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II - PORTUGAL NOS ALVORES DO SÉCULO XX

17-03-2017 - Pedro Pereira

Durante largas décadas e até à Revolução de Abril de 1974, a taberna funcionou em Portugal como se fora uma genuína instituição popular. As tabernas «viveram» até então, tanto nas áreas rurais, onde eram o centro por excelência da vida social, como nas zonas urbanas.

A taberna, também denominada tasca, era o refúgio dos homens (maioritariamente trabalhadores) por excelência. Na taberna petiscava-se, bebia-se vinho carrascão, jogava-se às cartas e ao dominó, descansava-se o corpo e faziam-se contas à vida, afogando-se no «balde de tinto» as frustrações e as mágoas dos desamores e da vida feita de um quotidiano turvo e pardacento.

Normalmente o cenário destas honoráveis instituições era alumiado nas noites dos fins de jornadas de trabalho da clientela por velas ou candeeiros de petróleo, onde se salientava o balcão encardido por detrás do qual se encontrava o dono da locanda que tinha como «pano de fundo» as pipas de vinho.

Encardidos eram também os bancos e as mesas, mais o chão pejado de escarros e de beatas. Para além do vinho tinto, do vinho branco e do palheto, «matava-se o bicho com aguardente» (quase sempre o pequeno-almoço do trabalhador) bebia-se também ginja , o eduardinho e o anis. Os mais novos (muito novos…) não eram esquecidos no rol dos fregueses. Para eles haviam refrescos feitos com água, xarope de limão, groselha ou capilé.

Como complemento aos serviços «públicos» prestados nas tabernas, vendia-se tabaco em onça e os livros de mortalhas (papel para fazer cigarros) os mata-ratos (cigarros de venda avulsa) e maços de cigarros com marcas que espelhavam o ser português, como o Definitivos , Provisórios, Português Suave e mais tarde, o Lusos , Paris, Três Vintes e o Hi-Life, entre outras.

Todas as tabernas vendiam fósforos e pedra de isqueiro e algumas vendiam também petróleo e carvão, por isso, muitas vezes se confundia taberna com carvoaria. Não que a clientela se importasse muito com isso…

De quando em vez, estalava uma zaragata entre clientes. Quando não dava vazão aos maus humores na tasca e já toldado pelos vapores etílicos, um ou outro freguês ao chegar a casa desancava os maus fígados na mulher, nos filhos e quem mais houvesse de permeio. No entanto, a sociedade (religiosa até à medula) desculpava estas criaturas de modo condescendente, porque – diziam - «a culpa não é dele», «a culpa é do vinho, que ele, coitadinho, não tem culpa, quando malhou na mulher e nos filhos, não estava no seu juízo perfeito».

Os frequentadores das tascas eram, de uma maneira geral, homens rudes, analfabetos ou com baixo índice de escolaridade, jovens e menos jovens, precocemente envelhecidos e embrutecidos pela dureza do trabalho, debilitados pelas más condições de alimentação e salubridade dos tugúrios que habitavam, a que se somavam, nos meios urbanos, os factores sociais decorrentes de um operariado desenraizado das suas origens e portanto frustrado na sua vivência quotidiana, enquanto no meio rural as más condições de trabalho decorrentes da dureza da vida feita atrás de uma arado ou agarrados a uma enxada os tornava irmãos de infortúnio dos seus companheiros das tascas urbanas em algures.

A TABERNA, CASA DE PERDIÇÃO

A taberna é casa de perdição
Onde se desentranha o negro vício,
É um lugar de maldição
Tornando a vida num suplício.

É a desgraça do que trabalha
Pois na taberna tudo gasta,
À família com o dinheiro falha
E assim a ventura do lar afasta.

Bate-lhe a fome à porta, triunfante,
Não tendo a mulher e filhos que comer
Entrando na taberna a cada instante.

Faltando ao cumprimento do dever
E já embriagado, com voz retumbante,
Na mulher e filhos quer bater.

Manuel Carreira, in O Corticeiro, Lisboa, 16/04/1910

Pedro Pereira

(continua na próxima semana)

 

 

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