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O ÊXODO PORTUGUÊS

21-02-2014 - Cristina Semblano

Estávamos longe de imaginar que o equivalente ao êxodo da década de 60 português poderia acontecer de novo. As estatísticas mostram números aproximados ou até mesmo superiores aos daquela época. Em 2012, as saídas para o estrangeiro rondaram os 10.000 por mês, para uma população de cerca de 10,5 milhões, isto é, superaram as de 1966.

Na década de 60, o português fugia da pobreza, da ditadura e da guerra colonial. Hoje, 50 anos depois num clima de instabilidade com outras causas, os portugueses de todas as idades, de todas as áreas profissionais, que partem sozinhos ou com a família, são aos milhares (1)? Os motivos prendem-se com o desemprego, a falta de oportunidades, a pobreza de um país sujeito à ditadura da Troika.

Sabemos que estes fluxos migratórios não acontecem só em Portugal, porém podemos afirmar que Portugal é certamente o único país em que um governo convidou descaradamente os seus compatriotas a emigrar. Em consequência, o governo regozija-se da relativa queda do desemprego, não assumindo que esse diminuição se justifica, em grande medida, com a saída da população para o estrangeiro, colocando a sua política numa trajectória de sucesso velada numa política que coloca o país a saque, empobrecendo a população e tornando-se num dos locais mais pobres e mais desiguais da UE.

A emigração portuguesa não é assim um fenómeno novo, sendo difícil de evitar num país em que a entrada na zona euro impôs uma estagnação económica virtual. No entanto, tornou-se mais importante depois da crise, a favor de uma taxa de desemprego que tem vindo a aumentar e que é, no caso dos jovens, de 40%.

A variável do ajustamento dos orçamentos portugueses através da diminuição das transferências sociais e o aumento de entrada de receitas no país, juntamente com a emigração têm um papel descompressor social: é difícil de conceber que as explosões sociais maiores e/ou mais violentas não teriam tido lugar na sua ausência.

Esta emigração em massa tem efeitos devastadores para o país, além do drama humano, pessoal e familiar. Acentua o envelhecimento da população portuguesa, que em virtude da onda de migração dos anos 60, da guerra colonial e das taxas de natalidade entre as mais baixas da Europa, faz de Portugal um dos países mais velhos no seio da EU. Destaca-se o declínio da taxa de natalidade: em 2012, Portugal voltou a níveis similares ao século XIX, sendo que a sua população diminuiu, tanto pelo saldo migratório, como por causas naturais. Segundo o geógrafo Jorge Malheiros, a continuar esta tendência, poder-se-ia ter extinguido o país.

Em termos económicos, as consequências desta situação são, em última análise, desastrosas, mas a primeira e mais dramática é a de privar o país das forças que o constituem e garantir a sobrevivência. O país precisa desesperadamente dessas forças no contexto da revisão do seu modelo de desenvolvimento, tendo em linha de conta que o modelo do euro se tornou disfuncional e a sua dependência externa cada vez mais evidente.

Tocamos aqui numa das questões fundamentais e que é um dos paradoxos do projecto europeu, de países com níveis díspares de desenvolvimento, muitos deles hoje os mais pobres e que têm de suportar os custos de "produção" (desenvolvimento educação, formação) com uma mão-de-obra "exportada" para os países mais ricos do centro, grandes receptores destes novos imigrantes do sul da Europa.

Este fenómeno não é novo, porém é único porque combina o aspecto intra-europeu com uma mão-de-obra qualificada, o que não acontecia no passado. O custo de produção desta mão-de-obra foi fornecido em grande parte pelo orçamento do Estado Português, a favor de um sistema de saúde e ensino acessível a todos os cidadãos.

Este paradoxo, longe de ser um dano colateral, enquadra-se no processo de transferência em curso do trabalho versus capital e da periferia versus centro. As consequências devastadoras para Portugal deste fenómeno, que pode beneficiar os países do centro, não existe sem causar grandes diferenças nos salários desses países, concorrendo com uma mão-de-obra mais barata, com uma qualificação idêntica, superior, que exerce uma pressão intolerável sobre os salários.

Exemplos não faltam: os professores tornam-se porteiros nos melhores bairros parisienses, licenciados trabalham como operários na construção civil, arquitetos e engenheiros exercem o seu ofício ocultando as suas qualificações com salários 20% e 30% menores. E o que dizer dos trabalhadores não qualificados, que constituem a grande massa de trabalhadores exportados por Portugal, com salários e condições de miséria?

Ainda não falámos destes trabalhadores chamados o núcleo duro da questão: a descoberta recente de 60 trabalhadores portugueses que trabalham a 2,06 euros à hora na Bélgica na mesma altura que o Primeiro-ministro belga reivindica um dumping salarial, como se este último não tivesse sido possível devido às directrizes europeias.

As políticas da Troika abriram caminho a esta imensa desigualdade social, que transformou a Europa, onde milhares de homens e mulheres são expulsos dos seus países, ao mesmo tempo que se alimentam aposentações milionárias e isenções fiscais.

CRISTINA SEMBLANO ECONOMIST, A ECONOMISTA ENSINA PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE DE PARIS IV-SORBONNE  

TRIBUNA

(1) o número de portugueses que emigraram após a crise é estimado em meio milhão.

 

 

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