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D. SEBASTIÃO – O ETERNO DESEJADO

07-06-2019 - Pedro Pereira

Porque o mito sebastianista continua bem entrosado na matriz do povo português, dado os tempos que correm recordemos a sua origem para reflexão do leitor:

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D. Sebastião, décimo sexto rei de Portugal, filho póstumo do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria, filha do imperador Carlos V, nasceu em Lisboa em 20 de Janeiro de 1554. Sem inclinação alguma ou vontade até, relativamente aos tratos do reino, desde jovem se sentiu atraído pelas gestas militares no Norte de África e outros grandes feitos de armas dos portugueses de antanho. Sem cuidar de dar ouvidos aos avisos e aos conselhos da Corte, endividou a coroa e o reino ao organizar uma expedição militar a Alcácer-Quibir, onde veio a desaparecer em combate numa manhã de nevoeiro em 4 de Agosto de 1578, montado num cavalo branco (e pelos vistos alado) sem deixar sucessor. Por tal facto, deixou o destino traçado de forma a Portugal passar a breve trecho para a posse da coroa espanhola, como veio a acontecer.

D. João III produziu dez filhos legítimos e um bastardo, porém, todos se finaram em vida de seu pai, só o príncipe D. João, que houvera nascido em 1537, conseguiu alcançar a adolescência e por tal sorte, assim que perfez quinze radiosas primaveras o seu pai casou-o com D. Joana, filha do imperador Carlos V. No entanto, o destino funesto que alcançara os outros filhos do monarca, também não o poupou. Desta feita, este príncipe veio a falecer em Janeiro de 1554, deixando a sua consorte grávida, já próximo do termo da gravidez. A corte e a nação esperavam com ansiedade o nascimento do neto de D. João III, uma vez que a coroa encontrava-se ameaçada de ficar vacante e, uma cláusula fatal, constante no contracto nupcial da infanta D. Maria de Portugal com o príncipe D. Filipe de Castela, atribuía aos filhos deste enlace a herança da coroa portuguesa no caso de não sobrevirem desta, herdeiros directos. Prefigurava-se, desta forma, uma união ibérica, temida desde os alvores do reino português e sempre detestada pelos seus nacionais. Assim, a 20 de Janeiro desse ano de 1554, com grande júbilo foi acolhida por todos os portugueses a notícia de que acabara de nascer um filho da realeza que ia receber por nome Sebastião, por ter nascido no dia em que a igreja celebra esse santo padroeiro. Dada a ansiedade havida no reino até então por tal sorte, o povo cognominou o futuro rei de «O Desejado», como que declarando-o: «o salvador da pátria». Entrementes, D. João III pouco mais tempo sobreviveu. Finou-se três anos após, deixando a herança da coroa a esse débil moçoilo, única esperança de continuidade da nacionalidade portuguesa.

Por tais artes, D. Sebastião, começou, pois, a reinar em 11 de Junho de 1557, com três anos e meio de idade, tendo para tal, sido aclamado rei.

Levantaram-se dúvidas a respeito da regência que o cardeal D. Henrique reclamava para si, como tio-avô do jovem monarca. No entanto, a avó, a rainha viúva D. Catarina, assumiu tal encargo em virtude dum testamento mais ou menos autêntico de D. João III encontrado entrementes por artes do destino. Porém, D. Henrique intrigava e a rainha para acabar com esse empecilho, ocorreu dizer-lhe que lhe entregava completamente a regência do reino. Apanhado de surpresa (ou de calças na mão, como é uso dizer-se) o cardeal infante não se atreveu a aceitar, pelo que, a sua recusa foi desde logo aceite e ratificada pelas cortes, que para tal fim se reuniram, ficando então D. Catarina na posse indisputada e plena da regência. Contudo, D. Henrique tinha um poderoso aliado, os jesuítas, a cuja astúcia confiou o êxito da sua causa.

Por estas artes, contra eles D. Catarina nada pôde concretizar. Os jesuítas tanto intrigaram que a rainha, em 1567, depois de 10 anos de regência, viu-se obrigada a cedê-la definitivamente ao cardeal D. Henrique, regência esta que durou tão só até 1568, ano em que D. Sebastião tendo completado 14 anos de idade, foi declarado maior. A regência do cardeal durara apenas um ano. Quando assume efectivamente o poder, o povo já havia entrosado dentro de si pouca fé num soberano imaturo, pouco dado ao estudo da sua época e às coisas do espírito, de hábitos efeminados e oriundo de uma família no seio da qual as «facadas nas costas», as traições, eram coisa natural. Além disso, queixavam-se das constantes ausências do soberano da capital e com mais razão se queixaram ainda, quando assolada pela terrível peste de 1569, D. Sebastião os abandonou completamente, fugindo da epidemia com evidente alarde da sua cobardia.

No decorrer de uma das suas viagens pela província, em fuga de mais uma peste que grassava em Lisboa, praticou as maiores bizarrias, mandando, por exemplo, abrir os túmulos dos reis seus antepassados para se extasiar diante dos ossos dos que tinham sido guerreiros.

A sua saúde era débil, no entanto, voluntarioso, caprichoso, não dava ouvidos à sabedoria, aos conselhos dos mais avisados. Interessava-se sim, com fervor, denodadamente e apenas, pela religião e pela guerra.

Desfasado do seu tempo e no tempo, anacronicamente pretendia salvar os mouros da perdição da fé de Mafoma e conduzi-los à redenção católica, ao rebanho de Cristo. Era um jovem infeliz. Ficara órfão de pai. Ainda antes de nascer e a sua mãe abalara para Espanha, agastada por lhe não ter sido confiada a regência, quando morreu D. João III. A rainha D. Catarina, avó do monarca, embora tivesse resistido algum tempo, acabou por aceitar a nomeação dum jesuíta para mestre do seu neto. A Companhia de Jesus era já nesse tempo um potentado. O preceptor foi o padre Luís Gonçalves da Câmara. Para aio foi escolhido D. Aleixo de Menezes, homem de espírito superior. Talvez sem o querer, D. Aleixo contribuiu para completar a educação do jesuíta. O padre Câmara fez de D. Sebastião um monge e D. Aleixo dele fez, um militar brioso. Foi dessa mistura «explosiva», dessas duas educações combinadas, que resultou um monge militar coroado, uma espécie de cruzado fora de moda que arrastou Portugal para a sua ultima cruzada, na qual ele se perdeu e consigo uma nação acompanhado pela nata da fidalguia lusitana.

Rapaz medianamente inteligente, muito impressionável, D. Sebastião era por isso mais acessível do que qualquer outro à influência de todas estas causas. Dividia o seu tempo pelas montarias, pelos «dolorosos» exercícios religiosos e pela leitura de livros de história, principalmente da História de Portugal. Segundo as crónicas, D. Sebastião nada mais fez na cama senão sornar. Isto, nos poucos anos que por cá andou nesta vida terrena, uma vez que, quando em bebé, certamente que a urinou como é normal fazerem os rebentos em crescimento. Consta ainda que, o jovem monarca padecia de um corrimento venéreo crónico que o teria impedido de assegurar a continuação da dinastia, para além de ser avesso ao sexo oposto, não se lhe tendo conhecido por tal facto alguma jovem próxima de si.

D. Sebastião em nada se importava com os negócios públicos, tudo deixava entregue aos seus ministros. No seu curto reinado, o rei limitou-se a pouco mais que esvaziar os cofres do estado por ter contraído vultuosos empréstimos a fim de concretizar a sua obsessão relativamente à mourama.

Quando decidiu encetar a desgraçada empresa ao Norte de África, o bispo do Algarve, D. Jerónimo Osório, que não desaprovava a ideia de uma cruzada contra os mouros, considerou inconveniente de todo a ocasião, alegando que devia antes aproveitar-se o momento em que houvesse discórdias graves entre os muçulmanos para tal iniciativa.

Mau grado os conselhos avisados de vários soberanos e outros, o monarca decidiu empreender a cruzada. Se a empresa era insensata, o modo de a levar a efeito foi mais insensato ainda.

Na arrecadação do dinheiro necessário para a expedição cometeram-se as maiores exacções que irritaram de sobremaneira o povo. Endividou-se o estado aos banqueiros judeus, esvaziaram-se os cofres do reino. Depois arregimentaram-se terços espanhóis, alemães e irlandeses pagos a peso de ouro, com todos os inconvenientes das tropas mercenárias, tendo ainda sido recrutados no reino uns nove mil soldados bisonhos, fracos, incipientes, provindos das artes da lavoura, sem treino militar, que de pouco serviam.

O corpo de voluntários da nobreza era brilhante, pela bravura dos que o compunham e ao mesmo tempo indisciplinado. Além disso, equipou-se a força militar com um luxo manifestamente impróprio para uma expedição militar. D. Sebastião, não só tolerou esse luxo, apesar das severas pragmáticas que promulgara em tempo, mas animou-o.

O rei nomeou general da armada D. Luís de Ataíde, homem que sempre se havia oposto a esta temerária aventura, por isso mesmo o mandou por vice-rei para a Índia e deu o comando a D. Diogo de Sousa.

Varrido de todo, completamente desvairado, muniu-se da espada de D. Afonso Henriques que mandou pedir ao convento de Santa Cruz de Coimbra, mais uma coroa de ouro que devia colocar na cabeça quando se proclamasse imperador de Marrocos. Soberbamente ajaezado (ele e a sua alimária) largou ferro do cais de Lisboa, em 25 de Junho, capitaneando uma armada de 800 velas e um exército de 18.000 homens, composto por soldados de todas as proveniências, que já em Lisboa tinham travado gravíssimas rixas entre eles e com populares.

Ao chegar a África, a doidice agravou-se. Para tomar Larache de assalto, que era um porto de mar, desembarcou em Tânger a 17 de Julho de 1578 e seguiu por terra, passando por Arzila e Alcácer Quibir. A marcha em Agosto tórrido era pesadíssima para a soldadesca, que chegou morta de cansaço a Alcácer Quibir.

Seguiu-se a batalha desastrosa de 4 de Agosto. Acrescente-se que D. Sebastião, quando sentiu o cheiro da pólvora, esqueceu tudo e todos. Os seus deveres de comandante, as ordens que dera. Quando a derrota se começou a vislumbrar, D. Sebastião não deu por ela, só se apercebendo quando as hostes portuguesas encetaram uma completa debandada.

Acompanhado apenas por uns poucos fidalgos, lançou-se sobre o inimigo procurando salvar a artilharia que os marroquinos levavam dos destroços da soldadesca portuguesa.

Dando esporas à montada, lançou-se contra o inimigo brandindo o montante de Afonso Henriques e desapareceu em combate no meio da mourama, dizem que numa manhã de nevoeiro.

O povo português não quis acreditar na sua morte e a partir de então formou-se em torno do seu nome não só uma lenda, mas uma seita, que se tornou conhecida por «Sebastianistas». A morte do monarca com o tempo acabou por ser oficialmente reconhecida. Tal facto inflectiu de forma marcante o curso da História de Portugal sobrevinda. Marcou de tal sorte o imaginário lusitano, que ainda hoje os portugueses anseiam secretamente por um «D. Sebastião» que os salve dos crónicos desgovernos que de há séculos assolam a nação. Os candidatos à desgovernança, esses, continuam a ser sempre mais do que as mães. Alguns até, nem sabem quem são as mães. Em certas épocas o imaginário colectivo até vislumbra alguns no meio dos destroços nebulosos da desgraça, candidatos efectivos por partidos, travestidos de «sebastiões».

Invariavelmente, mais cedo ou mais tarde, estes têm sido sempre desmascarados pelo povo que antes, iludido, foi atrás deles. Depois, com o passar do tempo, toldada a memória pelo esquecimento, o povo volta de novo a acalentar que numa manhã de nevoeiro apareça o dito D. Sebastião montado no seu alazão, brandindo o montante de D. Afonso Henriques contra os opressores, contra os inimigos dos portugueses.

Povo esperançoso este…

Em 1582 o suposto cadáver do rei veio para Portugal onde foi sepultado num túmulo da igreja de Belém, nele se escrevendo um pequeno epitáfio em latim que deixa transparecer a dúvida, conforme diz: Aqui jaz, si vera est fama... 

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«Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais do que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?»

Fernando Pessoa

In Mensagem

Pedro Pereira

 

 

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