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O DESPREZO INDIGNO VOTADO PELO PODER POLÍTICO AOS EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR

21-06-2019 - Pedro Pereira

Passados que são quarenta e cinco anos do final da guerra colonial, contam-se por largas dezenas de milhar os ex-combatentes que continuam a viver em sofrimento no quotidiano, por via de doenças físicas crónicas adquiridas em terras de Ultramar nas mais miseráveis condições, inclusivamente em combate, sobretudo mutilados, doenças do foro psiquiátrico e/ou psicológico, abandonados pelo Estado português aos seus destinos como se as doenças adquiridas fossem coisa banal, sem que os representantes do mesmo Estado, nomeadamente a tutela das Forças Armadas através dos sucessivos ministros da Defesa, reconheçam esta gravíssima chaga social e continuem a fazer como a avestruz quando desnorteada, ou seja, metem a cabeça na areia e deixam o rabo de fora. Em suma: comportam-se de forma indigna, apanágio dos cobardes.

Conheço bem esta realidade, por dentro e por fora esta “doença” que corrói a sociedade portuguesa. Eu próprio sou ex-combatente. É que para “infelicidade” dos variados governos de turno desde o 25 de Abril de 1974 até esta data, e apesar de em cada dia que passa morrerem ex-combatentes da guerra do Ultramar, ainda assim continuam a sobrar dezenas de milhares deles nesta altura que vos escrevo, o que é uma “chatice”. Para o poder político, a solução encontrada é fazer de conta que não existem, varrer os ex-combatentes para debaixo do tapete da história como as sopeiras relapsas e esperar que o tempo os (nos) esqueça.

Um destes dias o novel senhor ministro da Defesa, como bom paisano, deu um ar da sua graça em “defesa” dos ex-combatentes, prometendo para um dia qualquer de qualquer mês, de qualquer ano, a criação de um cartão de identificação para os ex-combatentes, sem que este traga outros benefícios que não seja simplesmente o portador poder mostrá-lo. Se esta iniciativa não fosse trágica, era cómica.

É simplesmente indecoroso o tratamento que tem sido dado aos ex-combatentes desde o final da guerra que destruiu física e psicologicamente o melhor de algumas gerações de jovens deste país.

Trata-se, evidentemente, de uma medida propagandística sem consequências práticas. Simplesmente este governo deve acalentar secretamente (senão falando entre eles), que aqueles que ainda sobrevivem das guerras em Angola, Moçambique e Guiné, morram quanto antes. É bom que o leitor saiba que estes têm nesta altura idades que oscilam entre os setenta e os oitenta anos e mais.

Como pequeno exemplo do tratamento indigno por parte do Estado português para com quem deu o melhor de si ao serviço da Pátria, permitam-me transcrever para vossa ilustração a mais recente carta de um velho Amigo, ex-combatente, que dele recebi esta semana.

Pedro Pereira

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Meu Caro Amigo Pedro

Sou um Doente Vítima da Doença de Parkinson. A doença agravou-se, cada dia mais (…) embora tenha sempre lutado com todas as minhas forças.

Sou Deficiente das Forças Armadas (DFA), com a patologia do Stress Pós Traumático de Guerra – fui um dos fundadores, em 1994 da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra. Estive 11 anos na frente da luta dos Combatentes, desde 1994 a Janeiro de 2005. O Caderno Reivindicativo foi cumprido, até que em Janeiro de 1994 tínhamos uma Lei, que aceitava o PTSD de Guerra como uma Doença.

Reunimos com a Presidência da República; Primeiros-Ministros; Comissões e Grupos Parlamentares; Ministérios; Partidos Políticos; Centrais Sindicais e Sindicatos; Chefes do Estado Maior; Centros Regionais da Saúde; Autarquias, principalmente por sabermos serem úteis essas Reuniões, nos Distritos de Lisboa, Santarém e Setúbal. No final da luta da Associação, quando só era necessária a Aprovação da Legislação surgem algumas Associações. Em 1996 é fundado o Jornal APOIAR, fui o primeiro Director, eleito 11 anos dirigente e saio por ter esgotado os mandatos. Ser-se Dirigente e Presidente não é difícil, complicado é não existir dinheiro para pagar aos Técnicos. Conheço de fora para dentro o PTSP de Guerra. Os sintomas mais graves, sou vítima de todos, desde matar – tanto pessoalmente e com tiros – como através das Minas e Armadilhas (nunca se sabe o número). As mortes dos melhores Amigos são um dos maiores traumas. Na minha opinião, pior ainda, é ser CONTRA A GUERRA. Em 2002 assinei um Protocolo com o Ministério da Defesa. No mesmo ano tive uma síncope cardíaca e fui operado de urgência. Estive à morte, 16 dias em coma. O Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque diz-me já esperar por isso há muito tempo. Denuncio ainda a tal Rede Nacional de Apoio que nunca funcionou – pode-se ler nos Jornais APOIAR. Os governos ameaçam sempre cortarem os subsídios e se não lutarmos sempre, as Associações, aquelas com compromissos, vivem eternamente com medo. Deixámos 30.000 euros no Banco que ficou à responsabilidade da Lista eleita.

Aquela verba era uma reserva para ser usada caso o Protocolo falhasse. Tínhamos de pagar a um Psiquiatra; 2 Psicólogos: Médico de Clínica Geral; Advogado; Assistente Social e Administrativo, não contando com as restantes despesas.

A minha saúde agravou-se e entrei num Lar Militar. Quando regresso vejo, na prática, a fraqueza da APDPk (Associação dos Portadores de Doentes de Parkinson), com todas as debilidades e erros (…).

A Fisioterapia era paga pelos Doentes (25 euros) aos Técnicos ao Serviço da Associação. Depois de fazer as minhas contas verifico que qualquer pessoa não pode suportar essa despesa. Por curiosidade marquei Consulta no Império do Senhor Professor Doutor Joaquim Ferreira. Onde estão os valores dos Apoios que a APDk recebe, de Protocolos assinados? Ofereci-me para colaborar, disse ter possibilidades de os ajudar com a minha experiência. Também informei não estar disponível para ocupar um cargo em qualquer Órgão a eleger. Nunca me responderam – uma falta de respeito – não se faz… Todo o cidadão tem direito a uma resposta (…) Os Especialistas não estão em Hospitais Públicos e Privados, sim ao serviço do Quim. Marquei uma Consulta para me ajudar a perceber. Descobri outro negócio, os doentes, sempre com acompanhante, podem fazer férias na praia de Santa Cruz. Pagam muito dinheiro, fala-se que é um tratamento. Fui ao seu Império de Lisboa só para saber.

Sei que o stress pós traumático trás atrás de si outros problemas. Também sei que se existir uma outra situação traumática, mesmo nada tendo a ver, neste caso com a guerra, há agravamento que pode colocar a vida da pessoa em perigo .

Perdi as forças e o equilíbrio, não tenho fisioterapia e o tratamento é à base de drogas. Depois o tal Serviço Nacional, nem tão pouco é de Saúde, falha com frequência. Faltam medicamento no mercado com a informação de irem deixar de ser utilizados. Voltam ao mercado depois de ter surgido um outro. Ficamos com um e outro, como não temos Consulta, fiquei a engolir, no lugar de 7 comprimidos diários, passei para 12.

Houve um choque e fui agravando o problema, Deixei de tomar todos. Tentei marcar Consulta sem o conseguir. Disse ir resolver a situação, desloquei-me ao Hospital de Santa Maria. A resposta que obtive foi ser impossível marcar Consulta. Uns berros com força, escolhiam-me sempre para dar a voz, foi o que fiz. Disseram-me para aguardar na Sala no interior e fizeram-no como por descuido e saio a berrar e mais forte desta vez, com pontapés à mistura. Discursei para as massas. Dizem chamarem a PSP. Pode ser o mais rápido possível. Tinha informado que chamassem a autoridade. Estava lixado se me calasse. Seguro o telemóvel, reparo não ter o contacto. Telefonei para um amigo e de modo a todos ouvirem, deu o nº. e logo que ligo chamam-me e marcam Consulta.

Como as consultas não são regulares surgem problemas. Perguntei ao Especialista, referindo o que pensava do assunto e ter deixado de tomar os medicamentos do Parkinson.

Podiam matar-me com as asneiras que fazem. Um dia a APDPk convida-me para ir a uma Palestra com um Advogado para se tirarem dúvidas referentes à Legislação. Faltou o Advogado.

Aqui discursei, o tipo estava farto de me ouvir:

– Depois sou convidado para uma outra Palestra com a pessoa mais credenciada sobre o Parkinson, Professor Doutor Joaquim Ferreira. Era a única pessoa tanto sócio como dirigente da Associação. A única posição que podia fazer era denunciar. Ficou desarmado,  os Doentes com essa doença, aliás nenhum ser – nenhum Cidadão merece este tratamento – num País que diz possuir o melhor SNS do mundo. Não sei a razão por irem morrer ao privado.

O tempo passa:

– Cada dia ando pior, nem sequer dou pelas quedas.

No dia 4 de Fevereiro caí no chão, deitei montes de sangue e encharquei 3 toalhas. Nove pontos e no dia 11 de Abril caí, ia para o Hospital de Santa Maria, como era o Dia Mundial do Parkinson, resolvi ir até ao Centro de Medicina Desportiva na Cidade Universitária, houve um Colóquio. Com sangue a sair-me  do nariz segui de táxi. As Senhores, vestidas com fraque de cerimónia nem atenção. Não havia um copo de água. Uma cadeira para me sentar? Fui vítima da maior falta de respeito da minha vida por alguém sem categoria (…) Fui sempre pessoa de respeito, e sério. Nunca enriqueci, verdade ter nascido num berço de ouro, meu pai era industrial. Estudei num dos melhores Colégios de Portugal, mas deixei de estudar, por não gostar. Fomos 9 alunos desse Colégio que fundámos um Jornal. Saíram 6 Médicos; um Advogado; um dos maiores Políticos Portugueses e outro infelizmente faleceu num desastre de viação. Estive na guerra, regressei e tornei-me um dos maiores Técnicos de Diamantes do mundo. Éramos perto de 700 e fui dos últimos 45 a serem despedidos. Mais sérios? Nunca gostei de vigaristas, nem falsos profetas. Desde pequeno que adoro mulheres, homens não… Essas Senhoras deviam respeitar as pessoas. Não devia abandonar o Anfiteatro. Lancei uns berros, que me libertaram, despejei o saco, até uns murros, em mulheres nunca.

Podia ter avenidas cheias de prédios quando fui despedido com 53 anos. Surgiram oportunidades de enriquecer monetariamente a lapidar diamantes (fora da empresa onde trabalhava). Alterar a talha antiga dos diamantes, por talha moderna. Para ir trabalhar fora do país. Outras hipótese, mas a trabalhar.

Lisboa, 17 de Junho de 2019

Cumprimentos do,

Mário Vitorino Gaspar

 

 

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