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A FAMÍLIA (4)

03-03-2017 - Henrique Pratas

Sem dúvida, nas tribos onde esse progresso limitou a reprodução consanguínea, deve ter havido um progresso mais rápido e mais completo que naquelas onde o matrimónio entre irmãos e irmãs continuou sendo uma regra e uma obrigação. Até que ponto se fez sentir a ação desse progresso o demonstra a instituição da génese, nascida diretamente dele e que ultrapassou de muito seus fins iniciais. A génese formou a base da ordem social da maioria, senão da totalidade, dos povos bárbaros do mundo, e dela passamos, na Grécia e em Roma, sem transições, à civilização.

Cada família primitiva teve que cindir-se, o mais tardar depois de algumas gerações. A economia doméstica do comunismo primitivo, que domina com exclusividade até bem avançada a fase média da barbárie, prescrevia uma extensão máxima da comunidade familiar, variável segundo as circunstâncias, porém mais ou menos determinada em cada localidade. Mas, apenas surgida, a ideia da impropriedade da união sexual entre filhos da mesma mãe deve ter exercido sua influência na cisão das velhas comunidades domésticas (Hausgemeinden) e na formação de outras novas comunidades, que não coincidiam necessariamente com o grupo de famílias. Um ou mais grupos de irmãs convertiam-se no núcleo de uma comunidade, e seus irmãos carnais, no núcleo de outra. Da família consanguínea saiu, dessa ou de outra maneira análoga, a forma de família à qual Morgan dá o nome de família punaluana. De acordo com o costume havaiano, certo número de irmãs carnais ou mais afastadas (isto é, primas em primeiro, segundo e outros graus) eram mulheres comuns de seus maridos comuns, dos quais ficavam excluídos, entretanto, seus próprios irmãos. Esses maridos, por sua parte, não se chamavam entre si irmãos, pois já não tinham necessidade de sê-lo, mas "punalua", quer dizer, companheiro íntimo, como quem diz "associé". De igual modo, uma série de irmãos uterinos ou mais afastados tinham em casamento comum certo número de mulheres, com exclusão de suas próprias irmãs, e essas mulheres chamavam-se entre si "punalua". Este é o tipo clássico de uma formação de família (Familien-formation) que sofreu, mais tarde, uma série de variações, e cujo traço característico essencial era a comunidade recíproca de maridos e mulheres no seio de um determinado círculo familiar, do qual foram excluídos, todavia, no principio, os irmãos carnais e, mais tarde, também os irmãos mais afastados das mulheres, ocorrendo o mesmo com as irmãs dos maridos.

Esta forma de família agora nos indica, com a mais perfeita exatidão, os graus de parentesco, da maneira como os expressa o sistema americano. Os filhos das irmãs de minha mãe são também filhos desta, assim como os filhos dos irmãos de meu pai o são também deste; e todos eles são irmãs e irmãos. Mas os filhos dos irmãos de minha mãe são sobrinhos e sobrinhas desta, assim como os filhos das irmãs de meu pai são sobrinhos e sobrinhas deste; e todos são meus primos e primas. Com efeito, enquanto os maridos das irmãs de minha mãe são também maridos desta e, igualmente, as mulheres dos irmãos de meu pai são também mulheres deste — de direito, se nem sempre de fato —, a proibição das relações sexuais entre irmãos e irmãs pela sociedade levou à divisão dos filhos de irmãos e irmãs, até então indistintamente considerados irmãos e irmãs, em duas classes: uns continuam sendo, como antes, irmãos e irmãs (colaterais); outros — de um lado os filhos dos irmãos, de outros os filhos das irmãs — não podem continuar mais como irmãos e irmãs, já não podem ter progenitores comuns, nem o pai, nem a mãe, nem os dois juntos; e por isso se toma necessária, pela primeira vez, a categoria dos sobrinhos e sobrinhas, dos primos e primas, categoria que não teria sentido algum no sistema familiar anterior. O sistema de parentesco americano, que parece inteiramente absurdo em qualquer forma de família que, de um ou de outro modo, se baseia na monogamia, explica-se de maneira racional e justifica-se, naturalmente, até em seus menores detalhes, pela família punaluana. A família punaluana, ou qualquer forma análoga, deve ter existido pelo menos na mesma medida em que prevaleceu este sistema de parentesco.

Essa forma de família, cuja existência no Havaí está demonstrada, teria sido também demonstrada provavelmente em toda a Polinésia se os piedosos missionários, tal como no passado os frades espanhóis na América, tivessem podido ver nessas relações anticristãs algo mais que uma simples "abominação." Quando César nos diz dos bretões — os quais, naquele tempo, estavam na fase média da barbárie — que "cada dez ou doze homens têm mulheres comuns, com a particularidade de, na maioria dos casos, serem irmãos e irmãs, e pais e filhos", a melhor explicação que se pode dar para isso é o matrimónio por grupos. As mães bárbaras não têm dez ou doze filhos em idade de manter mulheres comuns; mas o sistema americano de parentesco, que corresponde à família punaluana, dá ensejo a um grande número de irmãos, posto que todos os primos carnais ou remotos de um homem são seus irmãos. É possível que a expressão "pais com seus filhos" seja um equívoco de César; esse sistema, entretanto, não exclui absolutamente que se encontrem em um mesmo grupo conjugal pai e filho, mãe e filha, mas apenas que nele se encontrem pai e filha, mãe e filho. Essa forma de família nos fornece, também, a explicação mais simples para as narrações de Heródoto e de outros escritores antigos sobre a comunidade de mulheres entre os povos selvagens e bárbaros. O mesmo se pode dizer do que Watson e Kaye contam acerca dos tikurs do Audh, ao norte do Ganges, em seu livro A População da Índia(9) (1868-1872):

"Coabitam (quer dizer, fazem vida sexual) quase sem distinção, em grandes comunidades; e quando dois indivíduos se consideram marido e mulher, o vínculo que os une é puramente nominal."

Na imensa maioria dos casos, a instituição da genese parece ter saído diretamente da família punaluana. É certo que o sistema de classes australiano também representa um ponto de partida para a genese; os australianos têm a genese, mas ainda não têm a família punaluana, e sim uma forma mais primitiva de grupo conjugal.

Em todas as formas de família por grupos, não se pode saber com certeza quem é o pai de uma criança, mas sabe-se quem é a mãe. Ainda que ela chame filhos seus a todos os da família comum, e tenha deveres maternais para com eles, nem por isso deixa de distinguir seus próprios filhos entre os demais. É claro, portanto, que em toda parte onde existe o matrimónio por grupos a descendência só pode ser estabelecida do lado materno, e, por conseguinte, apenas se reconhece a linhagem feminina. Encontram-se nesse caso, de fato, todos os povos selvagens e todos os povos que se acham na fase inferior da barbárie; ter sido o primeiro a fazer essa descoberta foi a segunda grande façanha de Bachofen. Ele designa o reconhecimento exclusivo da filiação materna e as relações de herança dele deduzidas com o nome de direito materno. Conservo essa expressão por motivo de brevidade, mas ela é inexata, porque naquela fase da sociedade ainda não existia direito, no sentido jurídico da palavra.

Artigo parte 4 em

Continua na próxima semana

 

 

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