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POPULISMO V/S ESTABLISHMENT

17-03-2017 - Francisco Garcia dos Santos

Aquando do “Maio de 1968”, em que de forma algo inorgânica foi posta em causa o “sistema demoliberal capitalista” por uma esquerda quiçá utópica e libertária, eu era uma criança, pelo que só vim a conhecer e compreender o respectivo significado mais tarde.

De facto (perdoe-se-me se estou errado), o movimento que pôs a “ferro e fogo” Paris, cuja face foi Daniel Cohn-Bendit com o lema “é proibido proibir”, mais não consistiu do que numa manifestação “contra”, sem propôr algo de novo em substituição da “ordem vigente” sócio-económico-política.

Poder-se-á dizer que tal movimento, principalmente estudantil, foi à data “populista”? Talvez!... Poderá ter influenciado o fim da presidência do carismático General Charles de Gaulle? É possível! Mas o mesmo, com maior ou menor repercussão em vários países da Europa, não logrou obter resultados práticos que alterassem substancialmente o “caminho” do Velho Continente, principalmente ocidental, e do Mundo em geral, em direcção à plutocracia que hoje “impera”, mesmo na Rússia pós-soviética de Ieltsin, Putin e Medvedev, na China pós Mao Tsé Tung de “um país dois sistemas”, fundada por Deng Xiaoping, Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês de 1978 a 1992, que idealizou e pôs em prática o “socialismo de mercado”.

Se se exceptuar o autocrático modelo político da “China continental”, mitigado nas Regiões Administrativas de Hong Kong e de Macau, bem como na “independente” Taiwan, poder-se-á dizer que o modelo político demo-liberal representativo que atualmente vigora na Rússia e nos países do dito “mundo ocidental”, paulatinamente foi deixando de espelhar a vontade dos cidadãos eleitores, para assumir uma forma de designação e legitimação de dirigentes políticos “defensores” e ao “serviço” de difusos e superiores interesses económico-financeiros com poderio universal.

Já no que concerne à ideia de um suposto “estado social” estabelecido no ocidente europeu, aquilo a que se tem vindo a assistir desde finais das décadas de 70 e início de 80 do século passado, mas com maior acuidade a partir do início do séc. XXI, é à “globalização”, com a mudança de empresas e fábricas de países desenvolvidos para territórios “off shore” e em via de desenvolvimento, ou mesmo pobres, por nesses a tributação e os custos de produtivos serem muitíssimo mais baratos (principalmente os de “mão-de-obra”), bem como à fluidez e volatilidade de capitais que a informática permite movimentar vertiginosamente com um “clic” de computador. E tudo isto tem vindo a levar ao aumento de desemprego, à regressão do poder de compra médio e nível de vida das populações “ocidentais”.

Portanto, o resultado deste “sistema” é o facto de hoje na Europa ocidental, e mesmo noutros países de matriz cultural europeia, se verificar uma manifesta sobreposição do “económico-financeiro” sobre o “político” , e ao temor dos respectivos dirigentes face a qualquer “abanão” da grande banca internacional (vide a “discreta” aflição dos burocratas de Bruxelas e dos governantes europeus face à crise bancária instalada na Europa, cujo expoente máximo é a necessidade de recapitalização do “colosso” Deutsche Bank estimada em cerca de € 10.000M, segundo notícia de dia 3 deste mês de Março da agência Bloomberg, posteriormente confirmada pelo próprio Banco ao jornal Financial Times).

Mas nem tudo se resume ao económico-financeiro. Bem ou mal, desde o fim da II Guerra Mundial, e fundação das então Comunidades Europeias (hoje União Europeia) pelo Tratado de Roma em 1957, visando a “paz eterna” na Europa, até finais do séc. XX havia um respaldo histórico-cultural nos Povos europeus, maxime uma certa consciência de identidades singulares nacionais e colectiva europeia orientadores do seu devir.

Porém, após a “globalização”, de instalados o hedonismo e o relativismo (impostos de fora e por dentro), em que os grandes interesses mundiais se sobrepõem aos particulares de cada zona do Globo ou de determinado país, e o egoísmo individual posterga a ideia e sentido de “bem comum”, tanto na Europa como em países além Atlântico com a sua matriz cultural, assiste-se a um “salve-se quem puder” nos domínios político e social.

Porém, tudo tem um fim! E esse fim é o mais iletrado e simples cidadão questionar-se sobre o “mundo” em que vive e pôr em causa todo um sistema político e económico, bem como a boa-fé daqueles que elegem para os governar.

Serve isto para dizer que, salvo melhor opinião, ninguém consegue viver muito tempo como “escravo do dinheiro”, alheado do “outro”, apenas centrado no seu egoístico bem-estar, pois tal acarreta a solidão e a falta de solidariedade no momento em que mais precisar da ajuda da comunidade.

Portanto, neste primeiro quartel do séc. XXI, afigura-se-me que os povos do dito Mundo Ocidental pretendem uma reconciliação com a sua história, cultura e valores ancestrais, com algo de metafísico que lhes eleve o espírito e lhes dê sentido à vida.

Posto isto, entremos nos denominados “populismos”.

Quiçá o primeiro fenómeno político populista do séc. XXI tenha ocorrido na Grécia com a vitória eleitoral de um partido ou coligação de esquerda radical, o Cyrisa. Depois, e ainda à esquerda, um crescente poderio da coligação/partido espanhol Podemos. Mas como o “mundo” não é politicamente monolítico, assistiu-se ao referendo independentista/nacionalista na Escócia e ao brexit britânico face à União Europeia, à inesperada(?) eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América e a uma crescente intenção de voto em Marine Le Pen e sua Frente Nacional em França, para já não mencionar o previsível segundo lugar do nacionalista Geert Wiliams e seu Partido para a Liberdade nas eleições holandesas de do passado dia 15 de Março -tudo isto à direita.

Porém, se quanto aos populismos de esquerda os órgãos de comunicação social “não se incomodam”, até “acham graça” e os promovem, já quanto aos de direita acenam com o “papão” fascista, racista e xenófobo. Esquecem os “opinion makers” que o que subjaz a tais manifestações de populismo é o facto de os cidadãos do mundo ocidental já não se reverem no “sistema” vigente, nos seus partidos e políticos “tradicionais”, e de terem de trabalhar para alimentar a plutocracia mundial.

Poderão os populismos de esquerda e de direita ser simples movimentos “contra”, sem apresentarem soluções políticas credíveis, concretas e objectivas para o enorme imbróglio em que o Mundo hoje vive, mas não deixam de ser representativos de um enorme mau-estar dos povos ocidentais e da respectiva vontade de mudança. E quem não compreender isto, seja jornalista ou político, não vive neste Planeta.

Francisco Garcia dos Santos

 

 

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