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V - PORTUGAL NOS ALVORES DO SÉCULO XX

07-04-2017 - Pedro Pereira

A imprensa republicana, que havia sido uma poderosa arma nas arremetidas radicais contra a monarquia quando a República foi implantada, havia praticamente desaparecido dado o regime de terror instalado pela ditadura de João Franco, 1º Ministro do último governo em vida do rei D. Carlos.

Deste modo, em 4 de Outubro de 1910 existiam em Lisboa onze jornais monárquicos, porém, a situação vai inverter-se. Quase dois anos passados, em 1912, apenas o Dia e a Nação resistiram aos furiosos ataques do radicalismo republicano.

Nesta altura, o primeiro sinal de que os republicanos estavam preparados para defender a República recorrendo à violência, aconteceu em 8 de Janeiro, quando um numeroso grupo de carbonários e civis atacaram, com a aparente conivência das autoridades, as redações dos jornais monárquicos, o Correio da Manhã, o Liberal , A Nação, a Pátria Nova e o Diário Ilustrado. A imprensa realista havia iniciado a crítica aberta e feroz relativamente aos atos políticos do governo provisório, congregando com isso, a ira dos republicanos. Entre outros temas, censuravam o prolongamento da ditadura revolucionária e os atrasos na convocação de eleições para as constituintes, ao mesmo tempo que apontavam o «despotismo», a «violência» a «indisciplina» e a «corrupção».

Em Lisboa, os jornais de feição republicana mais importantes eram O Diário de Notícias e O Século .

À compita com noticiário de cariz político, informação diversa e folhetins, os crimes passionais e de violência conjugal eram noticiados com tanto «preciosismo», que era este tipo de noticiário que aliciava o leitor a comprar os periódicos.

Por tal facto, o jornal diário O Século registava tiragens de longe superior à soma de vários dos seus congéneres.

Assim e a título de exemplo transcrevemos uma local desse periódico, datada de 12/01/1910: «O photographo e antigo carteiro Antonio Marcello, de 22 annos, natural de Lisboa, residente no Alto dos Sete Moínhos, e que, como o Seculo referiu, oportuna e desenvolvidamente, aggrediu, na tarde de 3 de Novembro ultimo, com 22 facadas nas costas, cabeça e rosto, a sua ex-amante Emilia de Jesus Pereira, a Emilia do Quatorze, caso que se deu na rua das Fontainhas, a S. Lourenço, apresentou-se hontem, a responder no 1º districto criminal, perante o sr. conselheiro Pina Callado, em um processo de queixa, pois que, já no corpo do delito, se provara que procedera sem intenção de matar.»

Pela análise de outras notícias do mesmo teor, publicadas no mesmo jornal, verificamos que a maioria dos intervenientes são oriundos da província, e/ou pertencentes às classes mais baixas da sociedade, como operários, varinas, caixeiros…

Os crimes por ciúmes faziam parte do noticiário do dia-a-dia, como o exemplo que se segue datado de 16/02/1910, página 2: «Hoje, pelas 3 horas da manhã, na travessa da Palha quasí à esquina da rua da Assumpção, por uma questão de ciúmes, envolveram-se em desordens, antigas bairristas da Mouraria e ali muito celebradas pela sua vida dissoluta. Uma dellas, conhecida pela “Cavalheira”, que por muito tempo tem residido nas ruas de Silva e Albuquerque e do Capellão, puxou de uma navalha e deu um golpe no quadril da outra, a quem conhecem pela “Emilia Varina” ».

Ainda no mesmo tom, o Século noticiava em 13/01/1914: «A Micas Saloia tinha como amante, aquele desordeiro conhecido pelo Charuto, que está no Limoeiro a cumprir sentença: mas, como ele tinha ainda largos mezes de cadeia, a gatuna começou a entreter amores com um tal Artur, que fez parte da quadrilha do Bébé, indivíduo que já era das relações da Guilhermina Martins de Jesus, uma das muitas desgraçadas que vivem nas hospedarias da Mouraria.

A Guilhermina, que é natural de Faro e faz 22 anos no mez próximo, tendo já cinco de tirocínio na sua miserável vida, e residindo habitualmente na hospedaria da rua dos Alamos, 42, 1º, não contava que a Micas Saloia tivesse tomado tão a peito os seus amores com o Artur, para que lhe viesse fazer mal.

Hontem, porém, pela madrugada, quando a rapariga estava a conversar com ele na esquina das ruas Alamos e Silva e Albuquerque, a Micas Saloia, que vinha armada com um canivete, veio por detraz da desgraçada, agarrou-a pelos cabelos e vibrou-lhe oito golpes, que a deixaram n´um mar de sangue.

Acudiu a policia: a faquista, que já se desfizera do canivete, foi presa e a Guilhermina foi conduzida ao hospital de S. José, onde a curaram de uma facada na cabeça, três na cara, duas n’um braço e duas n’uma das mãos, tendo-lhe uma d’elas rasgado um dedo ».

Aparentando-se a autênticos romances de cordel, que os invisuais (os ceguinhos) vendiam nas ruas ou cantavam em verso, este tipo de notícias servia de mote para troca acalorada de discussão entre populares tomando partido por uma das partes, um pouco no género do que acontece nos dias de hoje com os aficionados dos clubes de futebol e dos partidos políticos.

Pela leitura deste tipo de notícias, podemos tipificar os vários crimes passionais, incluindo «o crime aceitável», de que é exemplo o que se segue na página 2 do mesmo jornal, datado de 28/02/1917: «Em audiência geral (…) foi hontem julgado, no 1º distrito Narciso Viana, de 28 anos, carpinteiro, de Viana do Castelo, Rua do Arco da Graça, 73, 2º, acusado de, em 28 de Agosto de 1916, na casa da sua residencia, disparar dois tiros de revolver sobre a sua amante, Maria da Gloria, ferindo-a na cabeça.

Confessou o crime, alegando que o praticou por ela o trair com o barbeiro que mora na rua Nova de S. Domingos. O júri deu o crime como não provado, por unanimidade, pelo que foi absolvido. »

Em suma: O regime republicano não deu aos Portugueses a alfabetização, a escolaridade, o progresso de vida material e cultural suficientes e necessários, enfim, as estruturas modernas significativas e prementes na sociedade, uma vez que até nas artes o único grande movimento estético inovador e dissidente registado foi o Modernismo, que não chegou para mudar as mentalidades ou deixar a semente lançada à terra para o desenvolvimento de uma nova geração de intelectuais.

O final da 1ª República, com a ascensão de Salazar ao poder e a consolidação de um regime de ditadura que se havia iniciado com o golpe militar do 28 de Maio de 1926, veio provar o falhanço do regime na tentativa de modernização do país, com tal impacto que originou uma ditadura feita à medida de um ditador (Salazar) que não obstante a sua morte em 1970, só terminou em 1974. Nesse meio tempo vigorou um regime retrógrado e foi concebida uma sociedade pré-arcaica à revelia dos ideais republicanos.

Hoje, 43 anos passados de derrube da ditadura, questiona-se que modelo de modernidade, de desenvolvimento económico, social e cultural foi concebido em Portugal nestas décadas.

É oportuno que se questione, dado o impasse (e em alguns casos retrocesso) que a sociedade e o país atravessam atualmente.

Pedro Pereira

 

 

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