O limbo do Curdistão – Parte II
29-09-2017 - Francisco Pereira
O Curdistão iraquiano referendou a sua independência no passado dia 25 de Setembro, com 72% de afluência às urnas, votaram mais de 3 milhões de eleitores, 93% desses pronunciaram-se a favor da criação de um país livre e independente chamado Curdistão.
Infelizmente um porta-voz do governo dos Estados Unidos da América, revelou antecipadamente estar contra esse processo, um mau prenúncio para o sonho dos Curdos.
Desde que o conflito com o denominado Estado Islâmico ou Daesh, teve início, que os Curdos começaram a resistir activamente à agressão dos islamitas, passando por momentos complicados, enquanto as várias facções sírias se digladiavam, enquanto o poderio dos islamistas crescia, enquanto as potências ocidentais se acusavam mutuamente de nada fazerem, eram os Curdos que com meios relativamente escassos faziam frente aos islamitas, assumindo o papel de defensores dos seus territórios e das suas gentes.
Na prática nos últimos quatro anos, os Curdos foram quem sustentou com dignidade, com muitos sacrifícios os ataques do Daesh, com pouca ajuda internacional, isto enquanto o exército iraquiano, vivia momentos de crise, sofrendo derrotas atrás de derrotas.
Com a situação bélica relativamente estabilizada, com o Daesh em queda, os Curdos justamente reclamam o que desejam há muitas décadas, um país a que possa chamar seu, é um desejo totalmente justo, esbarra no entanto contra várias contrariedades.
A primeira e mais óbvia, será a questão com o Iraque, que dificilmente concordará em abdicar de uma parte do seu território, ainda que aproveitando o facto do Iraque estar num estado de fraqueza política, para elevar a voz e pedir o que é de Justiça, os Curdos têm plena consciência da dificuldade que terão em conseguir essa cedência.
Mais importante e muito mais perigosa será a relação com a Turquia, um país claramente ditatorial, onde o governo tudo fará, inclusive lançar a região numa guerra, para evitar a ocorrência de um Estado Curdo, junto à sua fronteira Sul, junto ao seu Curdistão, dificilmente os Turcos estariam pelos ajustes, tendo um governo democrático. Tendo Erdogan como chefe tal será impossível, o novel “sultão” da “Sublime Porta” não se importará, como já o fez, de bombardear o Curdistão, para impedir tal veleidade, levando nós em conta que a Turquia faz parte da NATO, estaremos perante um grande problema.
A Síria, representa outro problema para os Curdos e para o nascimento de um Curdistão independente, facilmente irá aliciar a Rússia de Puttin, para que se declare contra, e, tendo em conta o “namoro” entre os dois aspirantes a tiranetes Puttin e Erdogan, será fácil prever que o Curdistão morre antes mesmo de nascer.
A incógnita será o Irão. Será que Teerão, apenas para baralhar a já de si complexa situação, tentando minar a influência do seu mais temido rival, a Arábia Saudita, irá apostar num apoio velado aos Curdos? Duvido.
Muito se joga com a independência do Curdistão iraquiano, desde logo a muito justa pretensão de um povo que tem sido vítima do ostracismo, vítima de massacres e do mais tenebroso racismo, por parte das autoridades da Síria, do Iraque, do Irão e particularmente da Turquia, país que aliás tem na sua conta uma tendência para o genocídio de cariz étnico, no início do século, entre 1915 a 1917, exterminou as populações de origem arménia, estima-se que mais de um milhão de pessoas tenha sido assassinada pelos turcos.
Entre 1914 e 1922, exterminaram outras setecentas mil pessoas de origem Grega, em mais uma limpeza étnica contra as populações cristãs. Os Curdos apesar de muito maltratados têm escapado a este tipo declarado de massacres.
Ainda assim a sua situação não será das melhores, um Curdistão independente, lançará certamente mais confusão numa região, que se debate com a luta de bastidores entre a Arábia Saudita e o Irão. Ambos os países possuem ligações a grupos extremistas, ambos os países servem como canais de financiamento e apoio a grupos terroristas, incrivelmente no discurso proferido nas Nações Unidas, Trump defende a Arábia Saudita e ataca o Irão.
Dificilmente o Curdistão poderá continuar neste limbo, o Ocidente tem uma divida moral para com este povo, que duvido que vá saldar, temo bem que o Curdistão vá ser lançado aos lobos e abandonado à sua sorte, não me espantaria pois que atentados do PKK, se começassem a realizar em Berlim.
Os Curdos já sabem o que esperar dos seus vizinhos, Turquia, Síria, Iraque e Irão, antros medíocres, tudo farão para sabotar a realidade de um Curdistão livre, Erdogan já ameaçou que fechará fronteira, isto vindo de um país que negociou activamente com o Daesh, diz tudo acerca desta gente, a única esperança dos Curdos, era a União Europeia deixar de ser cobarde, não acredito que tal vá acontecer, vamos abandonar de forma vergonhosa, a única sociedade moderna, democrática e de cariz laico que existe na região entregando-os aos lobos fanáticos.
Francisco Pereira
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