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A FAMILIA (2)

17-02-2017 - Henrique Pratas

Os sistemas de parentesco e formas de família, a que nos referimos, diferem dos de hoje no seguinte: cada filho tinha vários pais e mães. No sistema americano de parentesco, ao qual corresponde a família havaiana, um irmão e uma irmã não podem ser pai e mãe de um mesmo filho; o sistema de parentesco havaiano, pelo contrário, pressupõe uma família em que essa é a regra. Encontramo-nos frente a uma série de formas de família que estão em contradição direta com as até agora admitidas como únicas válidas. A conceção tradicional conhece apenas a monogamia, ao lado da poligamia de um homem e talvez da poliandria de uma mulher, silenciando — como convém ao filisteu moralizante — sobre o fato de que na prática aquelas barreiras impostas pela sociedade oficial são tácita e inescrupulosamente transgredidas. O estudo da história primitiva revela-nos, ao invés disso, um estado de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a poliandria, e em que, por consequência, os filhos de uns e outros tinham que ser considerados comuns. É esse estado de coisas, por seu lado, que, passando por uma série de transformações, resulta na monogamia. Essas modificações são de tal ordem que o círculo compreendido na união conjugal comum, e que era muito amplo em sua origem, se estreita pouco a pouco até que, por fim, abrange exclusivamente o casal isolado, que predomina hoje.

Reconstituindo retrospetivamente a história da família, Morgan chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres. No século passado, já se havia feito menção a esse estado primitivo, mas apenas de modo geral; Bachofen foi o primeiro — e este é um de seus maiores méritos — que o levou a sério e procurou seus vestígios nas tradições históricas e religiosas. Sabemos hoje que os vestígios descobertos por ele não conduzem a nenhum estado social de promiscuidade dos sexos e sim a uma forma muito posterior: o matrimónio por grupos. Aquele estado social primitivo, admitindo-se que tenha realmente existido, pertence a uma época tão remota que não podemos esperar encontrar provas diretas de sua existência, nem mesmo entre os fósseis sociais, nos selvagens mais atrasados. É precisamente de Bachofen o mérito de ter posto no primeiro plano o estudo dessa questão.

Ultimamente, passou a ser moda negar esse período inicial na vida sexual do homem. Pretendem poupar à humanidade essa "vergonha". E, para isso, apoiam-se não apenas na falta de provas diretas, mas, principalmente, no exemplo do resto do reino animal. Neste, Letourneau (A Evolução do Matrimónio e da Família, 1888) foi buscar numerosos fatos, de acordo com os quais a promiscuidade sexual completa só é própria das espécies mais inferiores. Mas, de todos esses fatos só posso tirar uma conclusão: não provam coisa alguma quanto ao homem e suas primitivas condições de existência. A união por longo tempo entre os vertebrados pode ser explicada, de modo cabal, por motivos fisiológicos; nas aves, por exemplo, deve-se à necessidade de proteção à fêmea enquanto esta choca os ovos; os exemplos de fiel monogamia que se encontram entre as aves nada provam quanto ao homem, pois o homem não descende da ave. E, se a estrita monogamia é o ápice da virtude, então a palma deve ser dada à tênia solitária que, em cada um dos seus cinquenta a duzentos anéis, possui um aparelho sexual masculino e feminino completo, e passa a vida inteira coabitando consigo mesma em cada um desses anéis reprodutores.

Mas, se nos limitarmos aos mamíferos, neles encontramos todas as formas de vida sexual: a promiscuidade, a união por grupos, a poligamia, a monogamia; só falta a poliandria, à qual apenas os seres humanos podiam chegar. Mesmo nossos parentes mais próximos, os quadrúmanos, apresentam todas as variedades possíveis de ligação entre machos e fêmeas; e se nos restringirmos a limites ainda mais estreitos, considerando exclusivamente as quatro espécies de macacos antropomorfos, deles Letourneau só nos pode dizer que vivem ora na monogamia ora na poligamia; ao passo que Saussure, segundo Giraud-Teulon, declara que são monógamos. Ficam longe de qualquer prova, também, as recentes assertivas de Westermarck (A História do Matrimónio Humano, 1891) sobre a monogamia do macaco antropomorfo. Em resumo, os dados são de tal ordem que o honrado Letourneau está de acordo em que "não há nos mamíferos relação alguma entre o grau de desenvolvimento intelectual e a forma de união sexual".

E Espinas (As Sociedades Animais, 1877) diz, com franqueza:

"A horda é o mais elevado dos grupos sociais que pudemos observar nos animais. Parece composta de famílias, mas, já em sua origem, a família e a horda são antagônicas, desenvolvem-se em razão inversa uma da outra."

Pelo que acabamos de ver, nada de positivo sabemos sobre a família e outros agrupamentos sociais dos macacos antropomorfos; os dados que possuímos contradizem-se frontalmente e não há por que estranhá-lo. Como são contraditórias, e necessitadas de serem examinadas e comprovadas criticamente, as notícias que temos das tribos humanas no estado selvagem! Pois bem, as sociedades dos macacos são muito mais difíceis de observar que as dos homens. Por isso, enquanto não dispusermos de uma informação ampla, devemos recusar qualquer conclusão provinda de dados que não inspirem crédito.

Artigo parte 2 em 

Continua na próxima semana

 

 

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