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Passaram e não Viram!
O princípio.

07-09-2013 - Eurico Henriques

Uma das interpretações existentes sobre a origem da cidade de Almeirim prende-se à existência da Coutada. A ela liga-se a construção do Paço de D. João I. Como já tenho escrito sobre o assunto, há que se ter em linha de conta a questão da primazia: “Foi a Coutada que levou à construção do Paço ?” ou terá sido “a edificação do Paço que levou à demarcação da Coutada”?

Uma vez que o estudo que venho desenvolvendo se relaciona com a história local, todos estes pormenores interessam e podem explicar muitas das lacunas ainda existentes na interpretação da realidade almeirinense. Depois do trabalho de Frazão de Vasconcelos, investigador ilustre e divulgador de temas da História de Almeirim, desenvolveu-se uma certa noção de História que não teve em conta a necessidade de um trabalho de estudo e investigação que fosse acrescentador de conhecimento ao que se referia.

A afirmação ou defesa da “Coutada de Almeirim” como facto prioritário ou verdadeiramente inovador, nesta nossa região, padece de um centralismo redutor da verdade. Pelo que vem a terrado a questão do nascimento da urbe, ou pelo menos, da ideia de como foi o seu princípio.

O que sabemos de certeza é que a Coutada foi demarcada no ano de 1424 (VITERBO, 1899). Quanto ao Paço sabemos também que em 1423 estava habitado e nele residia a Corte (AZEVEDO, 1912 e MORENO, 1988). No entanto há que se ter em consideração que a sua habitabilidade será anterior a esta data. A Relação de Bens de Afonso V, feita em 1450, refere a Coutada, os Paços e as terras que a envolviam e que eram propriedade real.

Ora quando escrevemos que a demarcação da Coutada, que veio a chamar-se “Coutada de Almeirim”, ou, já no século XVI, “Coutada Velha”, se concretizou em Agosto de 1424, como refere o Tabelião João Esteves, no respetivo Auto, há que se procurar das razões que levaram a esse acontecimento.

O Auto que confirma a colocação e localização dos marcos refere que toda a terra neles integrada pertencia ao Rei e que este as comprara e houvera outras por escaymbos (por troca). Acrescenta ainda que o procurador do rei, João d’Ornelas, tomou posse e corporal possisam de todas as ditas herdades que o dito senhor ouve.

Não tenho conhecimento (ao presente) de documentos justificativos dos pagamentos e ordens reais para a construção do Paço. As referências são posteriores à sua edificação (Fernão Lopes, Duarte Nunes de Leão e outros) havendo autores que referem a data de 1411 para o início da construção (CARDOSO, 1712, VASCONCELOS, 1739). Acrescente-se ainda as informações existentes nas Chancelarias Régias – de D. João I a D. Afonso V.

A Relação de Bens de Afonso V refere expressamente o desenfadamento e o embargo das cheias. Situações que permitiram o arranque das obras na margem esquerda do Tejo, fronteira a Santarém. Aqui se verifica a relação de dependência existente entre a antiga Scalabis e a nova Almeirim, é que todo o território demarcado estava integrado no termo daquela vila.

A primazia da data que refere a presença real nos Paços de Almeirim sobre a data da demarcação da Coutada, pode induzir em erro. O facto de se considerar o referido Paço como prevalecendo sobre a Coutada não reúne razões justificativas suficientes.

Acontece que no ano de 1407 surge-1 uma Carta de Coutada de D. João I. Esta Carta vem coutar as terras situadas na margem esquerda do Tejo. Aí se demarca uma extensa zona que inclui o paul de Muge, a lezíria dos cervos (será a área onde se situará Almeirim), o paul da Atela e o paul de Vila de Rei (na época vila junto a Ulme). Acrescentam-se as razões que conduziram à sua demarcação: não se podia cortar madeiras e apanhar lenha, sob pena de pagar 500 reis (da moeda antiga) de coima. Admitia-se no entanto que pudessem talhar (cortar) nas forcadas e cimalhas dos ditos pauis as madeiras que fossem necessárias, mas desde que não cortassem muita quantidade. Admitia-se também que pudessem colher nos pauis a tabua-2 e a buinha, bem como outra erva e palha.

Era proibido: «e mandamos e defendemos que nom seja nenhum porem tam ousado de qualquer estado ou condição que seja que nos ditos paulles e lezíria nem antre eles nem em estes lugares acima escritos nem antre eles, corra montes nem mate em eles porcos nem porcas nem bácoros monteiros sob pena de pagar qualquer que o matar para o Monteiro e guardadores das ditas matas 500 reais da dita moeda por cada huma cabeça».

Esta era uma extensa área de proteção e salvaguarda, principalmente da caça, para a qual se determinou que tivesse um monteiro. A mesma carta refere ainda outras zonas sob proteção de coutada, situadas na margem direita do Tejo e que se estendiam até ao Porto e ao mar.

O que se infere deste documento de 1407 é que a área onde se virá a demarcar a Coutada de Almeirim, já se encontrava sob a designação de terra coutada. Para Almeirim o que se verifica em 1424 é a demarcação de uma área restrita e que constituirá uma propriedade real com um regimento próprio.

Eurico Henriques – Professor da Escola Febo Moniz Aposentado – Lic.º em História, Mestre em Comunicação Educacional Multimédia e Ciências da Educação.

1- Até ao ano de 1422, mês de Agosto, vigorou na cristandade ocidental a era de César. D. João I determinou que se seguisse a era de Cristo, calendário católico gregoriano. O acerto de datas faz-se descontando 38 anos à era de César, pelo que o ano de 1407 correspondia ao ano de 1445.

2- Buinha – Buinho – Vime: Bunho, planta da família das tifáceas (Scripus lacustus) parecida com o junco; o mesmo que tabua. Espécie de junco com que se tapavam as medas de sal nas marinhas, para as resguardar da chuva.

Tabua – Planta tifácea que se emprega para fazer esteiras. Termo popular “Vá à tabua = vá à fava”.

 

 

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