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Escravatura do século XXI

16-05-2014 - Henrique Pratas

Será que a escravatura já acabou em pleno século XXI?

Neste fim-de-semana vi o filme, já disponível em CD, e revi, “ 12 anos Escravo”, realizado pelo Steve MacQeen em casa e questionei-me se a escravatura já teria acabado.

Das situações que conheço, posso afirmar peremptoriamente que não.

Já vos contei conhecemos (minha mulher e eu), uma senhora que desempenha, agora há pouco tempo as funções de assistente operacional, vulgo empregada de limpeza, na Unidade de Saúde onde a minha mulher exerce funções, através de uma empresa de trabalho temporário.

Recontando a história, a minha mulher apercebeu-se há duas semanas que a senhora estava em baixo, conversando com ela ficámos a saber que a senhora não tinha dinheiro para comer e não tinha comido nada ainda, esta situação foi resolvida de imediato, com a solidariedade de todos os colaboradores da Unidade de Saúde. Mas esta história tem mais esta senhora ficou um ano à espera que a uma das famigeradas empresas de trabalho temporário, lhe ligasse para o telemóvel como lhe haviam prometido, como não lhe ligavam a senhora foi ligando enquanto os rendimentos o permitiram, acabado o dinheiro não pode voltar a ligar e limitou-se a esperar, porque das duas umas ou gastava o dinheiro para carregar o telemóvel ou ficava sem dinheiro para poder liquidar as contas diárias. Acresce a todos estes factos que a mesma mora na Amadora e por traições que a vida nos presta, ficou com a neta nos braços depois de a sua filha ter morrido de cancro. Coração de avó manda ter todos os cuidados e mais um com a neta privou-se de muita coisa para que a neta pudesse ter o que todas as crianças deviam ter o direito a ter. Mas arranjar um trabalhinho era o desejo desta mulher e lá o conseguiu agora no final do mês de abril do corrente ano, através da malfadada empresa de trabalho temporário sujeitou-se ao que lhe foi oferecido, quando não podemos escolher, temos que aceitar o que nos aparece.

A juntar a isto tudo e para que entendam onde quero chegar, a neta teve que fazer um transplante hepático num Hospital Público, pois claro que Privados é só para ricos (Santa Maria). A menina tem tido uma recuperação muito lenta e um dos dias entrou em coma e a avó desesperou, a vida prega-nos partidas, mas com a solidariedade das pessoas que trabalham na Unidade de Saúde, e exerce funções, reduzidas porque ao saber da situação a coordenadora assumiu por sua conta e risco a redução de horário de trabalho para apenas a limpeza e desinfecção da sala de pensos, para o resto encontrou-se outra saída. Ressalto desta decisão o facto de a senhora ter questionado a coordenadora, se ela iria comunicar alguma coisa à empresa de trabalho temporário. Tinha medo de represálias.Recebeu de imediato a resposta obvia, que não, e foi-lhe explicado porquê e solicitado que apenas deixado bem limpa a sala de pensos e que depois podia ir fazer companhia à sua netinha, que podia contar com a ajuda dos médicos e de todos para a ajudar a ultrapassar esta dificuldade.

Nesta altura descobrimos os motivos porque dormia no Hospital onde a neta está internada, para além de poder estar com ela, permitia-lha tomar a única refeição digna desse nome, dado que a neta estava alimentada por sonda as auxiliares davam-lhe o jantar a ela,mas havia um outro motivo, como a senhora mora na Amadora e a Unidade de Saúde fica em Odivelas, como não tinha dinheiro para o passe, deslocava-se a pé e estando em Santa Maria o trajecto era mais curto.

Descobrir esta ” vida” não foi fácil, porque a protagonista não falava dela só quando ganhou confiança foi contando os pormenores e também porque sentia vergonha e acrescento eu estava a expor a dignidade a que todos deviam ter direito.

A situação neste momento é de solidariedade total e absoluta relativamente à senhora e à neta, os médicos compram-lhe os módulos para o transporte e para a sua alimentação, em relação à neta a recuperação está a ser lenta, não quero adiantar prognósticos, prefiro esperar em silêncio, criou-se uma solidariedade muito grande à volta da criança, cada um de nós arranjou brinquedos que tínhamos dos nossos filhos e que estavam em condições de ser dados a uma outra criança, levaram uma grande “barrela” e foram colocadas à disposição da criança de boa e livre vontade.

Não consigo visualizar o desfecho desta história, mas vai-se fazendo o que se pode, tentando envolver a “área social” de diferentes organismos, Segurança Social, Municípios e tudo o que tenha como objecto atender a estas situações.

Voltando ao filme a que faço alusão no primeiro parágrafo, volto a colocar a questão, acabou a escravatura?

A resposta que tenho para vos dar é não, surgiram outros negreiros neste caso as empresas de trabalho temporário que para as tarefas em que não são exigidas qualificações, pagam o que querem, como querem e quando querem. Não será isto uma nova forma de escravatura, em que os sujeitos humanos ficam à disposição de quem os quer explorar. Em pleno século XXI, ou noutro, esta é uma atitude execrável, se extrapolarmos esta situação par outras situações laborais em que as pessoas não têm medo de dizer o que pensam à sua chefia directa, pois podem ser emprateleiradas, ou postas de parte acomodam-se e limitam-se a concordar com o que lhes é dito para fazer, mesmo que discordem, ou seja obedecem sem pestanejar e vivem nesta paz podre, não pensam ou pensam mas não podem exprimir as suas ideias ou opiniões.

No final deste arrazoado todo entendo que a escravatura continua a existir, só que maquilhou as suas formas de se manifestar, como a sociedade evolui, evoluíram também as formas dos detentores do capital poderem explorar aqueles que a única que tem como seu, é a sua forma de trabalho.

Este filme teve o predicado de me trazer à flor da pele todos os sentimentos que vos expresso no meu texto que eu esperava que tivessem acabado com o 25 de abril de 1974, que com a nossa inclusão na União Europeia se atenuassem substancialmente mas vejo e assisto impotente, ao cavar destas situações onde os valores consagrados na Carta dos Direitos Humanos, estão cada vez mais votados ao abandono.

Henrique Pratas

 

 

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