TENHO MANTEIGA NOS OSSOS
21-06-2019 - Armando Alves
“Tenho manteiga nos ossos” reclamava o espantalho daquela maneira tonta que reclamam os espantalhos quando nã o est ão a espantar coisa nenhuma.
“Senhor Rasga-Aqui-Cose-Ali, nã o h á maneira nenhuma, digo-lhe, nenhuma maneira possível, do senhor ter qualquer tipo de lubrificante nos ossos, e isso, está claro, deve-se ao facto do senhor nem ossos ter!” Não queria parecer irritado, mas aquela conversa desnecessária corrompia-me o horário proposto para reparação do maldito rel ó gio de cuco que tocava quando bem lhe apetecia!
“ Ent ão tenho manteiga no pau de vassoura! Digo-lhe, senhor! Sinto-a como se estivesse sobre o pão num pequeno-almoç o. ” Coçava-se. Coçava-se e ao faze-lo enchia-me o tapete de palha! Ainda para mais não gostava daquela voz de serradura. Nunca gostei muito de espantalhos e os espantalhos nunca gostaram muito que eu não gostasse de espantalhos, o que não me espantava. Para que serve um espantalho de qualquer maneira? Ficam de braços abertos no meio do milharal, observando os corvos que se deviam assustar com a sua presença a debicar o milho que não deviam debicar por lá estar um inútil homem de palha! Palha que podia muito bem estar a alimentar cavalos, bodes, cabras! Nunca ningu é m se lembrou a construir um homem de milho para espantar equí deos! “Oiça, meu bom boneco provavelmente inanimado que s ó posso imaginar que está a falar, eu faço e concerto engenhocas! E dado que, na minha opinião, um espantalho é um engenho tão útil como um caldeirão sem fundo, porque não pede ajuda ao lenhador, ou algu é m com tanto ou menos que fazer?”
“Ao lenhador? Mas o lenhador não é louco! Não me pode ouvir! Ao contrário de si, que tem as engrenagens do c é rebro todas voltadas para o lado errado!” Era a primeira vez que um espantalho fazia sentido naquilo que dizia… E como tal, comportei-me da mesma forma sensata que sempre me comporto quando perco uma discussão bem argumentada contra um objecto inanimado. Peguei-lhe fogo.
Armando Alves
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