter existencial (mas conjugada com o de potência regional e interessado em divisões e crises) face a um inimigo tão poderoso que o ameaça aniquilar, como é o Irão, cuja influência se faz até à Síria, Líbano, Iraque e Iémen, pela afinidade da mesma confissão xiita, a Arábia Saudita apenas a move um intenso desejo de controlo do Golfo Pérsico, supremacia na região, e domínio hegemónico do mundo sunita para onde deseja exportar o seu perigoso e extremista rito oficial Wahabita (inimigo do ocidente).

Ainda no início do século XX o recente reino vivia de tâmaras e das peregrinações a Meca. A descoberta de petróleo nos anos 1950 catapultou-a para uma opulência e ambição que não mais cessou de crescer. Um território imenso e rico em petróleo mas com uma ínfima população desperta a cobiça alheia que a obriga a armar-se. O Ocidente acorre ao fornecimento do colossal arsenal de defesa ao mesmo tempo que com os contratos para a transformação radical do país, da tecnologia ao modo de vida. Assente numa monarquia férrea e um culto oficial Wahabita (sunita ultraortodoxo, que não permite outro na península), fecha-se num castelo blindado, com um investimento em defesa quatro vezes superior a Israel e cinco vezes o Irão.

Tremeu de pânico em 1979 com a invasão do Afeganistão pela União Soviética, e a revolução iraniana de Khomeini, e em 1990 com a invasão do Kuwait pelo Iraque. Se as duas invasões não poupariam a cobiçada Arábia e as suas fontes de petróleo, já a revolução iraniana ameaçava sair das fronteiras e fazer explodir todo o sistema tirânico saudita bem como outras monarquias do Golfe, regimes seculares e autoritários como o de Saddam, do partido Baath, com o qual travou uma longa guerra, da OLP de Yasser Arafat ou de Anwar al-Sadat. Razões de sobra para os contratos milionários com os fornecedores de armas europeus mas com os EUA à cabeça. De resto, somados às bases militares americanas instaladas na península, consentidas pela monarquia, outra fonte de conflito com os movimentos salafistas, cuja presença do infiel em terra do islão é insuportável, como o é a própria monarquia e o pacto odioso com os EUA.

Na ressente escalada anti-Irão há dois momentos que não podem ser esquecidos: a retirada precipitada das tropas americanas do Iraque, ordenada por Obama em 2011 e num segundo momento a incapacidade de agir do mesmo Obama, na Síria, quando Assad ultrapassou a “linha vermelha”, usando armas químicas, apesar das ameaças. Se no primeiro caso era certo e sabido que o Iraque mergulharia no caos por conduzir inevitavelmente ao ajuste de contas final entre os maioritários e oprimidos xiitas que se vingariam de décadas de tirania sunita, comandadas por Saddam, no segundo caso, o regime de Assad (da minoria Alauita, xiita) encontrou espaço para agir e reforçar os já antigos laços com a Rússia, que acabou por entrar em força e salvar o regime apoiado por Teerão.

O desconcerto ocidental e a hipocrisia de ambos os lados, desembocou no reforço da posição iraniana, mantendo a influência na Síria e Iraque e agora com a dupla aproximação à Rússia e China que só os belicistas encaram como única solução, a guerra. Esquecem a lição do Iraque onde a desastrosa decisão de Obama de retirar as tropas, criou o caos e impulsionou os minoritários sunitas, encurralados, à criação do jihadista Estado Islâmico, que se propagou à Síria, com uma população maioritariamente sunita, e a devastou, igualmente, numa multiplicação de problemas até fazer perigar o próprio regime saudita.

Persas não são árabes, xiitas e sunitas não são meros antónimos nem significações semânticas, são antagonismos viscerais e inconciliáveis gravados e celebrados a sangue e martírio desde o século VII. Qualquer avaliação aligeirada da luta entre estes dois blocos, explorando divisões sectárias, étnicas, tribais, de recursos ou oportunismos, mais não são do que contributos para a sua perpetuação em violência, desestabilização regional e radicalização antiocidental.

O Irão, comandante do mundo xiita, não é um país qualquer: Um vasto território, com abundante população, orgulhoso do seu passado, berço do Império Persa, do profeta Zoroastro, de uma cultura que produziu filósofos, artistas, escribas, técnicos e eruditos que foram o suporte das realizações árabo-muçulmanas até ao apogeu da sua expansão. E, não menos importante, possui os principais lugares sagrados de peregrinação dos xiitas e túmulos de santos e mártires.

A retirada súbita de Donald Trump do acordo nuclear internacional, assinado por Barack Obama em 2015, e a imposição de sanções devastadoras, faz da instável República Islâmica uma bomba-relógio, agravada com a economia em queda, a moeda a desvalorizar, greves diárias, seca extrema, migrações internas de população, escassez de bens essenciais, oposições internas violentas entre civis e clérigos, com os temíveis Guardas da Revolução.

A estratégia de isolamento quase se apresentava concretizada: primeiro o Iraque, depois a Síria, Hamas e Hezbollah, apoiados por Teerão que ameaçam Israel, e agora o Irão. Mas entraram já outros actores (Rússia e China) e Trump sabe que a opinião pública americana não suporta mais guerras estúpidas nem ver os seus soldados definhar (pelo efeito de gases), após o regresso a casa, como no Iraque, por mais que lhe custe a perda de influência hegemónica e dos seus aliados sauditas e israelitas na região. A União Europeia aprendeu a lição e manteve-se no acordo, pela primeira vez contrariando a América.

Resta saber, no eterno confronto xiitas-sunitas, hipocrisia e cobiça pelas riquezas, até quando a comunidade internacional consegue refrear os ímpetos dos falcões da guerra, que forçam Trump a um ataque, ou este precisará dele para garantir a próxima reeleição como já antes o fizeram outros ex-presidentes. Nesse caso, a vitória será a derrota, e o vazio de um “império” a centrifugação da desgraça que entrará em todas as portas. Uma nova “Guerra Fria” está instalada na região e não será a “guerra quente” a solução, apenas a aumenta em proporção. As anteriores intervenções, a pretexto da retirada de tiranos do poder, não trouxe a democracia, os custos superaram os benefícios e as Primaveras Árabes levaram à ascensão dos islamitas nos novos governos.

O Médio Oriente não é o Ocidente. Agora não é o Irão.

Jorge Duarte

 

 

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