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AMOR, CIÚME & CRIME À PORTUGUESA (IV)

03-05-2019 - Pedro Pereira

OS BRANDOS COSTUMES NAS SENTENÇAS DE CRIMES
É mais fácil desintegrar um átomo do que mudar uma mentalidade
Albert Einstein

Eis alguns exemplos da permissividade judicial nos alvores do século XX, para casos passionais e de violência doméstica, reflexo de uma sociedade permissiva, também chamada de brandos costumes.

De certo modo, ainda nos dias hoje, passado mais de um século dos retalhos das notícias que se seguem, alguns magistrados portugueses continuam a actuar em casos semelhantes com algum paternalismo e até (porque não dizê-lo) com bonomia e ligeireza das suas sentenças, espelho dos brandos costumes enraizados na génese do português. Assim:

«José Fernandes da Silva, de 33 annos, natural de Lisboa, escripturario da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, que, como O Seculo noticiou oportunamente, disparou dois tiros de revolver contra sua mlher, Palmyra da Conceição e contra o amante d’esta, Americo Julio Bronze, atingindo apenas este no rosto, caso que se deu, na tarde de 13 de Setembro, do anno findo, no jardim da praça da Alegria, apresentou-se hontem a responder, em audiência do jury (…) Depois do relatório do juiz, que foi imparcialissimo, o jury recolheu à sala das suas deliberações, de onde regressou cerca das 5 horas da tarde, dando o crime como provado, mas dando tambem como provada a derimente da falta de intenção, motivo porque foi absolvido e mandado em paz.

Dentro e fora da sala de audiências, comprimia-se uma grande multidão, que, ao ter conhecimento do veredictum do jury, se manifestou ruidosamente, entrando muitos amigos do réu na sala, a fim de o abraçarem».

(O Século, 18.02.1910, p.5.)

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«Antonio Ramos, de 55 annos, alfaiate, natural de Gonçalo Boccas, e residente em Freixedas, que há dias assassinou sua esposa, Josepha dos Santos, de 60 annos, natural da Rigadinha (…) foi hoje interrogado pelas auctoridades d’esta villa, confessando de novo o crime com todos os pormenores».

(O Século, 18.02.1910, p.2.)

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«Em policia correcional, conforme o determina a lei, realisou-se hontem na Boa-Hora o julgamento do comerciante Antonio de Freitas Cardoso Araujo, aquele individuo que, em 12 de Outubro do ano findo, surpreendendo n’uma casa suspeita da travessa do Fala-Só sua mulher Emilia Augusta Franco e seu genro Ruy Macedo, os matou a ambos com tiros de revolver.

Depuzeram varias testemunhas, as quaes afirmaram que o réu era extremoso pelas suas vitimas, provando-se que procedera em virtude de uma grande alucinação ao ter a prova de que fora atraiçoado.

O juiz, declarando na sua sentença não admitir que, n’um caso daqueles, o réu pudesse conservar a serenidade de espírito e o livre exercício das suas faculdades, absolveu-o sendo posto em liberdade».

(O Século, 10.07.1912, p.3.)

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«Em audiência, também de júri (…) foi julgado (…) Francisco Simões dos Reis, de 28 annos, criado de meza, de Cascaes, acusado de, em 25 de Julho, na rua do Gremio Lusitano, 56, 2º, ter ferido com três tiros de revólver a sua amante, Carmen dos Reis Barros. Confessou o crime, alegando que o cometera sem intenção de matar e movido pelo ciúme. O júri deu-o como provado, sem intenção de matar e sem premeditação, pelo que foi condenado a 6 meses de prisão correcional».

(O Século, 27.01.1917, p.2.)

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«Em audiência geral (…) foi hontem julgado, no 1º distrito Narciso Viana, de 28 anos, carpinteiro, de Viana do Castelo, rua do Arco da Graça, 73, 2º, acusado de, em 28 de Agosto de 1916, na casa da sua residência, disparar dois tiros de revólver sobre a sua amante, Maria da Glória, ferindo-a na cabeça.

Confessou o crime, alegando que o praticou por ela o trair com um barbeiro que mora na rua Nova de S. Domingos.

O júri deu o crime como não provado, por unanimidade, pelo que foi absolvido».

(O Século, 28.02.1917, p.2.)

Em conclusão:

A série de artigos relativos aos crimes passionais e de violência conjugal que apresentámos ao leitor nos últimos quatro números deste vosso jornal e que hoje se conclui são resultado de uma amostragem efectuada em investigação que efectuamos nos arquivos do extinto jornal diário, O Século, periódico que foi uma grande escola de jornalistas e fotojornalistas e que a partir de uma dada altura manteve em paralelo com a sua actividade editorial, uma notável obra de carácter social dedicada às crianças e jovens: a Colónia Balnear Infantil O Século, em S. Pedro do Estoril.

Na realidade revisitada nos excertos das notícias que publicámos, embora os acontecimentos tenham ocorrido há mais de um século, encontramos analogia com crimes que vão ocorrendo no quotidiano dos nossos tempos.

As motivações, sobretudo os ciúmes, fazem parte da matriz genética inerente a todo o ser humano e encontram-se na base dos crimes.

Todos os crimes têm castigo? Nem sempre. No caso dos passionais/ violência doméstica, há pouco mais de um século os criminosos eram olhados com indulgência pela sociedade, sobretudo em casos de “lavagem da honra”, isto é, quando por razões de adultério o marido traído matava a mulher/companheira e por vezes também o amante. Invariavelmente o matador era absolvido.

Nos casos de maus tratos, se não havia mortes, os casos nem sequer chegavam a tribunal, ou muito raramente, porque nem eram considerados crimes de ofensa à integridade física. O que se passava dentro de portas só ao casal dizia respeito. Assim era defendido pela sociedade. Até havia (e há) um ditado a propósito deste contexto: «Entre marido e mulher, não metas a colher».

Associado à violência doméstica do marido sobre a mulher, havia por motivo maior na maior parte dos casos, o alcoolismo, verdadeiro flagelo social em Portugal nos tempos que abordámos nos nossos textos.

E quando a violência extravasava o lar, porque a cônjuge (e quantos vezes a sogra e os filhos) ficava de tal ordem maltratada que tinha de receber assistência hospitalar, só aí se levantavam algumas vozes, mas para desculpar o marido violento, porque ele não tinha cometido os actos de violência, quem o havia feito era o vinho. Coitado! Toldado pelos vapores do carrascão, tinha ficado cego e perdido o tino!

É indiscutível que as razões passionais dos crimes se mantém inalteradas, porque são intrínsecas ao ser humano. Já quanto aos castigos…

Pedro Pereira

 

 

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