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O TANGO DE TANCOS

17-08-2018 - Neto Simões

“A desconfiança é a sentinela da segurança"

Vai fazer um ano que ocorreu o desaparecimento enigmático – furto, encenação ou mistificação – de material de guerra dos Paios Nacionais de Tancos (PNT). Três meses depois, o mesmo (?) material acabaria por aparecer misteriosamente na Chamusca, a cerca de 25 Km de Tancos, resgatado pela GNR e Polícia Judiciária Militar (PJM) depois de alegada denúncia anónima. A recuperação surgiu com mais explosivos o que confirma a falta de controlo dos inventários nos PNT.

O aparecimento não resultou da investigação pelo que, no mínimo é um episódio inusitado com objectivos de carácter duvidoso. E constitui um indício preocupante de manipulação dos factos, tendo em vista lançar um manto de obscuridade na tentativa de condicionar o inquérito, cuja investigação criminal é da responsabilidade do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP/PJ).

Por outro lado, vai ao encontro da narrativa oficial de mistificação para que não haja demissões como ocorreram no Ministério da Administração Interna – responsabilização política pela deficiente gestão dos fogos de Pedrógão -, mesmo antes do apuramento de responsabilidades criminais!

O caso de Tancos não está encerrado. Porém, talvez fosse o anseio de quem nos Governa. Este grave problema de Estado para a Segurança Nacional a balou a instituição militar e o MDN revelando as diferentes narrativas e coreografias complexas e encenadas como o Tango em que são precisos, pelo menos, dois para dançar. Mas sem saber se o “maestro”, com as graves circunstâncias do seu enquadramento, distribuiu as partituras certas.

Um escândalo na Defesa que levou à demissão de Generais do topo da hierarquia. E teve efeitos reputacionais ao nível externo, mesmo querendo fazer crer o contrário com jogos de sombras insólitos.

A profusão de opiniões que o incidente originou na comunicação social, na Chefia do Exército e no próprio Governo provocou uma dialéctica de dissimulação que gerou desinformação. E as tomadas de posição incoerentes estão alinhadas com uma narrativa de irresponsabilidade.

A acção do MD na gestão do caso de Tancos continua a ser vista com ligeireza, quase imprudente e uma certa sobranceria como se pode verificar nas suas diversas intervenções e declarações especialmente, no âmbito da entrevista concedida à RTP 3 em 19JUL17. Depois de analisada constitui um importante documento com contradições insanáveis e indícios de “cumplicidades” entre o MDN e o CEME. Porém, não é referida no recente relatório elaborado pelo Governo “Tancos 2017 – factos e documentos”.

Neste contexto, tendo em conta a entrevista, o actual CEME, em 2016, manifestou as suas preocupações ao MD sobre as vulnerabilidades dos PNT – acentuaram-se a partir de 2012 - enquanto Inspector-geral do Exército (2015), tendo sido “concertado com o MD a elaboração da Directiva 26/CEME/SET16”. Este documento permitiu fazer “auditorias e observação tendo em vista o levantamento geral das necessidades e o respectivo diagnóstico”. Posteriormente, foi proposto um “Plano de Recuperação urgente em que foram definidas as prioridades”.

No entanto, o Exército e o MDN levaram nove meses para resolver um grave problema de segurança, cujos alertas sobre a degradação das infra-estruturas e dos sistemas de vídeo vigilância estavam identificados não tendo sido dada precedência apropriada. E foi o MD que disse “Não me passa pela cabeça”, que a segurança de instalações ou pessoas “pudesse ser um elemento a negligenciar”. Mas facilmente se poderá concluir que foi descurada. Fica um alerta: é o poder político responsável pela atribuição de recursos adequados e definição das missões a realizar pelos militares.

Ainda sobre o relatório mencionado, além de não ser conclusivo peca por omissões – como a identificação de todos os indícios e a incompreensível deficiente gestão dos acontecimentos - e falta de análise que permitisse tirar ilações sem abstracções. O documento não é mais que uma colectânea com o repositório de “alguns” factos e documentos numa cronologia sem todos os acontecimentos. Descreve “erros sistémicos e estruturais” alargados no tempo para que a responsabilidade fique minimizada, ou difícil de assumir pelo actual Governo, e a “falta de unidade de comando sobre os PNT”.

A elaboração daquele dossier documental não passará de uma intenção para “esclarecer a opinião pública”. Contudo, o documento tem uma finalidade. Isto é, salvaguardar os cargos, porque foi “feito o que era possível”. Mas não há coragem para afirmar que não foi feito o que devia e era exigível, face ao conhecimento da natureza das vulnerabilidades bem como erros na definição de prioridades.

O facto da situação existir há muito tempo – foi-se degradando ao longo dos anos e em 2015 e o CEME até estava preocupado - não isenta ou desculpa a incapacidade de actuação e desresponsabilização da presente tutela. Já deviam ter sido tiradas consequências quer no plano político quer ao nível militar.

O MD ao referir que assume as responsabilidades políticas pelo "simples facto de estar em funções" – conceito grotesco que induz mistificação - fica ainda mais fragilizado, talvez mesmo insustentável para liderar a Defesa. O Governo disfarça nas responsabilidades. Mas a impunidade põe em causa o Estado.

Não obstante, o Presidente da República (PR) na sua visita a Tancos exigiu "uma investigação total", e insistiu “Pensando no prestígio de Portugal, no prestígio das Forças Armadas, pensando na autoridade do Estado e na segurança das pessoas, é muito simples:  tem de se apurar tudo, de alto a baixo, até ao fim, doa a quem doer”. Parece ter deixado claro que não quer ser cúmplice da impunidade ao reafirmar a “necessidade de se apurarem factos e responsabilidades”, o que inclui o plano político e nível militar.

As circunstâncias desta ocorrência e a divulgação da localização da transferência do material de guerra, constituem uma quebra grave de segurança com impacto negativo a começar no MDN e na estrutura das Forças Armadas (FA), revelando vulnerabilidades do nosso sistema defensivo que afectou a própria percepção de segurança dos cidadãos.

Neste enquadramento é essencial que se saiba que a construção dos paióis de material de guerra obedecem a requisitos, definidos na regulamentação própria (SEGMIL) - promulgada pelo CEMGFA em 16OUT86 – e o Guia do Oficial de Segurança, tendo em vista garantir a segurança do pessoal, das informações e material sendo obrigatório a actualização permanente dos inventários.

As FA são um dos pilares essenciais do Estado, constituindo um importante instrumento para a salvaguarda identidade, da coesão e da soberania nacional, bem como da afirmação do prestígio e credibilidade de Portugal no âmbito da política externa. Nesse sentido, o poder político deverá ter ponderação nas decisões no domínio da Segurança Nacional assegurando os meios e os recursos necessários – e manter o pessoal motivado -, tendo em conta o cumprimento das missões com eficácia e eficiência. Isto é, assegurar que a condição militar não é afectada.

O papel das FA não se limita à defesa militar do Estado, face às novas ameaças e riscos que tem de enfrentar. Elas têm também de garantir – como prioridade absoluta - a segurança das unidades do seu dispositivo e constituem também a garantia do exercício da autoridade do Estado que não pode ser posta em causa.

O grave incidente de Tancos deve ser associado à degradação da situação das FA – falta definir um novo paradigma -prosseguida desde há décadas por sucessivos Governos, promovendo reformas conjunturais e não estruturais sem o enquadramento numa Estratégia Global do Estado ainda não estabelecida. Um modelo adequado face aos recursos disponíveis, interesses nacionais e compromissos internacionais, tendo em conta o ambiente estratégico e os novos riscos e ameaças.

E m segurança deve haver critérios de racionalização. Mas nunca desinvestimento. O que gastamos em Defesa é o mesmo que se despendia há 17 anos. Ou seja, contando com a inflação é substancialmente menos. A reforma “Defesa 2020” foi efectuada apressadamente com objectivos políticos falaciosos e sem seguir os pressupostos do Planeamento Estratégico estabelecido na Lei.

O caso de Tancos para além da sua gravidade, é demonstração de negligência – em toda a cadeia hierárquica -, na avaliação das vulnerabilidades numa área critica e sensível e falta da implementação de medidas previstas nas normas em vigor. Iniludível a incompetência que associada à ignorância e arrogância poderá ser perigosa para não dizer explosiva na governação.

José Manuel Neto Simões

Capitão-de-Fragata (Reforma)

 

 

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