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E TU, O QUE FARIAS EM 90 SEGUNDOS?

11-08-2017 - José Janeiro

O lamentável acidente com o Cessna 152 matricula CS-AVA lançou nas redes sociais um conjunto de pilotos de sofá, especialistas em aterragens de emergência, os tais que nunca puseram um pé aos comandos de um avião e justiceiros heroicos, além dos já habituais “e se”, uma forma absurda de analisar factos. Li os mais disparatados comentários, sem excepção, são na sua larga maioria comentários da mais profunda falta de bom senso e logica, a roçar a burrice.

Antes de passar ao que se sabe do acidente decidi copilar alguns desses comentários que demonstram bem a falta do mais elementar: “se não sei tento saber e não digo disparates como se fosse o dono da verdade”. Alguém, não me lembro aonde li, disse e subscrevo: que sabíamos que existiam idiotas, não era novidade, mas o que o face fez, foi faze-los entrar nos nossos olhos, mais ou menos isto.

Mas vamos ao brilhantismo dos comentadores e experts de serviço:

- uma tristeza quando se permite que aeronaves andem na praia…

- agora devemos deixar de ir á praia para os aviões aterrarem!

- se a aeronave tem buzina porque não a usou?

- se a aeronave tem trem fixo porque não recolheu as rodas?

- um dos procedimentos de segurança é amarrar – disse uma expert de sofá!

- os pilotos foram “chico espertos” aterrassem no mar.

- eles deviam aterrar no mar e saltar antes de tocar na agua.

- o expert de tudo “Nuno Rogeiro” andou a debitar disparates num artigo no “Portugal Glorioso” sobre a teoria do sobrevoo de zonas habitacionais e aglomerados de gente.

… e podíamos continuar, para já não falar dos insultos, dos actos justiceiros, do não gostei da cara deles quando saíram do tribunal, do se fosse comigo, do se fosse a sua filha, e por aí fora!

No meio de tudo isto uma dúvida logica de uma comentadora: não seria possível avisar as pessoas e lançar o alerta na praia? Pois não! É um minuto e meio de tempo, o socorro chegou em 3 minutos, mais rápido é impossível. Valha-nos alguém com um pouco de discernimento, no meio das atoardas.

Vamos então clarificar a situação:

ENQUADRAMENTO:

Voo de treino de navegação que saiu de Cascais – Tires, com instrutor e aluno, rumo a Évora. Este aluno que está a tirar o brevet comercial terá por certo ambições a ser piloto de linha aérea. Sim é nestes aviões que treinam.

O voo fazia-se num corredor aeronáutico obrigatório a 1000’, lê-se 1000 pés (+/- 300 metros) e porquê 1000’? porque voar no quadrante sul é altitude impar, 1000, 3000, etc e no quadrante norte a altitude é par ou seja a 2000’, 4000’ etc havia trafego para Norte e além disso havia o trafego comercial para Lisboa. Isto para manter separações evitando choques de frente. O piloto não podia sair do túnel de voo, nem da altitude.

O comandante do voo reporta mayday, que quer dizer pane total, motor parado, ou se quiserem falha de motor, já aconteceu comigo, regras a seguir:

- manter velocidade na melhor razão de planeio do avião (velocidade versus maior distancia);

- cortar combustível;

- cortar tudo o que seja elétrico para evitar faíscas;

- procurar local de aterragem o mais segura possível;

- reportar mayday e local de aterragem;

- tentar animar o motor (no final de tudo se houver tempo);

Já gora faz parte do treino este tipo de simulações, tantas vezes quanto as necessárias para “sair” automático.

… só que neste momento a 300 metros ou 1000’, tem 90 segundos para fazer tudo isto, sim um minuto e meio antes de se esbardalhar no chão, além de estar a pilotar um tijolo com asas que se aproxima do chão a uma velocidade quase descontrolada e com comandos pouco ou nada operacionais. Solução aterrar em frente, a manobralidade é nula ou reduzida e o efeito de solo (gravidade) é cada vez mais forte e influenciador do voo.

ATERRAR OU AMARAR

O piloto optou pela praia “cova do vapor” que segundo sei fica antes da S. João da Caparica, porquê ali? Duas razões me parecem ponderosas:

  • A 300 metros pouco se pode manobrar no avião, sabia que tinha pouco tempo e calculando rapidamente, porque naquele momento sabia, via variómetro (instrumento que mede por minuto a descida em pés), qual a razão de descida e sabia a altitude a que estava logo sabia a distância que podia percorrer até ao impacto, era fácil fazer umas contas de cabeça, sabendo mais ou menos a distância para a cova do vapor. Problema: tinha vento de cauda a 24 km/h que o empurrou para a frente e não podia controlar a descida.
  • Aparentemente teria visto que aquela praia estava mais deserta e seria mais segura, como se veio a comprovar por imagens de um outro avião.

As contas saíram furadas e pelo que foi dado ver no breve momento em que passa á frente de uma camara e por relatos de algumas testemunhas o avião ia efectivamente com velocidade a mais, que o piloto tentou reduzir com a existência de “full flaps” aquelas latas que estavam baixas na traseira das asas, oferecem mais resistência ao vento e permitem algum controlo, além de um “flare” acentuado, nariz puxado para cima para tentar controlar a velocidade, reduzindo-a. Segundo relatos o avião tocou no chão e “saltou”, chamamos “cavalo de pau” e voltou a aterrar. Isto acontece com velocidade a mais.

Até aqui parece normal a decisão, porque não acredito nem num segundo que o comandante tivesse intenção de matar seja quem for, mas equilibrar ou anular os danos.

Muitos se questionam porque razão aterrar em detrimento da amaragem, vamos analisar:

  • Falta de meios de controlo do avião implicou a aterragem em frente com vento de cauda;
  • Equipamento configurado par aterragem, mas na cova do vapor;
  • Falta de altitude suficiente para manobrar;
  • A amaragem implica acima de tudo nariz ao vento, ou seja vento de frente, e o que não era o caso, e podia criar ainda mais vítimas, porque iria dar uma cambalhota no mar e despedaçar-se, possivelmente mais gente na água, não sabemos e além disso nem sabemos se tinha comandos para virar o avião para o mar.

PORQUE PARAM ESTES MOTORES?

Sim, é a pergunta que se impõe! Estes motores de configuração aeronáutica têm características pouco comuns: podem trabalhar sem água durante 2 horas sem “colarem”, têm dupla ignição, têm meios de análise pré-voo, os testes de magnetos, que nos indicam se está em condições pela diferença da queda de rotações. Mas têm um problema: param com combustível contaminado com água ou resíduos e param mesmo.

A manutenção é muito rígida e devidamente registada no Log Book de manutenção, impresso pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Na aviação ultra leve (o meu caso) são os proprietários que se responsabilizam, na aviação ligeira, o caso do Cessna em questão, são mantidos através de empresas especializadas.

Pela forma como se soube e como parou quase que apostava em combustível contaminado, acontece mais do que imaginamos. Esse é um cuidado a ter de forma extrema, nomeadamente quem usa combustível da bomba de combustível normal, sim estes motores “comem” o combustível 95 ou 98 e Avgás, e para tal há que ter atenção e purgar o depósito para controlar a situação.

Os pilotos muitas vezes (não sei se é o caso), tentam abastecer apenas para aquele voo a quantidade necessária para não andarem a arrastar combustível e calcula-se: tempo de voo em horas x o consumo/hr + o necessário para um alternante (aeródromo de recurso). Esta estratégia pode em algumas circunstâncias trazer dissabores, contudo, se o combustível tiver uma percentagem elevada de água ou resíduos tanto faz a quantidade que está no depósito.

FINAL

E você, que faria em 90 segundos? Acredita mesmo que alguém mata outrem de propósito nestas condições?

E se fosse um carro que se despistasse e galgasse tudo e aterrasse sobre pessoas numa praia qualquer? Seria um acidente? Ou um assassínio, como querem apontar aos pilotos?

Na estrada todos os dias assistimos à gente com álcool, droga, falta de cuidado e que matam diariamente pessoas ou a eles próprios, aí estamos na categoria de acidentes, mas um avião que é uma coisa estranha que anda no ar, se tem um acidente é puro assassinato e as pessoas saem do tribunal, segundo alguns, com uma cara de “que não gostei”, ainda não entendi que cara esperavam ver?

Mantenho a pergunta inicial: E você, que faria em 90 segundos? Já pensou?

Até para a semana

José Janeiro

 

 

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