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O MUNDO NÃO É ELÁSTICO - III

26-10-2018 - Jorge Duarte

Na referência ao nosso país (em forte declínio populacional) onde os dados são sobejamente conhecidos, referir apenas que os jovens representavam em 2001, 16% da população e em 2011, 13,93%. No mesmo período os idosos passaram de 16,35% para 21,17% (INE). Em 2016, registaram- se 32 399 casamentos (422 entre pessoas do mesmo sexo) mas com 22 649 divórcios (INE). Entre 2014 e 2015, foram efectuados 15 873 abortos (71% em hospitais públicos), num total de 145 000,em dez anos (2007-2017), desde que o mesmo foi despenalizado (dados da DGS). Nada de estranho nesta tendência, já assinalada pelo todo-republicano e ministro Brito Camacho em 1937, que, perante uma juventude sem trabalho, e «deixando o casamento de ser a antiga forma legal de fazer filhos (…), esta juventude simplesmente copula ou fornica». Hoje, começa até mais cedo, instruída oficialmente até nos programas escolares de forma “velada”, ou nem isso. Como em quase todos os países europeus.

É no caldo de uma aparente desorientação geral e de oponência entre um “mundo vazio” e “um mundo cheio” que, no caso presente, opõe Europa e África/Médio Oriente. A actual crise migratória é a materialização das crises demográficas, das crises das desigualdades e das crises ideológico-politico-religiosas. Que resultarão na mudança identitária da Europa (com violência), onde as (ainda) maiorias vivem em pânico e encurraladas. Perante líderes políticos que as não escutam nem defendem, procuram, de forma preocupante, segurança em apelos mais extremados e musculados.

A Europa tem demostrado não querer funcionar para os seus cidadãos mas contra eles. Em situações-limite como na onda migratória descontrolada de 2015-2017, a única solução que encontrou foi naquela que é a sua especialização: o dinheiro. Pagou para resolver momentaneamente a questão. O palco foi a cimeira entre os líderes europeus, chefiados por Angela Merkel e o Primeiro- Ministro turco Recep Tayyp Erdogan, em 7 de Março de 2016, com o pagamento de 3 mil milhões de Euros, reforçado posteriormente por mais 3 mil milhões, para que fosse a Turquia a conter a imigração maciça vinda através da Grécia.

A Europa rendeu-se à Turquia e esta fez valer a sua situação de privilégio exigindo a abolição de vistos dos seus cidadãos para entrada no espaço europeu, entre outras. A sua nova situação deu-lhe o poder de ameaçar a Europa sempre que os seus desejos não são satisfeitos, declarando (como já o fez Erdogan), escancarar as fronteiras e inundar a Europa com imigrantes, para além do apelo a que cada muçulmano na Europa tenha pelo menos cinco filhos. A senhora Merkel, a arauta que em 2015 impôs a atribuição de quotas por país e decidiu sozinha que podiam vir todos, viu-se obrigada, em Dezembro de 2017, a propor o pagamento de 3 000 Euros a cada imigrante na Alemanha que queira regressar ao seu país de origem.

Entretanto, as rotas mudaram e da Grécia passaram para Itália, e para Espanha. A de Portugal precisará de um pouco mais de tempo e barcos um pouco maiores. Outro resultado foi o surgimento de alternativas políticas duras, não habituais numa Europa pós-segunda guerra e que ameaça estender-se a países onde até há pouco tempo seria impensável.

Calcula-se que hoje mais de 6 milhões de migrantes africanos estejam prontos a alcançar a Europa logo que a oportunidade surja. Acordos pontuais -a troco de muito dinheiro, mais uma vez - entre as autoridades europeias e diversos países como a Líbia, Egipto, Argélia Marrocos ou Tunísia estão a adiar este problema, mas uma invasão sem precedentes não poderá ser evitada. As movimentações destas massas humanas pelos desertos, com a fixação na Europa, são permanentes. A Europa é um íman irresistível. E 60% da população africana tem menos de 25 anos. Um enorme reservatório de energia aprisionada (até sexualmente, pois as circunstâncias religiosas torna impossível o contacto com o sexo oposto e as económicas com o casamento. Há quem defenda que aqui reside muita da violência extrema libertada nos frequentes tumultos). O século XX foi o século das migrações, o XXI anuncia-se pior.

Foi há poucos dias que a Europa já extremamente fracturada acordou. E o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no discurso do Estado da União, no passado dia 12 de Setembro, declara, pela primeira vez o óbvio: é preciso investir em África em vez de a pilhar; fechar ou reforçar as fronteiras não é isto que irá resolver. Também o actual Presidente das Nações Unidas, António Guterres declarou, em 2016, a poucos dias do final do mandato de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) que «Como a EU falhou, só os traficantes e contrabandistas têm sabido gerir a crise dos refugiados» (DN).

A caixa de pandora foi aberta com a invasão e destruição do Iraque (2003), um dos acontecimentos mais tristes e condenáveis que fez mudar o mundo, para muito, muito pior e sem reabilitação possível. Os mesmos que defendem a ordem estabelecida, a iniciar mais conflitos. A operação de Bush e Blair que extinguiu um Saddam e um Kadhafi procriou dezenas de outros.

Quanto ao desastre humanitário temos as consequências do sofrimento da guerra e destruição; quanto à economia, também os números são elucidativos: «O Médio Oriente árabe atrai 3% do investimento externo directo gobal; o Leste asiático, 58%» (David S. Landes, 2005).

Relativamente a África, o continente é um paradoxo. Possui um terço de todos os minerais e hidrocarbonetos do planeta, tem apenas 13% da população global e só representa 1.6 % do seu PIB. Representava 22 % da pobreza global, em 1990 e 33% em 2010; 173 milhões de subnutridos em 1990-2 e 223 milhões em 2010-3 (Relatório Africa Progess Panel-2014). A sua riqueza é também a sua maldição. A abundância das suas matérias-primas fazem a economia do mundo funcionar mas a desigualdade da distribuição é um grito que o mundo não quer escutar até que as piores duas dezenas de países desassosseguem até ao limite, os surdos.

Se quisermos insistir no resultado da combinação de conflitos e seca, basta recordarmo-nos da fome histórica na Etiópia nos anos de 1980. Justamente, a região Oriental onde começa a faixa do Sahel, quente e seco, que atravessa a África de Oriente, a Ocidente, numa distância de quase 6 000 quilómetros, abrangendo uma dezena de países, em constantes conflitos e quase sem água. Naquele tempo havia poucos meios para fugir, o que não é o mesmo caso agora.

Nestas condições, qualquer teoria sobre demografia terá de ser arquivada à medida que a realidade a vai derrubando e, mais certo que errado, paira frio o postulado de Malthus.

Jorge Duarte

Continua na paróximo edição

 

 

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