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A FAMILIA (5)

10-03-2017 - Henrique Pratas

Tomemos agora, na família punaluana, um dos dois grupos típicos — concretamente, o de uma série de irmãs carnais e colaterais (isto é, descendentes de irmãs carnais em primeiro, segundo e outros graus), com seus filhos e seus irmãos carnais ou colaterais por linha materna (os quais, de acordo com nossa premissa, não são seus maridos), e teremos exatamente o círculo dos indivíduos que, mais adiante, aparecerão membros de uma génese, na forma primitiva desta instituição. Todos têm por tronco comum uma mãe e, em virtude dessa origem, os descendentes femininos formam gerações de irmãs. Porém, os maridos de tais irmãs já não podem ser seus irmãos; logo, não podem descender daquele tronco materno e não pertencem a este grupo consanguíneo, que mais tarde chega a constituir a génese, embora seus filhos pertençam a tal grupo, pois a descendência por linha materna é a única decisiva, por ser a única certa. Uma vez proibidas as relações sexuais entre todos os irmãos e irmãs — inclusive os colaterais mais distantes — por linha materna, o grupo de que falamos se transforma numa génese, isto é, constitui-se num círculo fechado de parentes consanguíneos por linha feminina, que não se podem casar uns com os outros; e, a partir de então, este círculo se consolida cada vez mais por meio de instituições comuns, de ordem social e religiosa, que o distingue das outras géneses da mesma tribo. Adiante voltaremos, com maiores detalhes, a essa questão. Se considerarmos, contudo, que a génese surge da família puna Luana, não só necessária mas naturalmente, teremos fundamento para considerar quase indubitável a existência anterior dessa forma de família em todos os povos em que podem ser comprovadas instituições gentílicas, isto é, em quase todos os povos bárbaros e civilizados.

Quando Morgan escreveu seu livro, nossos conhecimentos sobre o matrimónio por grupos eram muito limitados. Sabia-se de alguma coisa do matrimónio por grupos entre os australianos organizados em classes e, além disso, Morgan já havia publicado em 1871 todos os dados que possuía a respeito da família puna Luana no Havaí. A família puna Luana propiciava, por um lado, a explicação completa do sistema de parentesco vigente entre os índios americanos e que tinha sido o ponto de partida de todas as investigações de Morgan; por outro lado, era a base para a dedução da génese do direito materno; e, finalmente, era um grau de desenvolvimento muito mais alto que o das classes australianas. Compreende-se, pois, que Morgan a concebesse como o estágio de desenvolvimento imediatamente anterior ao matrimónio sindiásmico e lhe atribuísse uma difusão geral nos tempos primitivos. Desde então, chegamos a conhecer outra série de formas de matrimónio por grupos, e agora sabemos que Morgan foi longe demais nesse ponto. No entanto, em sua família punaluana, ele teve a felicidade de encontrar a mais elevada, a clássica forma do matrimónio por grupos, a forma que explica da maneira mais simples a passagem a uma forma superior.

Se houve um considerável enriquecimento nas noções que temos do matrimónio por grupos, devemo-lo, sobretudo, ao missionário inglês Lorimer Fison, que, durante anos, estudou essa forma de família em sua terra clássica, a Austrália. Entre os negros australianos do monte Gambier, no sul da Austrália, foi onde encontrou o mais baixo grau de desenvolvimento. A tribo inteira divide-se, ali, em duas grandes classes: os krokis e os kumites. São terminantemente proibidas as relações sexuais no seio de cada uma dessas classes; em compensação, todo homem de uma dessas classes é marido nato de toda mulher da outra, e reciprocamente. Não são os indivíduos, mas os grupos inteiros, que estão casados uns com os outros, classe com classe. E note-se que ali não há, em parte alguma, restrições por diferenças de idade ou de consanguinidade especial, salvo a determinada pela divisão em duas classes exógamas. Um kroki tem, de direito, por esposa, toda mulher komite; e, como sua própria filha, como filha de uma komite, é também komite, em virtude do direito materno, é, por causa disso, esposa nata de todo kroki, inclusive de seu pai. Em qualquer caso, a organização por classes, tal como se nos apresenta, não opõe a isto nenhum obstáculo. Assim, pois, ou essa organização apareceu em uma época em que, apesar da tendência instintiva de se limitar o incesto, não se via ainda qualquer mal nas relações sexuais entre filhos e pais — e, então, o sistema de classes deve ter nascido diretamente das condições do intercurso sexual sem restrições — ou, ao contrário, quando se criaram as classes, estavam já proibidas, pelo costume, as relações sexuais entre pais e filhos, e, então, a situação atual assinala a existência anterior da família consanguínea e constitui o primeiro passo dado para dela sair. Esta última hipótese é a mais verossímil, Que eu saiba, não se encontram exemplos de união conjugal entre pais e filhos na Austrália; e, além disso, a forma posterior da exogamia, a génese baseada no direito materno, pressupõe tacitamente a proibição desse comércio como coisa que havia sido já estabelecida antes do seu aparecimento.

O sistema das duas classes encontra-se não só na região do monte Gambier, ao sul da Austrália, mas, ainda, nas margens do rio Darling, mais a leste, e em Queensland, no nordeste, de modo que está bastante difundido. Este sistema apenas exclui os matrimónios entre irmãos e irmãs, entre filhos de irmãos e entre filhos de irmãs por linha materna, porque estes pertencem à mesma classe; os filhos de irmão e irmã, ao contrário, podem casar-se uns com os outros. Um novo passo no sentido da proibição do casamento entre consanguíneos observamos entre os kamilarois, às margens do Darling, na Nova Gales do Sul, onde as duas classes originárias se cindiram em quatro, e onde cada uma dessas quatro classes casa-se, inteira, com outra determinada. As duas primeiras classes são esposos natos, uma da outra; mas, segundo a mãe pertença à primeira ou à segunda, passam os filhos à terceira ou à quarta. Os filhos destas duas últimas classes, igualmente casadas uma com a outra, pertencem, de novo, à primeira e à segunda. De sorte que sempre uma geração pertence à primeira e à segunda classe, a geração seguinte, à terceira e à quarta, e a que vem imediatamente depois, de novo à primeira e à segunda classe. Do que se deduz que filhos de irmão e irmã (por linha materna) não podem ser marido e mulher, porém podem sê-lo os netos de irmão e irmã. Este tão complicado sistema enreda-se ainda mais, pois enxerta-se nele, mais tarde, a génese baseada no direito materno; nesse ponto, contudo, não podemos, aqui, entrar em minúcias. Observamos, pois, que a tendência para impedir o matrimónio entre consanguíneos manifesta-se aqui e ali, mas de maneira espontânea, em tentativas, sem uma consciência clara dos fins objetivados.

Artigo Parte 5

Continua na próxima semana

 

 

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