Edição online quinzenal
 
Sexta-feira 29 de Março de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

BREVE ENQUADRAMENTO DA GUERRA COLONIAL (ou do Ultramar)

31-03-217 - Pedro Pereira

Cumprem-se neste primeiro trimestre de 2017, 56 anos que teve início o princípio do fim do império português. Por tal facto e dadas as consequências dramáticas que se seguiram e que ainda hoje se fazem sentir na sociedade portuguesa, é da mais elementar justiça a sua evocação dado o rasto de centenas de milhar de vítimas que deixou pelo caminho. Atente-se que a comunicação social portuguesa dita de referência, votou nestes meses esta efeméride a um olímpico ostracismo.

Assim:

No dia 4 de fevereiro de 1961, opositores ao regime de Salazar atacavam a Casa de Reclusão, quartel da PSP e da Emissora Nacional em Luanda, acontecimentos estes que marcaram o início da guerra colonial em Angola e que nos anos que se seguiram, irão como que por efeito de contágio abrir frentes de combate na Guiné e posteriormente Moçambique, lideradas por movimentos político-militares independentistas.

A 16 de Março seguinte, os guerrilheiros da UPA (União para a Libertação dos povos de Angola) 1, ou «terroristas», como foram logo apodados, desencadearam em simultâneo, ataques no Norte de Angola, como por exemplo às povoações de Carmona, Vila Viçosa e Bessa Monteiro, deixando um rasto de centenas de mortes e destruição entre os colonos brancos e assalariados indígenas.

O regime, tratou de pôr a circular por todo o mundo as imagens dos horrores, incluindo na metrópole. Mulheres grávidas esventradas, crianças decapitadas, homens desmembrados… brancos e negros.

Em consequência, teve início no dia 21 seguinte uma ponte aérea que evacuou 3500 portugueses dessa região, a maioria deles camponeses, que deixaram para trás vidas, gerações de trabalho, de sacrifício e de fazendas, pequenas vilas e aldeias, que nunca mais voltaram a ser ocupadas, arrasadas que foram.

Nesse meio tempo, Salazar ordenava: «Para Angola e em força». Tinha assim início uma hemorragia de homens válidos e cabedais que deixaram a nação exausta no final de 13 anos de guerra em três frentes de combate, atendendo sobretudo às dimensões de Angola e Moçambique.

De acordo com um comunicado oficial das Forças Armadas em Angola, só entre 4 de Fevereiro (início das acções de guerrilha) e 30 de Junho seguinte, morreram 50 militares portugueses.

Em conformidade com o velho ditado que diz que «um mal nunca vem só», o ano de 1961 foi marcado por outros dois episódios, um deles bem dramático, ilustrativo do início da derrocada do império português: com carácter quase simbólico, deu-se a ocupação do Forte de S. João Baptista de Ajudá (erguida pelos portugueses no século XVIII, que serviu de entreposto comercial durante séculos) pela República do Daomé. O outro, a raiar a tragédia, em finais do ano, teve o seu pronuncio na evacuação de mulheres e crianças de Goa a 12 desse mês, dadas as hostilidades que vinham do lado de lá das fronteiras desse território incrustado na Índia.

Em resposta ao primeiro-ministro da União Indiana, Pandita Nehru, intimando Portugal a abandonar os territórios de Goa, Damão e Diu, Salazar proferia: «Apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos».

Dada a posição irredutível do ditador, de que Portugal não abandonasse esses enclaves, nos dias 17 e 18 de Dezembro, as tropas da União Indiana, numericamente muito superiores em armamento e logística, invadem o Estado Português da Índia, sobre a designação de Operação Vijaya, estribadas em 50000 militares apoiados por blindados, artilharia pesada, aviões de combate Camberra e um porta-aviões.

Em contrapartida, cerca de 3500 soldados portugueses e alguns indianos mal municiados e até sem armas que chegassem para todos, era tudo quanto Portugal tinha para enfrentar a poderosa máquina de guerra indiana.

O Governador-Geral, General Manuel António Vassalo e Silva, face ao cenário que se lhe deparou decidiu apresentar a rendição das forças portuguesas no final do dia 19, depois de uma resistência que se traduziu em cortes de pontes e outras vias de comunicação e do combate travado entre os navios de guerra portugueses e a armada indiana, no caso, os vasos de guerra Vasco da Gama e o Afonso de Albuquerque, tendo este último acabado afundado. Saldaram-se os combates por alguns mortos e feridos.

Os seis meses seguintes foram de detenção em campos de concentração, onde os milhares de soldados portugueses cativos foram maltratados e humilhados. Nesse meio tempo, Salazar foi fazendo «orelhas de mercador» às solicitações de Nehru, no sentido de o Estado português recolher os prisioneiros, usando Salazar a situação como bandeira junto da ONU.

Quando por fim os militares foram soltos, foram embarcados no navio Vera Cruz. Passadas as semanas de viagem, ao se aproximarem ainda de dia da barra do Tejo, foram obrigados a aguardar que a noite caísse. Quando por fim o navio atracou, foi desde logo rodeado por um forte aparato bélico sem que as famílias dos militares os pudessem vislumbrar. Entretanto, o General Vassalo e Silva e mais de uma dezena de outros oficiais foram detidos e posteriormente demitidos do Exército, só voltando a ser reintegrados após o 25 de Abril de 1974. Nessa altura, já o General havia falecido assim como outros desses oficiais.

O ano de 1961 marca, pois, o princípio do fim do império colonial português.

Após o 25 de Abril, quando foram negociadas as tréguas entre os portugueses e os diferentes movimentos de guerrilha em Angola, Moçambique e Guiné, o número oficial de militares mobilizados na metrópole era de 796798, sendo que o total, onde se incluíam os militares mobilizados nos respetivos territórios ascendia a 1392230 (dados do Ministério da Defesa). Pelo caminho, no decorrer dos anos de guerra, haviam ficado dezenas de milhar de mortos da parte portuguesa, estropiados físicos e muitos mais do foro psicológico e psiquiátrico.

Os movimentos de libertação eram os seguintes quando do final das hostilidades: Angola – MPLA (Movimento para a Libertação de Angola) chefiado por Agostinho Neto; FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola), liderado por Holden Roberto; UNITA (União para a Independência de Angola) capitaneado por Jonas Malheiro Savimbi.

Moçambique – FRELIMO (Frente Revolucionária de Libertação de Moçambique), liderado por Samora Machel, e RENAMO, organização com pouca expressão no terreno. Finalmente, na Guiné, o movimento que liderava a guerrilha era o PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Quando a guerra terminou e as independências desses territórios se efectuaram, Portugal nem teve tempo para «ressacar» dos treze anos de luta. O movimento revolucionário estava nas ruas; eles eram as comissões de moradores, as cooperativas, as ocupações de fábricas e de terras, as nacionalizações e, de uma maneira ou outra, os portugueses encontravam-se politicamente divididos, desde logo, num espectro politico/partidário que ia da extrema-esquerda à extrema-direita.

Entretanto, a partir de finais de 1975 os ventos revolucionários começam a amainar com o advento das telenovelas brasileiras na RTP, de entre elas a primeira (Gabriela Cravo e Canela) importada após a visita oficial ao Brasil de Mário Soares. Foi aí que a festa revolucionária começou a esmorecer. O país parava… até o Parlamento… para ver os folhetins noturnos da novela a preto e branco. Os portugueses acordaram finalmente para a realidade. Muitos deles, ex-combatentes, mas ainda relativamente jovens.

Entretanto , à medida que os anos têm vindo a passar, milhares de ex-combatentes já morreram, outros, continuam doentes, amputados, uns no corpo e outros na mente e outros vivendo em condições miseráveis, incluindo sem-abrigo.

Das maiores chagas sociais portuguesas por via deste facto, os portadores de stress pós-traumático de guerra, contam-se por umas dezenas de milhar de homens, na maior parte dos casos sofrendo em silêncio, afectando o seio das suas famílias (aqueles que ainda tem família).

Alguém disse que os ex-combatentes da guerra colonial foram os últimos guerreiros do Império. Só por esse facto e porque a História não se pode apagar com uma borracha, merecem ser olhados com atenção, tratados com respeito e consideração, senão pelos governos, pelo menos, por todos os portugueses não enfeudados politicamente, que felizmente constituem a maioria do povo deste país.

Uma nação que não honra os seus heróis, os seus mártires, as suas vítimas é um país sem memória que não merece ser respeitado nem reconhecido como tal.

_________________________

1 – A UPA era liderada por Holden Roberto, cunhado de Mobutu, presidente vitalício do Zaire, Estado fronteiro com o Norte de Angola. Holden Roberto veio anos mais tarde a chefiar outra formação de guerrilha, a FNLA, que continuou ativa nos inícios da guerra civil angolana pós-independência. Seu cunhado (Mobutu), após a revolução de Abril comprou vastas propriedades em Portugal, do Minho ao Algarve vindo a morrer de cancro na próstata.

Pedro Pereira

 

 

 Voltar

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome