Há coisas que não se perguntam

04-11-2016 - Francisco Pereira

Antes vivíamos numa ditadura, não consentida, por poucos, e esses lutavam contra ela, no entanto a maioria medrosa não opinava, preferia ser jungido de canga no cachaço, emborrachar-se sempre que podia, aliás a velha história de “…beber um copo de vinho é dar de comer a milhão…” tinha sua lógica, porque quanto mais bêbados estivessem, esse milhão, menos se importavam que não houvesse pão.

Há umas décadas trocámos a Ditadura pela ditadura da Democracia. Hoje vivemos os dias do faz-de-conta e deixa andar, não perguntes que fica mal. Todos os dias nos dão directrizes sobre o que devemos ou não dizer, o que devemos ou não fazer, o que devemos ou não pensar, nós os pacholas, tão bebedolas como os de antanho lá vamos seguindo sem tino nem razão, cada vez com menos pão.

Não digas «preto» que fica mal, não digas deficiente nem cego, diz antes especial e invisual. Continua a engordar o traseiro aos parasitas e cala fundo a revolta de os veres arrogantes, racistas e selvagens crescer sem regras e sem respeitar ao menos quem lhes engorda e cria a prole, nem quem lhes dá o dinheiro para carros e armas.

E ai de ti se “estrebuchas”, levas pra tabaco e pra bucha e mudas de terra calado sem ninguém saber, não vão atrás de ti para te desancar, dizem que é a Democracia, mas ai de ti se apontas o dedo e dizes «escumalha», «bandalhos», tás tramado, és xenófobo, racista, velhaco e fascista, é a Democracia dizem.

A ti que vives com medo da sombra, de não teres pra sopa, oprimido em terras e bairros medíocres, corre à santinha a por velas e embebeda-te, que é o que te resta, tranca a porta e esconde o dinheiro, no banco não, que pode falir, em casa não o guardes também, que os bandalhos desancam as velhinhas e partem-lhes o mealheiro, protegidos que estão pela alta bandidagem, é a Democracia dizem.

Pagas e não bufas, bem podes soprar esbaforido que só te resta pagar, a Democracia tem custos, dizem. E pode custar muito afinal, proteger a Democracia do Mal, e mal vai a Democracia quando muitos até preferiam a Ditadura, mal vai o mundo quando percebes que o mais perfeito dos sistemas imperfeitos, a tal Democracia, é uma patranha, mal vais tu que não vês solução, e os sentes todos os dias o teu bolso esburgar, é a Democracia dizem, há que pagar.

Dizem que é cultural, que é tudo normal, o que uns podem a outros é apontado como falta capital. Ele há coisas que não se perguntam, que os do poleiro não gostam de responder, pois se os estás a questionar é porque estás contra eles, de tão néscios são, nem percebem que podes mesmo não saber, ou só queres entender, mas fica a saber que há coisas que não se perguntam, é a Democracia dizem.

Outros podem tudo. Tu não, tu és racista, capitalista, xenófobo, branco, branquelas, fascista e malandro, tu não, a ti toca-te trabalhar, pagar e participar, ser solidário, dar para África, para a Ásia, para o cancro e para a dor de burro, até para os “quintos dos infernos” que é pra onde te mandam a alma se não contribuis, e calado, porque há coisas que não se perguntam, é a Democracia dizem, é a globalização é o mundo solidário, solidário excepto para ti que ninguém ouve, nem quer ouvir, talvez se houverem eleições, entre beijos, abraços, palmadinhas, foguetório e a omnipresente câmara de televisão, nesse dizia fingem ouvir-te, até podes falar em directo para o jornal da noite, dizem que é a Democracia, a funcionar.

Depois de votar e os fazeres eleger, ele há coisas que não se perguntam, a ti toca-te só trabalhar e pagar, pia fininho, não queremos chatear a malta que precisa que tu continues a pagar para que eles possam passear com tudo à borla, casa, carro, escola, luz água e gás, que muitos são desprotegidos outros têm cargos importantes, porque há coisas que não se perguntam, é a Democracia dizem.

Não leias mais Zé, vai dormir, se os outros não se lembrarem de fazer uma festa às 3 da manhã, escusas de chamar a polícia que eles não vêm, tenta dormir, não tarda tens de ir trabalhar, se tiveres emprego, tu porco capitalista, tens de os alimentar a todos, é a Democracia, dizem, ora à merda com esta Democracia!

Francisco Pereira

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