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HABILITAÇÕES LITERÁRIAS (ACADÉMICAS)

13-10-2017 - Henrique Pratas

É conhecido de todos vós o percurso escolar que cada um de nós teve ao longo da sua vida e aqui permitam-me que lhes escreva, aquelas que foram mais bafejados pela sorte, porque como sabem tão bem como eu existiram muitas crianças que não tiveram essa sorte.

Desde o tempo da implantação da República que a Escola se tornou pública, aliás esse foi um dos lemas do movimento que levou à implementação da República no nosso País, conheço mesmo aqui em Lisboa a 1.ª Escola Primária que foi criada logo a seguir à implementação da República, em relação ao resto do País não sei, mas o que me é dado a conhecer é que foram surgindo as escolas nas diferentes zonas do País, com o tipo de construção que todos vocês conhecem e como não existiam professores em número suficiente, criou-se a figura de regente que em muitos dos casos foram os “professores” da instrução primária como era então designada.

Passados estes anos todos e depois de muitas alterações ao nível do ensino a única matriz que se manteve fiel ao seu início foi o Ensino Básico que não é mais nem menos que a Instrução Primária, com as devidas alterações de conteúdos programáticos, para melhor ou para pior isso é uma questão que eu particularmente acho que foi pior, independentemente de na altura do anterior regime os alunos serem obrigados a decorar as coisas e eu entendo que não é assim que se deve fazer com que os alunos adquiram conhecimentos, nos dias de hoje existem todas as condições para que os alunos aprendam a matéria, raciocinando e percebendo as coisas, o que não pode acontecer é que muitas das vezes se passem os “meninos” sem saberem rigorosamente nada.

Como é do vosso conhecimento no passado, nós fazíamos exames, tínhamos que demonstrar aquilo que tínhamos aprendido à força e se tal não acontecesse o caso estava mal parado, hoje fazem-se umas provas de aferição e os resultados estão à vista não sei como é que é possível, mas eles aí estão, mais uma vez reforço a ideia no passado era exigência a mais, nos dias de hoje é exigência a menos, escrevo eu.

Chegados à 4.ª classe, aqueles que lá conseguiam chegar, faziam um exame de admissão, uns com intuito de ficar com o diploma da 4.ª classe outros com a possibilidade de continuar os estudos, entrar para o Liceu ou para a Escola Técnica. Eram exames bem puxados e de uma exigência atroz, eu fiz uma experiência há muito pouco tempo dei o meu exame da 4.ª classe realizado em 1966 a um jovem licenciado e houve partes em que ele não foi capaz de lhe tocar nomeadamente em história e matemática, fiquei estarrecido, mas foi verdade.

Os exames de admissão eram feitos ao Liceu e à Escola Técnica, esta última que se dividia em Comercial e Industrial, eram estas as vias profissionalizantes que existiam na altura e que deram excelentes profissionais a este País, pois a prática era uma componente muito presente nestes cursos.

Aqui que fosse pelo Liceu faria 7 anos e entraria para a faculdade que escolhesse de acordo com alínea que tivesse optado se fosse para o Ensino Técnico o percurso seria mais longo, pois teria que fazer dois anos Ciclo Preparatório e mais 5 anos dos Cursos Técnicos, fossem eles o Comercial ou Industrial e até aqui estávamos em pé de igualdade com o Liceu, só que quem optasse pelos Cursos Técnicos se quisesse entrar na Faculdade teria que fazer mais dois anos nos designados Cursos Superiores de Contabilidade ou Industriais, onde nos eram ministradas as matérias que já sabíamos mas nos preparavam para entrar nas faculdades de Economia ou Gestão e em Engenharia, estes Cursos conferiam os graus de Técnico Oficial de Contas e de Técnicos de Engenharia nos diferentes ramos.

Ao terminarmos a 4.ª classe ingressávamos no chamado Ciclo Preparatório, mais dois anos em que tínhamos que dar o litro a todas as disciplinas tendo aulas de manhã e à tarde e os professores aí também não nos poupavam a nada, as exigências eram desmedidas, olhando para os tempos de hoje na altura eram o que eram, mas na minha opinião e volto a escrevê-lo as coisas podiam ser dadas de outra maneira, mas não era tudo de carregar pela boca e havia coisas que nós não percebíamos apenas as decorávamos para que pudéssemos passar, era simplesmente horrível, o que nós sofríamos em dias de testes era um pavor, aí começaram a surgir os auxiliares de memória, mais ou menos sofisticados lá nos iam ajudando a ultrapassar as maiores dificuldades que nos surgiam, pois o ensino era orientado não para o entendimento e perceção mas para a “decoração”, muitos de nós papagueávamos a matéria sem perceber o que estávamos a balbuciar, é triste mas é a pura das verdades. Ah, esquecia-me de lhes contar que muitos dos professores não admitiam que tivéssemos dúvidas, lá existiam uns mais liberais que já admitiam essa possibilidade e nos explicavam a matéria de forma a atendê-la.

Chegados ao final do Ciclo Preparatório, fazia-mos de novo exames para avaliar o que tínhamos aprendido e verificar se estávamos em condições de entrar no Ensino Técnico.

Eu fiz a opção por fazer o Curso Comercial, pois como não sou filho de pessoas abastadas nunca sabia quando é que surgia a hipótese de ter que começar a trabalhar e ter que interromper os estudos, felizmente isso não aconteceu e terminei o Curso Geral de Comércio na altura em que se dá o 25 de abril de 1974 e aqui surge a primeira transformação no Ensino.

Ao nível do Curso Comercial e Industrial criam-se dentro da estrutura dos próprios curos mais dois anos a que decidem chamar Cursos Complementar de Administração e Comércio e Curso Complementar Industrial, que permitiam a quem os completasse o ingresso nas faculdades para onde estávamos vocacionados, no primeiro no Instituto Superior de Economia, onde se lecionavam os Cursos de Economia e Gestão e Engenharia no Técnico.

Sabendo nós que para entrar em Económicas a média para dispensar de exame de admissão era de 16 valores às disciplinas consideradas nucleares, no caso vertente, Matemática, Português e Geografia.

Quem não tivesse esta média teria que fazer um exame de admissão e ter nota positiva, não foi o meu caso porque dispensei do exame de admissão.

O sistema de habilitação literária, datado do século XVIII, existe em França ("Habilitation à diriger des recherches"), Alemanha, Áustria, Suíça, Bulgária, Polónia, Portugal, República Checa, Eslováquia, Hungria, Eslovénia e Países da antiga União Soviética, como Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Letónia, Lituânia, Moldávia, Quirguistão, Cazaquistão, Rússia, Uzbequistão, Ucrânia, etc.

Para nós este conceito ainda não é respeitado e pelo que temos assistido nos últimos tempos, vale tudo, licenciados sem o serem é o que não falta, apesar da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP), validar alguns dos supostos currículos vitae que diz ver mas não vê e afirma pasme-se que foram os candidatos que os “enganaram”. Isto se não fosse sério só daria para rir, como é que uma entidade pública supostamente acreditada para escolher os gestores públicos comete um erro de palmatória, é perfeitamente lamentável, nem eu quando comecei a trabalhar nos anos 80 o cometia e não era uma pessoa tão importante quanto são estes senhores e pedia uma cópia autenticada ou em alternativa fazia-se uma cópia normal depois de visto o certificado de habilitações original. Aliás foi assim que nesses anos, onde também já existiam umas personagens que queriam ser mais do que eram efetivamente nos apareceu um diretor de comunicação, nomeado politicamente que se dizia média e escreveu isso mesmo no formulário de admissão na empresa, passados alguns tempos do “pássaro” se ter sentado, porque convém não espantar a caça e porque já na altura a influência politica era muito forte, pedi-lhe por escrito que enviasse uma cópia do seu certificado de habilitações, como a resposta demorasse, e a distância a que estávamos era apenas o de atravessar uma rua, estranhei tamanha demora liguei-lhe e pedi-lhe verbalmente que enviasse a cópia solicitada, respondeu-me que já a tinha enviado há muito tempo, disse-lhe que ainda não tinha chegado e já agora se ele tivesse a gentileza pedia-lhe o favor de enviar outra, fi-lo verbalmente como lhes escrevo e por escrito de novo.

Passado uma semana, nem isso, o “pássaro” apresenta a demissão, conclusão da história, não era licenciado em nada, vi a saber mais tarde que já tinha sido “engenheiro” numa outra empresa. Como podem constatar esta história dos licenciados em tudo e em nada não é matéria nova, mas o que está a acontecer agora ultrapassa os limites da razoabilidade, tanta informação, tanta tecnologia, tanta base de dados, tanto centro de documentação, tanta “segurança”, certificação e validação e acontecem galgadas destas, assumam que são nomeações políticas, não custa nada e todo o processo é mais transparente e claro, basta de mentiras e processos pouco claros onde as pessoas fazem figuras de parvo a produzir afirmações como as que fez a presidente da CRESAP, tudo isto é uma vergonha.

Volto há minha quando o ensino era público nada disto acontecia, agora com o aparecimento e proliferação do ensino privado que não passa de um negócio bem proveitoso para meia dúzia de pessoas é fartar vilanagem.

Eu posso-vos testemunhar que quando realizei o meu mestrado em Ciência Politica, apanhei “rapazinhos” vindos da licenciatura que não sabiam escrever português sem erros e falar ou expor uma ideia faziam com muita dificuldade, eu durante o período de tempo em que durou a feitura desta minha etapa, só pensava como é que aquela gente tinha conseguido fazer a licenciatura.

Estou a ficar velho provavelmente mas acho que se ultrapassaram os limites da ignorância, da sensatez e de tudo porque eu vi pautas rasuradas em Politécnicos e Universidades Privadas, como é que isto é possível, sem que ninguém seja responsabilizado e depois assistimos ao que vemos, esta gente aninha-se em partidos e sobem na vida sem nunca ter feito rigorosamente nada e vivem bem, à larga e sem pinga de vergonha pelos atos que praticaram ou que os colocaram em funções para as quais não reúnem o mínimo de condições académicas ou de experiência profissional e outros que trilharam arduamente os caminhos de uma licenciatura a par de um desenvolvimento profissional, digno desse nome são passados para trás porque não se aconchegam em nenhum partido do arco da governação. Será que as pessoas competentes e que reúnem as condições académicas não merecem uma oportunidade, ou a competência é uma matéria muito incómoda para muitos, pois não se compadece de compadrios ou de práticas menos claras.

Acrescento a este meu exemplo uma atitude por mim enquanto professor convidado numa Universidade Privada em Lisboa. Deram-me as turmas do último ano da licenciatura em Gestão de Recursos Humanos, isto é o 3.º ano e um belo dia eu falo-lhes em percentagem e reparo nos rostos dos ouvintes que aquela palavra lhes soou mal, tendo dado por isso falo-lhes mais à frente em permilagem, as caras mostraram-se ainda mais admiradas, aí houve um dos alunos que levantou a mão e me perguntou o que é que eu tinha dito, eu cá para comigo, bingo. Expliquei-lhe convenientemente o que era uma permilagem, mas como tem que haver avaliação de conhecimentos eu fiz um aviso à navegação que iria sair um exercício em que eles teriam que fazer umas contas para fazerem umas percentagens e uma permilagem que decorria, na altura do cálculo de imposto de selo que apareciam nos recibos de vencimentos, mas acrescentei-lhes mais, quem errar o exercício pode ter o resto certo mas não passa. Obviamente que fiz aulas extraordinárias para quem quis comparecer, fiz vários exemplos dos exercícios semelhantes aos que iam sair no exame final, mais posso-vos contar que no sábado anterior ao exame tive um acidente de viação na estrada do campo dos paraquedistas no Arripiado, onde fiz fratura de externo e na segunda-feira dia do exame lá estava eu para dar o exame, depois de muitas aulas extraordinárias que dei para que eles soubessem o que era e como se calculava uma percentagem e permilagem.

O exame foi realizado e a maior parte deles erraram o exercício que eu tinha dito que ia sair e para o qual os preparei devidamente, vi os exames e todos os que tinham errado o exercício tinham nota que não lhes permitia passar à cadeira. Aí vieram as pressões primeiro dos alunos, que afirmavam que pagavam e que tinham o direito de passar, ao que eu respondi, comigo não é assim se isso acontece nas outras unidades letivas, comigo quem não sabe não passa e a minha posição ficou assim vincada, depois veio o Conselho Pedagógico fazer pressão para que eu alterasse as notas dadas e escritas nas pautas, também lhes disse que não pois não achava de bom-tom associar o nome da Universidade e o meu a enviar alunos para o mercado de trabalho sem saber o que é básico e disse-lhes que não alterava a minha posição. Sabem o que me aconteceu, no ano seguinte não fui convidado para dar aulas, porque tinha sido incómodo e o Conselho Pedagógico sentiu-se obrigado a alterar as classificações que eu tinha dado para que os alunos passassem, acrescento eu, com conhecimento de causa.

Esta Universidade ainda funciona, nos nossos dias e pelo que sei, o objetivo primeiro não é ensinar/educar, é o negócio, porque já se “estabeleceu” em Angola e Moçambique.

Este País, está a caminhar num sentido que na minha opinião não nos leva a lado nenhum, mas como afirmam os políticos o povo é soberano, é ele que decide e se não se opõe a estas situações é porque está de acordo com elas.

Os últimos casos ilustram de forma bem elucidativa, independentemente de eu achar que não é preciso ter uma licenciatura para o exercício de determinadas funções, às vezes a experiência profissional adquirida pelas pessoas ao longo da sua vida profissional é suficiente para o efeito, mas nos casos que vieram ao nosso conhecimento eram requisitos considerados essenciais a licenciatura e a experiência em funções semelhantes, a avaliar pelo que vi e li a generalidade dos candidatos só possuíam experiência profissional, alguns de deles de carácter muito duvidoso e os que possuíam licenciatura foram tiradas de forma também muito pouco clara e outros pura e simplesmente não a possuíam e fizeram alguém crer que ações de formação tapavam essa lacuna.

Grassa a trafulhice e está instalado o clima de favores a todos os níveis as pessoas perderam o carácter vale tudo para atingirem determinados lugares, a igualdade de oportunidades é uma mentira enorme que os políticos que regem este País divulgam e recebem dinheiros dos Fundos Comunitários para esbater estas desigualdades mas elas acentuam-se cada vez mais pela via dos esquemas e das habilidades, tudo isto para que ninguém assuma que são nomeados como “comissários políticos”. Na minha opinião seria mais transparente assumirem esta posição, mas como nem isso querem assumir, dá no que dá.

Banalizaram o ensino, este tornou-se um meio e não um fim para a aquisição de conhecimentos, tornaram-no muna negociata, altamente rentável depois sofremos as consequências quer através dos meios expeditos que são conhecimento de todos, quer pelo meio de pessoas que supostamente estão qualificadas para o exercício de determinadas funções e na prática não estão como somos confrontados todos os dias e temos ainda aqueles que fizeram tudo certinho e direitinho, mas como pensam pela sua própria cabeça e não são alinhados pelo sistema são colocados de parte ou subaproveitados, mas são capazes e já o demonstraram que o são, em gíria corrente dizem que “têm mau feitio”, mas não são capazes de lhes dizerem que são incompetentes, porque sabem muito bem que o não são.

Henrique Pratas

 

 

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