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QUESTÕES JURÍDICAS DO REPATRIAMENTO DE CAPITAIS

22-12-2017 - Rui Verde

João Lourenço anunciou, e nós aplaudimos. O governo vai exigir que os angolanos com capitais no exterior os tragam de volta para o país, de modo a promover o investimento, sob pena de ficarem sem eles.

A ideia tem apelo popular, faz sentido do ponto de vista económico, pois Angola precisa de muito investimento e tem pouco capital disponível. Aliás, na perspectiva da racionalidade económica, é bem possível que qualquer investimento em Angola traga maiores taxas de rentabilidade, maiores lucros, do que os investimentos feitos no exterior, habitualmente em economias maduras e pouco rentáveis.

Contudo, a economia e o direito têm de andar de mãos dadas e, se todos queremos uma Angola próspera, todos queremos uma Angola onde predomine o Estado de Direito.

O dinheiro que alguns angolanos colocaram no estrangeiro chegou lá de uma de duas maneiras: legal ou ilegalmente. Por exemplo, o investimento da Sonangol no banco português Millennium BCP foi feito de forma legal, presume-se. É capital que está no estrangeiro, tendo seguido os trâmites exigidos pela lei angolana. Provavelmente, haverá outros casos quer de empresas, quer de particulares que investiram no estrangeiro de forma legal. Assim, levanta-se uma primeira pergunta: a medida de João Lourenço abrange também o dinheiro angolano que foi colocado no estrangeiro de forma legal?

Em caso afirmativo, em relação a empresas públicas como a Sonangol, a solução é simples. Basta ordenar que vendam as acções que detêm em companhias estrangeiras e reencaminhem o dinheiro para Luanda. Já em relação a privados, é mais complicado. Como é que se vai obrigar os privados que colocaram o seu dinheiro lá fora de forma legal a trazerem-no de volta? Podem criar-se benefícios fiscais, prémios ou outros estímulos, mas dificilmente se pode obrigá-los a trazerem o dinheiro.

Seguem-se outras perguntas difíceis: o dinheiro que Manuel Vicente utilizou para comprar os apartamentos no Estoril saiu de Angola de forma legal ou ilegal? Vicente vai vender os apartamentos e levar o dinheiro de volta para Angola? E o que dizer dos investimentos de Kopelipa, de João Maria de Sousa e de tantos outros, para não falar das triangulações financeiras via Malta e Madeira de Isabel dos Santos? Que tratamento terão estes investimentos no estrangeiro?

Mas talvez João Lourenço não se referisse a dinheiro saído ou investido legalmente no estrangeiro, mas sim àquele de origem ou saída ilícita, que aliás deve ser a maior parte.

Lourenço defronta-se aqui com um sério problema jurídico. Como é sabido, a Lei n.º 11/2016, de 20 de Julho, amnistiou todos os crimes puníveis com pena de prisão cometidos até 11 de Novembro de 2015. Ora, aqui inserem-se provavelmente quase todos os crimes económicos através dos quais se transferiu dinheiro angolano para o estrangeiro. Por essa razão, qualquer ameaça jurídica só terá eficácia para transferências ilegais efectuadas após 11 de Novembro de 2015. Em relação a todo o dinheiro que saiu antes desta data, que fazer? No seu artigo 62.º, a Constituição decreta a irreversibilidade das amnistias, prescrevendo que são considerados válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo de lei competente. Há portanto um sério obstáculo às pretensões de João Lourenço: como concretizar legalmente o seu discurso político?

Se virmos bem, João Lourenço está a conceder uma segunda amnistia a quem repatrie os dinheiros. Em Portugal, foi isso que o governo de José Sócrates fez com o chamado RERT (Regime Extraordinário de Regularização Tributária), uma amnistia tributária que, segundo o Ministério Público português (que agora acusa o ex-primeiro-ministro Sócrates de vários crimes), terá servido para ilibar criminalmente o próprio Sócrates e os dinheiros que depositava no exterior. Não que João Lourenço seja como Sócrates, mas muitos dos que o rodeiam podem estar na mesma situação, pelo que é necessário muito cuidado ao elaborar legislação referente ao repatriamento de capitais, para que esta medida emblemática não se torne um fiasco.

Possivelmente, será necessário proceder a uma revisão da Constituição e criar uma lei interpretativa da Lei da Amnistia de 2016. Obviamente, João Lourenço poderá ignorar o direito e usar a força, enviando as suas polícias e serviços de inteligência para “obrigar” as pessoas a trazerem o dinheiro de volta. Mas é isso que se quer?

Fonte: Maka Angola

 

 

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