A carroça à frente dos bois
22-07-2016 - Henrique Pratas
Esta expressão é sobejamente conhecido de todos vós e utilizada com alguma frequência utilizo-a, como título deste meu texto para dar o nome próprio às recentes medidas tomadas pelo Ministério da Saúde, no que concerne à eliminação das prescrições médicas feitas em papel até à presente data e partir do inicio deste mês se tentar acabar com o papel e tornar mais funcional a relação entre médicos, utentes do Serviço Nacional de Saúde ou que resta dele e as farmácias locais onde as pessoas comprar os seus medicamentos, de acordo com a prescrição que é feita pelo seu médico de família ou outro médico habilitado para o efeito noutra sede, por exemplo ao nível de decorrente de tratamento hospitalar.
A título de exemplo contar-vos-ei o que ocorreu comigo, para verem a tendência que nós temos para cometer erros de palmatória, que nunca mais corrigimos e temo que uma ideia que posso considera como boa poderá constituir o maior flop, com os consequentes custos associados e criarmos mais um elefante, tão pródigos que somos capazes de constituir um Parque Zoológico, com manadas de elefantes.
Sem qualquer tipo de discussão pública, envolvendo a chamada sociedade civil, os Órgãos da Administração, Central, as Autarquias, e todos os interessados que esta ideia tenha consistência prática, não se conversou nada sobre a matéria, a divulgação desta alteração de procedimentos não teve a meu ver a disseminação considerada como necessária e suficiente e quem tutela esta aplicação da medida arrogou-se ao direito de decidir como é que pretende dar a informação como é que vai implementar, quais os requisitos que utentes do SNS devem satisfazer para que deem consistência a esta inovação pensada não sei onde e implementada desta forma e é precisamente nesta fase que eu acho que puseram a carroça à frente dos bois.
Primeiro penso que as diferentes fases de implementação deveriam ter começado por zonas do interior do País, onde normalmente os requisitos necessários ao bom funcionamento da medida pura e simplesmente não funcionam pelas razões que são do vosso conhecimento e que são, todos os cidadãos vão ter que ter o cartão de cidadão, que eu tenha tido conhecimento isto não foi divulgado, mas conhecendo o País real como conheço existem pessoas que não estão na disponibilidade de gastarem 15,00 € para ter o cartão de cidadão, concomitantemente é necessário que todos saibamos ler e escrever, o que também, não é um dado adquirido, para além disto é preciso que possuam um telemóvel que receba mensagens e que as pessoas saibam utilizar esta funcionalidade, para poderem ler a mensagem emanada do Ministério da Saúde, que a titulo de exemplo transcrevo a que recebi depois de ter ido ao médico de família que me prescreveu medicação, a mensagem reza assim: “ Receita Sem Papel, 06-07-2016, n. 3011000028089151007, código de dispensa 227231 e código de direito de opção 9859; Guia tratamento em sns.gov.pt/cidadão”. Claro para vocês para mim que não fui avisado e apesar de me considerar um cidadão minimamente informado, entrei em pânico, e questionei-me o que é isto, de imediato liguei para o Serviço Nacional de Saude e lá me explicaram o que era, faço notar que o médico ou os restantes profissionais de saúde não me explicaram que isto iria ocorrer, aqui já podemos constatar um falha, a explicação foi dada, encontra-se em aplicação faseada a funcionalidade que permite a emissão de receituário por via eletrónica, quero eu dizer com isto vamos acabar com o papel, este é o objetivo último, mas não querendo ser advogado do Diabo, não sei se é por este caminho que lá vamos, porque em primeiro lugar entendo que esta implementação deveria ter começado pelas regiões mais carentes de tudo, porque se lá funcionar, funciona de certeza nos grandes centros depois porque entendo não é só Lisboa e o resto é paisagem.
No nosso País existem locais onde existem farmácias, mas a cobertura da rede móvel não existe, e a questão surge como é que os utentes recebem a informação têm a prescrição pronta par ser levantada na farmácia? Depois é necessário, no caso de terem telemóvel saibam ler as mensagens que recebem o que eu tenho sérias dúvidas? Mais as pessoas agora com este novo sistema recebem uma guia e não a tradicional prescrição, esta segue para as farmácias onde o utente consulta o médico de família ou em caso de estar deslocado na região onde trabalha, aqui já não podemos eliminar papel, depois torna-se necessário que para levantar os medicamentos o utente tem que ir a uma farmácia que esteja instalada no local da sua área do Centro de Saúde ou Unidade Hospitalar onde foi consultado e medicado, depois tem que ter o cartão de cidadão para que na farmácia onde se dirige possa proceder ao levantamento dos medicamentos que lhe foram prescritos, se não tiver não se consegue fazer a leitura que constam no cartão de cidadão e compare-los com o que está carregado no sistema e aí ninguém me explicou como é que se resolve a situação. Paralelamente a tudo isto e partindo do conceito que está subjacente à implementação desta prática, que é a possibilidade de o utente se dirigir a uma farmácia qualquer, no caso de haver mais do que uma, poder utilizar a que entender, para proceder à recolha do mesmo, pagando-o obviamente e aqui pode acontecer duas coisas ou as farmácias têm as duas no caso de existir apenas duas, ou uma tem e outra não tem e a decisão do utente poderá coincidir com a que não tem, mas como precisa de se tratar, vai ter que se deslocar à outra ou outras como aconteceu comigo, pensando que bastava ir a uma farmácia e que ela tinha o medicamente pois parti do principio da universalidade da aplicação deste principio, só consegui recolher o medicamento à terceira tentativa pois pelas duas primeiras farmácias por onde passei primeiro, o medicamento prescrito não se encontrava disponível pois como é do vosso conhecimento as farmácias diminuíram drasticamente os seus stocks de medicamentos para fazer baixar os custos e para minimizar ao essencial os pagamentos aos fornecedores de medicamentos.
Meus caros leitores estamos perante mais uma medida que considero útil e prática, mas temo que a sua aplicação venha a ser mais um nado morto, pelas razões que vos invoquei, envolvência dos utentes não houve, discussão realizada e partilhada com a sociedade civil também não, informação de qualidade e de procedimentos necessários para o seu funcionamento também não e à semelhança do que aconteceu com a votação do Reino Unido para que esse País saísse da União Europeia, lá estamos nós mais uma vez perante um “divórcio” entre prestadores de serviços e os seus utentes, será que algum dia vamos aprender com os erros que se cometem no passado e continuamos a ter boas ideias, que colocamos na prática de forma deficiente, partilhem a informação, partilhem, não tenham medo de o fazer, porque o poder não e esconder informação é uma outra coisa bem mais aliciante, não sejam “pequeninos”.
Henrique Pratas
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