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A FAMILIA (1)

10-02-2017 - Henrique Pratas

Este artigo escrito pelo Henrique Pratas, tendo como base a Família, ficou um artigo muito longo, digamos que quase um livro.

Vamos publicar todas as semanas por partes como se de capítulos se tratassem, incluindo em cada publicação o texto publicado em versão PDF que poderá guardar e ler em qualquer altura. No fim de cada capitulo estará o link que lhe permite ver e fazer o Download, o total de downloads para ficar com o artigo completo será de 22.

Morgan, que passou a maior parte de sua vida entre os iroqueses — ainda hoje estabelecidos no Estado de Nova York e foi adotado por uma de suas tribos (a dos senekas) encontrou um sistema de consanguinidade, vigente entre eles, que entrava em contradição com seus reais vínculos de família. Reinava ali aquela espécie de matrimónio facilmente dissolúvel por ambas as partes, que Morgan chamava ‘‘família sindiásmica". A descendência do semelhante casal era patente e reconhecida por todos; nenhuma dúvida podia surgir quanto às pessoas a quem se aplicavam os nomes de pai, mãe, filho, filha, irmão ou irmã. Mas, o uso atual desses nomes constituía uma contradição. O iroquês não somente chama filhos e filhas aos seus próprios, mas, ainda, aos de seus irmãos, os quais, por sua vez, o chamam pai. Os filhos de suas irmãs, pelo contrário, ele os trata como sobrinhos e sobrinhas, e é chamado de tio por eles. Inversamente, a iroquesa chama filhos e filhas aos de suas irmãs, da mesma forma que os próprios, e aqueles, como estes, chamam-na mãe. Mas chama sobrinhos e sobrinhas os filhos de seus irmãos, os quais a chamam de tia. Do mesmo modo, os filhos de irmãos tratam-se, entre si, de irmãos e irmãs, e o mesmo fazem os filhos de irmãs. Os filhos de uma mulher e os de seu irmão chamam-se reciprocamente primos e primas. E não são simples nomes, mas a expressão das ideias que se tem do próximo e do distante, do igual ou do desigual no parentesco consanguíneo; ideias que servem de base a um sistema de parentesco inteiramente elaborado e capaz de expressar muitas centenas de diferentes relações de parentesco de um único indivíduo. Mais ainda: esse sistema se acha em vigor não apenas entre todos os índios da América (até agora não foram encontradas exceções), como também existe, quase sem nenhuma modificação, entre os aborígenes da Índia, as tribos dravidianas do Dekan e as tribos gauras do Indostão. As expressões de parentesco dos tamilas do sul da Índia e dos senekas-iroqueses do Estado de Nova York ainda hoje coincidem em mais de duzentas relações de parentesco diferentes. E, nessas tribos da Índia, como entre os índios da América, as relações de parentesco resultantes da vigente forma de família estão em contradição com o sistema de parentesco.

Como explicar esse fenómeno? Se tomamos em consideração o papel decisivo da consanguinidade no regime social de todos os povos selvagens e bárbaros, a importância de tão difundido sistema não pode ser explicada com mero palavreado. Um sistema que prevalece em toda a América, que existe na Ásia em povos de raças completamente diferentes, e do qual se encontram formas mais ou menos modificadas por toda parte na África e na Austrália, precisa ser explicado historicamente — e não com frases ocas, como quis fazer, por exemplo, Mac Lennan. As designações "pai", "filho", "irmão", "irmã", não são simples títulos honoríficos, mas, ao contrário, implicam em sérios deveres recíprocos, perfeitamente definidos, e cujo conjunto forma uma parte essencial do regime social desses povos. E a explicação foi encontrada. Nas ilhas Sandwich (Havaí), ainda havia, na primeira metade deste século, uma forma de família em que existiam os mesmos pais e mães, irmãos e irmãs, filhos e filhas, tios e tias, sobrinhos e sobrinhas do sistema de parentesco dos índios americanos e dos aborígenes da Índia. Mas — coisa estranha! — o sistema de parentesco em vigor no Havaí também não correspondia à forma de família ali existente. Nesse país, todos os filhos de irmãos e irmãs, sem exceção, são irmãos e irmãs entre si e são considerados filhos comuns, não só de sua mãe e das irmãs dela, ou de seu pai e dos irmãos dele, mas também de todos os irmãos e irmãs de seus pais e de suas mães, sem distinção. Portanto, se o sistema americano de parentesco pressupõe uma forma de família mais primitiva — que não existe mais na América, mas que ainda encontramos no Havaí — o sistema havaiano, por seu lado, nos indica uma forma de família ainda mais rudimentar, que, se bem que não seja encontrada hoje em parte alguma, deve ter existido, pois, do contrário, não poderia ter nascido o sistema de parentesco que a ela corresponde.

"A família", diz Morgan, "é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, pelo contrário, são passivos; só depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e não sofrem uma modificação radical senão quando a família já se modificou radicalmente."

Karl Marx acrescenta:

"O mesmo acontece, em geral, com os sistemas políticos, jurídicos, religiosos e filosóficos."

Ao passo que a família prossegue vivendo, o sistema de parentesco se fossiliza; e enquanto este contínua de pé pela força do costume, a família o ultrapassa. Contudo, pelo sistema de parentesco que chegou historicamente até nossos dias, podemos concluir que existiu uma forma de família a ele correspondente e hoje extinta, e podemos tirar essa conclusão com a mesma segurança com que Cuvier, pelos ossos do esqueleto de um animal achado perto de Paris, pôde concluir que pertenciam a um marsupial e que os marsupiais, agora extintos, ali viveram antigamente.

Henrique Pratas

Artfigo parte 1 em

 

 

 

 

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