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A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA

14-04-2017 - Jorge Duarte

As migrações são um fenómeno ancestral na humanidade. Mas não só na humanidade. Migram os animais, as aves, os ventos, as nuvens do céu e até o dinheiro. Os primeiros povos teriam tido origem na Mesopotâmia ou África e espalharam-se por toda a terra. A estabilização, a formação dos estados-nação, a definição de fronteiras dos países é muito recente e não terminada. O nomadismo ainda existe em África e no Médio Oriente, e os conflitos transfronteiriços também.

São conhecidas, desde a antiguidade, algumas barreiras construídas com o fim de limitar a mobilidade humana como a Muralha da China ou o Muro Romano de Adriano. Fez-se, finalmente, a globalização e com ela o paradoxo do fechamento. Hoje, mais de 50 muros se erguem nas mais diversas fronteiras.

A luta pela sobrevivência, a violência ou o desejo de conquista são os principais factores que fazem deslocar os povos. A América fez-se com a emigração europeia, a Revolução Industrial varreu dos campos para as cidades grande parte da população rural que originou gigantescos centros urbanos, sobrelotados.

As pessoas seguem o fluxo do dinheiro.

O emigrante é um instrumento de trabalho, geralmente dócil e submisso; produz riqueza no país para onde emigra. Sobretudo porque emigram os mais novos, os mais vigorosos, os mais inteligentes, os mais audaciosos. E essa riqueza gera desenvolvimento e exportação de mercadorias. Países que não são capazes de produzir essa riqueza e essa dinâmica limitam-se, simplesmente, a exportar gente.

Portugal sempre foi um país de emigração sistemática desde os tempos dos descobrimentos. Mas houve momentos em que essa saída configurou, quase, êxodos bíblicos.

Centro-me nas quatro grandes vagas que ocorreram nos últimos trezentos anos. A começar pela grande corrida ao ouro e diamantes descobertos em Minas Gerais, no Brasil, nas primeiras décadas de 1700. A notícia causou um alvoroço geral. Em menos de cinquenta anos saíram do país cerca de 800.000 pessoas, a maioria, do Centro e Norte. A população total era então de dois milhões. A miséria e a ânsia de riqueza eram tais que só se pensava em abandonar tudo e partir. O país esvaziou e chorou esse golpe populacional.

Nas primeiras duas décadas de 1900 – entre 1908 e 1924 - repetiu-se outra grande vaga de emigração também para o Brasil. Mais de 520.000 pessoas partiram. A maioria do Minho e das Beiras, despovoando e abandonando essas províncias à sorte dos poucos que ficaram.

Com a proclamação da República, a partir de 1910, uma boa parte das famílias aristocráticas ou da alta burguesia também saíram levando consigo os muitos milhões de libras que depositaram no estrageiro, depauperando ainda mais as parcas finanças do país. A esta debandada, juntou-se a morte com a febre espanhola e os 100.000 enviados para a primeira Grande Guerra. Destes, só uma metade regressaram vivos e em más condições, para se juntarem a um povo já exaurido.

A tragédia do Ultimato Inglês, de 11 de Janeiro de 1890, ainda ressoava viva na alma de cada um. Enlutava-se ainda essa humilhação nacional. Nessa altura, a população situava-se próximo dos seis milhões.

Menos de cinquenta anos depois dá-se novo surto de emigração em grande escala, mas desta vez para a Europa, principalmente para França e Alemanha. Entre 1963 e 1973, cerca de um milhão de portugueses emigrou. Metade deles para França.

As tentativas iniciais de repressão da emigração fizeram com que mais de metade saísse clandestinamente e sem intenção de voltar. Logo que as medidas abrandaram e legalizaram a sua situação nos países de acolhimento, fizeram também emigrar toda a família. Era, mais uma vez, a fuga à miséria. Mas não só, era também uma fuga à mobilização para a guerra nas colónias do ultramar.

Chegamos a 2015 e voltamos a assistir a mais uma desesperada fuga deste anacrónico país, com mais de 500.000 portugueses a se espalharem pela Europa ou qualquer parte do mundo onde encontrem trabalho. Muitos já não voltarão, são jovens qualificados e constituirão família onde se encontram. Mais uma fuga forçada à miséria mas também um bálsamo para um estado, uma vez que a fuga é uma boa válvula de escape do descontentamento social. Outros tantos por cá ficaram, desempregados, mas isto «é a vida», conforme ficou registado.

Falamos, portanto, de quatro grandes vagas de emigração sob o mesmo pano de fundo. A primeira, embora também envolta em miséria, diria que foi grandemente impulsionada pela “cobiça”; a segunda e terceira, pela “honra”. Um povo profundamente religioso embora analfabeto, assentava o seu modo de estar e viver, em valores tradicionais de família, de costumes morais e de palavra.

“Palavra de honra” ou “pobre mas honrado” são expressões desses tempos que ainda perduram na nossa memória (mesmo que não praticados hoje). A fome e o abandono tirara-lhe a dignidade. Num país que humilha não lhe dando o sustento, a solução era - e continua a ser – a de sempre: partir.

Na quarta (e actual), foram simplesmente postos fora, mandados sair. E, com eles, todo o capital investido na sua formação (diz-se a geração mais qualificada de sempre) pelo erário público e pelas suas famílias. Qualquer país que os receba, recebe também uma população jovem, já formada e preparada para produzir, mas custeada desde o berço pelos que cá ficaram.

O resultado é que em cada três gerações, uma emigra. Isto leva à conclusão de que mais vale fazer mealheiros que filhos. Ou então, na velhice, não haverá uma coisa nem outra.

E se na terceira vaga a que nos referimos o Estado contava com as remessas dos emigrantes para cobrir mais de 80% do défice da Balança de Pagamentos, hoje isso não acontece assim. O dinheiro é ganho e investido onde este novo emigrante se encontra e faz a sua vida.

Mas este trágico desígnio, de tão crónico, terá que ter as suas causas profundas muito atrás. Já tantos se debruçaram a justificar o nosso laxismo, a nossa passividade e incapacidade para nos governarmos. Permitir-me-ei eu também.

O mal não foi, com certeza, da bravura dos tempos iniciais da formação do reino nem tampouco da bravura dos nossos capitães que circunavegaram o mundo, bem instruídos e orientados. Terão sido dos seguintes, dos que já encontraram o mar riscado com as marcas das naus que assinalavam a direcção das riquezas. E, logo que descobertas, fizeram alarde nas redes sociais da altura: nos portos, nos palácios, nas festas aristocráticas e nos morgados das províncias.

Foi um fogo avassalador. Rapidamente se constituíram investidores para custear cada nau e obter o passaporte para a fortuna, através da concessão de um Alvará Régio, na próxima partida anual na frota do Oriente. Acaso o navio regressasse carregado, são e salvo, multiplicava-se por mil uma riqueza imensa. E foram muitos que chegaram.

Mas a província, de onde muitos saíram, não era o melhor lugar para digerir esses fabulosos manjares. Era preciso estar em Lisboa, melhorar o estatuto e viver como aristocrata, agora comerciante rico, deixar as quintas e os campos entregues aos serviçais e construir palácios na capital, assistir às festas sumptuosas, fazer contactos de alto nível junto dos estrangeiros, da nobreza e, sobretudo, do Rei.

Isto acontecia durante o mercado do Oriente e repetiu-se com o ouro do Brasil. Tudo buscava a capital e nela se investia, ou gastava, pura e simplesmente. Porque o lucro era fácil; investia-se dez para ganhar mil rapidamente. E criou-se o padrão.

À província bastava somente o abandono e a miséria. O povo abandonado pelos seus senhores acabava, também ele, na capital, pedindo esmola nas ruas. E Lisboa cresceu, cresceu, em fausto, pobreza, dimensão e poder centralizado. Que ainda hoje permanece…oligarquicamente.

Nela e em toda a sua zona metropolitana habita quase metade da população do território nacional. Não há na Europa nenhum caso semelhante e no mundo, serão muito raros. O país é como um corpo com uma cabeça disforme (e disfuncional).

Dizer que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”, é dizê-lo com toda a propriedade. Porque é ali que verdadeiramente se encontra e sempre se encontrou todo o poder centralizado. O que outrora existiu distribuído nas províncias foi lá parar. E aí se teceram as mais finas malhas, se misturou o sangue nobre com o plebeu novo-rico, e se selecionou o ADN do poder com a imbecilidade, o parasitismo, o luxo, a vaidade, a coscuvilhice, a intriga e o desprezo pelo povo, que se perpetuam.

Dessa redoma temperada surgem, amiúde, os messiânicos das grandes promessas de mudança e salvação da pátria que acabam complicando e endividando ainda mais, deixando-nos à espera do próximo messias e assim, sucessivamente. É que qualquer nó demora infinitamente mais tempo a desfazer (se houvesse vontade) do que a fazer; imagine-se um novelo retorcido por séculos, por mãos hábeis…! Seria menos ciclópico começar do princípio.

Mas e o que foi feito de tanta riqueza que cá chegou nesses séculos dourados? Ora, seguindo a “boa” tradição, foi desbaratada em vícios, vaidades e ócio. Salvo alguns poucos monumentos, talha dourada e memórias.

A riqueza, por vezes, faz mais mal do que bem. Proporciona facilidades mas estas levam facilmente à extravagância e à indigência, que são o caminho mais curto para a pobreza. Há menos de um século, já os nossos ministros andavam de mãos estendidas nas praças financeiras de Londres, Amsterdão e Berlim a contrair empréstimos para alimentar as finanças do país.

E fechado um período na história cíclica, voltamos sempre à linha de partida. A recente entrada de milhões de milhões de fundos comunitários, a distribuição e aplicação descontrolada em obras de fachada, centros comerciais gigantescos, estádios de futebol, financiamentos do betão, autoestradas, derrapagens, falta de planeamento saque dos bancos, endividamento e corrupção institucional, conduziram à inevitável mas habitual bancarrota. E o último acto repete-se: Desemprego em massa, emigração forçada e despedidas choradas. Nada de novo, portanto, no cais de partida.

Os que ficam são os mais frágeis e com menos iniciativa. Têm menos capacidade de reagir e assim se instalou a passividade, a cobardia, o medo e a vergonha. Estas características são transmitidas de geração em geração.

E graceja-se, com um encolher de ombros, que os portugueses são um povo triste. E poderia ser de outra maneira? O português sentiu-se constantemente espoliado e roubado; roubado até da sua vontade de viver e quando a fome se torna insuportável, emigra.

Leva uma dor na alma quem parte e guarda a mesma dor quem vê partir quem mais ama e em quem tudo investiu. Está constantemente no cais de embarque a acenar e secar lágrimas. A emigração é sempre um falhanço, uma perda de ilusão para quem parte e para quem fica; endurece o coração, tolda a visão e rouba o sonho. Quem não foi emigrante ou familiar directo de emigrante, não consegue sentir o vazio que constitui esta perda e como ela marca para a vida.

Agora que o mundo se parece cada vez mais fechar e desagregar e já não há mais mundos e fundos para descobrir, é chegado o momento da pura encruzilhada, do encontro connosco próprios, como em frente a um espelho, num acto de contrição.

Como há cem anos atrás dizia Manuel Laranjeira, acerca do mesmo estado nacional das coisas «Não nos iludamos. Ou nos salvamos a nós, ou ninguém nos salva».

Jorge Duarte, Abril de 2017

 

 

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