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O MILAGRE CONTADO PELA MILAGREIRA – Parte I

28-04-2017 - José Janeiro

Era 13 de Maio de 1917, andava eu para aqui aborrecida, porque ter 2000 e picos anos cansa qualquer um, apesar de não me darem mais de 200 anos depois de um lifiting que fiz numa das vezes que fui ao Brasil acudir a um chamamento de uma garota que se estava a afogar. Sim, porque isto de ser santa é uma chatice vocês nem imaginam. Ai nossa senhora acudi-me e lá vou eu a correr, ainda não cheguei ao local desse pedido e já ouço outro ai, ai que me morro oh vigem santíssima. Agora imaginem que um pedido é na América e outro na Austrália estão vocês a ver como é. Às vezes chego atrasada e pumba não consigo atender ao pedido ou vai lá outro santo qualquer.

Mas naquele dia estava danada porque o José, o meu marido, anda de trombas desde que começou a desconfiar que o puto, o Jesus, não era dele, realmente o magano é a cara chapada do padeiro. Eu conto como foi, o José namorava comigo e ele queria por as mãos no meu pito, só que eu dizia-lhe: “não Zé só depois de casar”. Ele lá se ia conformando, mas um dia estava eu a fazer as limpezas lá na casa e o sol batia na soleira quando chegou o Zacarias padeiro, fazia um pão ázimo ainda em formo a lenha, imaginem, ele apareceu na porta e confundi-o com um anjo, bom ele era cá um pão que nem vos conto meninas, tinha todo o aspecto de anjo. E pronto, como andava de desejos lá me deixei ir. Pois o que aconteceu a seguir já vocês sabem e o José sempre andou desconfiado que a história do arcanjo não era bem assim e tal, mas passado algum tempo engoliu a coisa. O pior foi quando o magano do puto, o Jesus, cresceu e a cara era a do Zacarias padeiro, aí é que o caldo entornou. E em 2000 e picos anos o meu Zé nunca mais me perdoou e continua zangado este tempo todo, nunca mais tivemos intimidades, até já tenho teias de aranha na passarinha.

Mas naquele dia 13, lembro-me como se fosse hoje, sim porque só passaram 100 anos, estava aborrecida e decidi tirar um dia de folga dos milagres e vim para Portugal, ver as vistas. Vou ali para os lados de Ourém e estavam uns putos a guardar o rebanho enquanto fumavam um charro de barbas de milho e decidi meter-me com eles. Vocês sabem que a vida de santa tem dias que é um tédio, sobretudo quando estou nos países do Maomé, buda e dos indus, aí a coisa torna-se mesmo muito chata.

Então cheguei perto dos putos e disse: então putos, como é que é, tudo numa boa? Temos que usar a linguagem moderna para cativar os jovens.

Eles ao princípio ficaram admirados e responderam: olhe lá a nossa mãe disse para não falarmos com estranhos.

Mas eu não sou uma estranha sou a Maria, a santa, disse-lhes.

Ora, ora - responderam - então faz aí um milagre para a gente ver.

Que querem ver, respondi-lhes.

O Chiquito que era mais regila disse: uma santa consegue ir avoar até aquela oliveira acolá, tu consegues?

Ora Chiquito, isso é fácil queres ver? E zás trepei á Oliveira.

Diz a Lúcia ainda pouco convencida: ora isso até eu consigo, queremos é ver um milagre.

Olha para o sol, respondi-lhes, vejam como gira.

Obvio que o efeito das barbas de milho deu para ver o milagre. A Jacinta que era uma menina muito crente e ingénua, ajoelhou-se e gritou: “milagre”!

E pronto foi aí que os putos ficaram convencidos.

Começaram então a perguntar: ah oh santa então como vai ser o mundo e tal e coisa.

Eu queria era paz e sossego e já estava meio arrependida de me ter metido com os catraios, lá lhe fui contando umas coisas sobre o futuro, assim como: daqui a 100 anos vocês os dois, o Chico e a Jacinta vão ser santos, quando a ti Lúcia a coisa vai demorar um pouco mais, pois vais para o mosteiro e vais contar umas patranhas sobre uns segredos e tal. Vai haver muitos carros, prédios muito, mas mesmo muito altos, aviões a passar a toda a hora aqui por cima. E imaginem o homem vai á lua.

Todos ficaram de boca aberta com as novidades.

Diz-me a Lúcia: olhe lá ó santinha e como vai ser, vai haver paz no mundo?

Oh, Lúcia – respondi-lhe – deixa-te dessas coisas de miss porque não tens medidas para concorreres a miss mundo e o concurso só será inventado daqui a 50 anos e elas que dizem essas coisas de paz no mundo e tal.

Então e que mais nos podes contar sobre o mundo? – quiseram saber

Aqui junto desta oliveira vão construir um santuário e todos vão ganhar muito guito – disse-lhes – imaginem que para dormir vão pagar muito dinheiro por noite, tal é a santidade.

Ahhhhh fizeram todos muito espantados.

Muito como – disse-me a Jacinta – assim uns 10 contos de reis?

Não garota, muitos mas muitos milhões de contos de réis – esclareci

Assim tanto, disseram, e para onde vai esse dinheiro? Para os pobrezinhos? – quis saber a Lucia

Ai minhas crianças ingénuas, claro que não, vai para os padres – respondi

Mas o Sr. prior disse-nos que devíamos ajudar os pobres – disse a Jacinta com voz lacrimejante – ele até me conta histórias a mim e á Lúcia no colo dele e pede para soprar numa gaita que ele tem entre as pernas para chamar o espirito santo.

Pois pobre criança, isso são outras coisas que não vais saber o que é - esclareci – porque vais morrer cedo criatura.

José Janeiro

Continua na próxima semana

 

 

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