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CONSUMIDOR - PRODUTOR

29-06-2018 - Jorge Duarte

Instalou-se a crise. Mas o que é a crise? Disse um velho teórico do século passado - por quem não nutro qualquer simpatia mas que deixou uma bela frase -: «a crise é quando o que é velho resiste a morrer e o que é novo não consegue nascer».

Parece que está a morrer, de facto, o belo mundo novo que criámos, as maravilhas com que nos rodeámos e, extasiados ainda, com as redomas protectoras que albergavam os nossos sonhos e nos ofereciam conforto e prazer ilimitados. O deslumbre da alta tecnologia; a globalização, a multicultura, os schoppings por todo o lado e a toda a hora, os alimentos sintetizados, nos limites da perfeição…

Criámos até um elemento novo na humanidade: o consumidor. O consumidor consome todas as coisas; consome desenfreadamente tudo o que pode. Ele é o elemento central com os seus hábitos inquestionáveis. Por isso mesmo se criaram todas as leis, associações e procedimentos em sua defesa, no seu livre e voraz arbítrio de consumir. Porque o desígnio do consumidor é existir para consumir antes de existir para viver ou pensar, neste amplo mercado infinitamente crescente – como se tal fosse possível em algum lugar do universo.

Mas consumir é muito abrangente. Reflictamos, apenas, sobre o consumo dos produtos agrícolas.

Nesta área também o consumidor é a figura principal. A ele devem chegar produtos perfeitos, com calibres perfeitos, variedade contínua todo o ano e a preços cada vez mais baixos.

Mas como se consegue tudo isto se os elementos da natureza – épocas próprias de cada cultura, sol, chuva, seca, vento, geada, fogo, pragas… São tão imprevisíveis e tão adversos para tão elevado grau de exigência? É porque lá atrás existe também um outro mundo quase desconhecido para o consumidor: o produtor.

Direitos do produtor? Pois parece que as únicas leis de protecção ao produtor são os subsídios ou os seguros, eventualmente. Mas ao contrário das leis de protecção ao consumidor que abrangem tudo e todos, os subsídios e os seguros ao produtor são raros e para um número muito reduzido: os de grande escala. Os restantes, ou resistem ou desistem. Os nossos campos falam por si.

O tempo do espírito como senhor da matéria findou e reina agora a matéria como a senhora do espírito. Como reina a monocultura de uma só espécie, mais amiga da rentabilidade. E perderam-se os sabores e aromas únicos dos nossos pêssegos, dos nossos damascos das nossas ameixas… A enxertia que preservava a continuidade sem desvio de cada espécie (que cada agricultor conhecia, no processo, na compatibilidade e na época) é agora feita de espécies não originais e em porta-enxertos standard de amplo espectro onde parte dessas características se perdem. O mesmo com as sementes e com o crescimento acelerado onde a exposição solar é reduzida não permitindo a aquisição do sabor, mais a adição de fungicidas sistémicos, tóxicos, que acabam sendo absorvidos pelas plantas e frutos e passam a fazer parte da sua composição interior. O método de inventar, faz parte da maior das revoluções.

Sempre que um consumidor exige, um producto lhe chegará à mesa quando quiser. Na medida do seu apetite e da sua preferência.

Entra então em cena a figura maior que se tornou o astro luminoso da tal redoma dos nossos sonhos que em tudo pensa e onde nada falta: O grande distribuidor. Dono, quer do produtor quer do consumidor. É ele que sem nada produzir determina as regras a ambos: o produto e o preço; quando, onde e o quê.

Se o consumidor exige mais e mais barato, o distribuidor se encarregará de o satisfazer, exigindo ao produtor.

Por sua vez, o produtor ou não sobrevive ou cede. Para sobreviver utilizará parcelas de solo em regime de cultura intensiva até à exaustão. Usará também uma panóplia de produtos que a agro-indústria dispõe para satisfação do consumidor. Usará fertilizantes, pesticidas, herbicidas plantas e sementes híbridas ou geneticamente modificadas. Aromatizantes e corantes modernos que proporcionam aceleração, cor e sabor.

E se nesta região não é época de determinados produtos, o que se faz? Espera-se pelos ciclos naturais do cultivo e produção? Não! Vamos buscá-los de avião ou de barco ao outro lado do mundo para que se satisfaça o direito do consumidor: tudo todo o ano, a qualquer hora.

Esta espiral de exigência força todos os intervenientes da cadeia a soluções extremas.

No final, é devolvido ao consumidor o custo desta irracionalidade. Como? Sob a forma de extinção da biodiversidade, de intoxicações, de alergias e inúmeras perturbações da saúde. Deixa então o agricultor de fazer a gestão da saúde passando ao médico a gestão da doença.

Esta ciência de fazer as coisas desprezou o campo e desenraizou-nos do ambiente natural, dos ciclos, dos sabores originais, das espécies locais, das épocas, etc.

Dos campos, agricultores vieram aos milhares para as cidades e cada agricultor a menos tornou-se um consumidor a mais. A sociedade é a nossa criação, mas a natureza é a nossa origem.

Penso que já atingimos todos os excessos. E esses excessos estão a ajudar-nos a compreender o quão mal causamos a nós próprios, directa e indirectamente; na nossa saúde, na nossa economia, na biodiversidade, no clima, na desertificação, nos conflitos sociais…

Quando o supremo da arte deveria ser o homem acrescentado à natureza, é esta traída por esse sublime desígnio por quem a arrasta, ingloriamente, para um fim comum.

Jorge Duarte

 

 

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