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REFLEXÃO SOBRE LIBERDADE E CRIATIVIDADE - I

08-09-2017 - Jorge Duarte

Estes dois simbólicos termos, por si só, exercem sobre nós um admirável fascínio. Palavras que parecem transportar qualquer coisa de mágico, contidos no caldo da criação. E não só. O mundo, na sua natureza inconstante, selectiva, transformadora e diversa é o próprio movimento livre e criativo em si mesmo.

A vida é apenas o jorrar deste acto contínuo de criatividade, em permanente mutação e aprendizagem em todos os campos, do material ao espiritual, num processo interminável desde o antes ao agora e ao futuro. Essa vida que, no fino apuramento deste processo, fecunda, no caso humano, a prova última de criação na forma de pensamento, música, arte, ciência, etc.. E nesta capacidade criativa reside, pois, a chave da evolução humana que perdura neste mundo efémero.

A vida é a criatividade pura e ilimitada como pura e ilimitada terá que ser a liberdade que lhe dá forma. Compreender esta realidade e os seus alicerces primordiais sem a veleidade da sua destruição, eis o valor da verdadeira liberdade.

Todavia, não é fácil essa compreensão e, por isso, a engrenagem funcional humana recorre aos mais variados pensamentos - filosóficos, religiosos, políticos ou sociais - para explicar e justificar, antes de mais, a maior e mais perturbadora contradição que é a da finitude da vida ante a eternidade. Talvez tenha surgido daqui a primeira necessidade criativa de escapar à mortalidade.

A noção do bem e do mal, do pecado, do justo e do injusto, do dever e de um conjunto infinito de convenções, de regras morais e éticas estabelecidas que, cada vez mais, balizam o nosso espaço de existência, são outras tantas condicionantes do nosso carácter infinito e universal.

A simples conversão ou materialização destes pressupostos em acto real, não são mais do que o fim da utopia. Cada acção realizada extingue o seu carácter simbólico. A construção real da máquina é o fim do sonho da sua construção; obtida a medalha do primeiro lugar, extingue-se o sonho dessa conquista - como a compra da propriedade extingue a universalidade do dinheiro.

Assim, a liberdade só o é, na sua plenitude, na imaginação. Porém, possui a tremenda força do que é simbólico e é nesta força nascente que todas as formas de vida, na sua escalada de desenvolvimento, buscam a criatividade para ultrapassar dificuldades, e que, uma vez resolvidas, se expõem a outras e outras, num jogo nunca acabado.

Viver é tão simplesmente aprender, aperfeiçoar, voltar a aprender e aperfeiçoar de novo, implicando todo o nosso ser e derramando sobre ele o resultado e as consequências desse processo.

Diversos são os conceitos de liberdade face à que acabamos de falar, ou seja, partindo da mesma ideia de liberdade fundamental até à compartimentação racional das diversas latitudes de liberdade que, no limite, restringem a sua substância activa.

Podemos possuir liberdade de culto e não liberdade de voto; liberdade de consciência e não liberdade individual; liberdade de opinião e não liberdade de circulação e por aí adiante. Até o ganhar a vida através do esforço para se sustentar e ter de fazê-lo para o suportar, parece um ciclo pouco lisonjeiro para a dignidade humana.

Trata-se, portanto, de uma permanente luta que qualquer um, por imperativo, nasce disposto a travá-la porque o homem aspira normalmente à liberdade. Liberdade para descobrir e realizar, para sonhar, para se superar. Fora dos limites de qualquer opressão, claro está. Mas raras vezes esse homem tem na sua mão a sua própria sorte e o seu próprio destino. Nas mais delas, não tem possibilidade de escolha.

A criatividade deveria ser, no fim de contas, a luz cristalina forjada na liberdade, do mesmo lugar onde ocorre o pensamento. Criatividade e liberdade são os progenitores das ideias e dos ideais. De uma e outra, conjugadas, depende o fazer e o acontecer, o êxito ou o fracasso, o evoluir ou o regredir, o criar ou o paralisar.

É conhecido o caso de uma criança que em resposta à pergunta do professor sobre o que é uma ilha, esta responde que «é um buraco no mar». E outra, numa aula de desenho, fica só, ao fundo da sala, e quando a professora lhe pergunta o que está a desenhar com tanto interesse ela responde que «está a desenhar Deus». «-Mas ninguém sabe como é Deus – diz-lhe a professora». «-Ficarão a saber daqui a um minuto - responde a menina».

Ambas as respostas são absolutamente originais face ao pensamento comum. É pensamento criativo puro, é ver as coisas pelo lado contrário ao que os outros veem, é não ter medo de errar, é usar a liberdade sem constrangimentos.

Mas o sistema de regras que estas mesmas crianças irão absorver ao longo da vida, o próprio sistema de ensino que as irá preparar somente para o trabalho competitivo e a exigência do mercado que não tolera o erro, irá transformá-las em adultos receosos, inseguros e desprovidos de criatividade. Na verdade, toda uma educação focada progressivamente da cintura para cima até se centrar somente na cabeça.

O acto de criar é sempre um acontecimento especial no tempo. Doravante, tudo será diferente, tudo tomará outra forma porque é acrescentado algo que antes não existia nem jamais se irá repetir, com tal configuração e com tal arquitectura. Nasce um pintainho, e ninguém conseguirá voltar a pô-lo dentro do ovo. É definitivo, na ordem das coisas.

Criar, é uma inquietação, uma ousadia e uma flexibilidade em busca de desafios e de transformação da realidade, vencendo limites; é colher a maçã mais alta que apanhou sol antes das outras, é roubar um bocadinho ao futuro.

E, como tudo o que nasce por uma única vez, o acto criativo resulta, quase sempre, de um processo de tensão e conflito. Porém, activado maravilhosamente pela faísca da curiosidade que rega uma vontade de superação e independência e, em geral, predispõe o indivíduo à necessidade de continuar a criar. Por isso, o criativo tende a criar sempre muitas coisas. A interacção com o que é novo é o seu próprio estímulo.

Continua

Jorge Duarte

 

 

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