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DA REVOLUÇÃO À DESILUSÃO

22-04-2016 - Pedro Pereira

«É mais fácil desintegrar um átomo do que mudar uma mentalidade»
Albert Einstein

Quarenta e dois anos são passados desde que um golpe de estado derrubou a velha e caduca ditadura salazarenta, vivida nos últimos anos sem a existência física do seu mentor, que a parca havia levado em 1970. O afastamento de Salazar da governança deu-se na sequência da queda de uma cadeira de praia de assento de lona, após bater com a cabeça no lajedo. Ironia do destino, dado que não há memória de algum dia o ditador ter metido os coturnos num areal…

Chamaram-lhe, chamam-lhe ainda de Revolução dos Cravos. Cravos ofertados nesse dia por vendedoras aos militares montados (e apeados) nas chaimites.

Claro que chamar «revolução» a um golpe militar cujas chefias nos dias e meses que se seguiram deixaram escapar impunes os mais diversos e sinistros responsáveis do regime (torcionários, assassinos, bufos, pides e quejandos) é um termo eufemístico…

Muitos desses canalhas, os que ainda vivem, continuam impunes, sobrevivem bem instalados na vidinha, condecorados, reintegrados que foram na função pública em tempos de governação cavaquista. Estribados ficaram em boas reformas.

Houve, sem dúvida, na sequência do 25 de abril de 1974, profundas transformações em quase todos os sectores da sociedade portuguesa, mas aquilo que é mais importante no sentido de configurar uma verdadeira Revolução, tal ainda não sucedeu, ou seja: uma profunda mudança de mentalidades, tendo por base valores como a solidariedade, a fraternidade, a justiça social… Mas sobretudo, a tomada de consciência de que Portugal só será aquilo que cada um e todos os portugueses quiserem que seja, e não, o que um qualquer governo a prazo cozinhe para o destino coletivo da nação.

O futuro da pátria deve ser determinado pelos portugueses e não por um grupo restrito que foi ocasionalmente eleito, o qual, descontada a percentagem de abstenções, de votos em branco e de votos nulos, representa uma minoria dos potenciais eleitores. Logo, não podem ser uma genuína emanação da vontade da maioria dos portugueses. É fácil de verificar. Basta fazer as contas no rescaldo de eleições.

Lamentavelmente e não obstante, a verdade é que são legalmente eleitos…

Verificamos em cada sufrágio que passa, um abandono, um deixar cair os braços, o autodemitir-se dos direitos de cidadania por parte de uma percentagem cada vez maior de portugueses, sintoma expresso nos crescentes índices de abstenção em cada ato eleitoral seguinte.

No dia 25 de abril de 1976, precisamente dois anos após a data restauradora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, graças aos «capitães de abril», entrava em vigor a Constituição da República Portuguesa, saída da 1ª Assembleia Constituinte. A partir de então, ficaram formalmente consagrados os elementares direitos de cidadania, que haviam sido restituídos ao povo pelos militares em 1974.

Como quer que seja é sempre assim na história dos povos: quem tem as armas tem o poder.

Restaurados esses direitos, constitucionalmente aprovados, a maioria dos cidadãos «descansou no voto» popular durante as últimas décadas, considerando-o como uma panaceia a partir do qual, elegendo outros indivíduos o país estaria sempre bem entregue e melhor governando.

Fugaz ilusão. É que o voto só por si não resolve os problemas sociais, económicos, culturais e outros. O voto (a delegação do poder de cada cidadão) que conduz ao poder à revelia do voto personagens que a maior parte dos eleitores desconhece quando das campanhas eleitorais (caso dos ministros e secretários de estado), não é uma varinha mágica que resolva os males de que enferma o país, a sociedade. Daí, o desencanto por banda de milhões de cidadãos, que em cada dia constatam (e a maior parte sente na pele) a degradação económica e social das suas vidas, da nação, como sentem, de igual forma, que são cada vez menos escutados por banda daqueles que elegeram, tratados como meros espectadores do seu destino.

O divórcio entre eleitos e eleitores, entre dirigentes políticos (da banda política que seja) e o povo, é um facto cada vez mais evidente.

A maior parte dos políticos depois de eleitos, invariavelmente assume posturas de funcionários, de «donos» dos cargos que exercem, como se um cargo político fosse uma profissão e não uma missão transitória em prol dos seus concidadãos. Mais, grande parte deles deixa os cargos com os seus pecúlios, as suas contas aforradas mais «gordas» do que na altura em que assolaparam os quartos traseiros nos cadeirões do poder.

Estes casos são conhecidos como, «milagres da governança».

É uma tristeza esta constatação, à luz do conceito de democracia, mas também se pode solucionar esta questão, acabando-se com o equívoco, criando-se um sindicato dos políticos, enfim, regulamentando-se a profissão dessa «profissão», e se acharem por bem essas criaturas podem até criar uma ordem ou um clube recreativo, um grémio, uma cooperativa, uma casa de alterne, um observatório, uma IPSS, ou até, uma fundação onde se acoitem e se sintam «profissionalmente» representados…

Existe gente dessa agarrada aos tachos em variados órgãos de poder desde os alvores da democracia, a começar pela Assembleia da República.

Temos de concordar que quase cinco décadas de regime de ditadura (sem contar com o tempo da ditadura militar instaurada em 28 de maio de 1926), deixou marcas profundas na sociedade portuguesa, sobretudo a nível das mentalidades ( em boa parte dos portugueses reina a serôdia candura de um ditadorzeco da cagalhota).

Durante esses anos, a maior parte do povo foi habituado a ter quem decidisse da sua vida, do seu destino. Os poucos, aqueles que não se conformavam (que não se conformaram) ou conseguiam fugir do país ou iam malhar com os ossos aos curros da pide, à Companhia Militar Disciplinar de Penamacor, quando não, a sítios piores.

Quarenta e dois anos são passados desde a madrugada de abril de 1974 e entrementes, no seu decorrer, grande parte dos portugueses habituaram-se mansamente (como nos tempos salazarentos) a deixar quem decida do seu futuro, muito embora barafustem em surdina contra os canalhas que infestam (e empestam) os variados órgãos políticos e até tenham medo, por vezes terror, em se expressarem publicamente contra o sistema.

Não existe a pide, a censura, porém, em seu lugar, dominam e controlam os cidadãos outras formas mais subtis, modernaças, de coação psicológica concebidas por «pidezinhas» ao serviço dos partidos, de governos e de outros bandos de mau porte.

Antes , nos tempos salazaristas, existia a censura que controlava a comunicação social. Hoje, não havendo oficialmente censura, quem escreve ou se expressa publicamente tem de se auto censurar em cada linha que escreve, não vá o diabo tece-las e depois acabar enrolado em tribunais com processos kafkianos.

Os grandes órgãos de comunicação social a nível nacional, esses, são propriedade de grandes grupos económicos que gerem a (des) informação cozinhada mal e porcamente, após o que, mancomunados entre si à uma, dão a comer todos os dias uma mistela envenenada cozinhada entre eles aos cidadãos incautos, nas têvês e nos pasquins ao seu serviço.

Quem trabalha, quer numa empresa, quer na função pública (sobretudo aí) tem de ter cautela com as suas opiniões, sobretudo as críticas, mesmo que construtivas, salvo se forem a favor dos edis e chefias da cor dos mesmos que desmandam na autarquia onde exerce funções, e por aí fora.

As perseguições, as vinganças, assumem hoje feições mais sinistras do que nos tempos da ditadura. Por vezes até, basta que um familiar de um funcionário tome posições públicas contra esses canalhas, para que os facínoras políticos que chefiam a autarquia retaliem sobre ele.

É com alguma relutância que afirmamos isto, mas temos de reconhecer que nos tempos salazarentos, cenas destas eram impensáveis, o que nos leva a concluir que estamos perante uma nova espécie de seres humanos que degeneraram em energúmenos. Eles e elas. Ou já eram, só que não sabíamos…

Em conclusão: enquanto o povo português não tomar consciência da força que tem, do peso que representa o seu voto, de que existem outras formas de expressão de vontade popular e de representatividade política consagradas na Constituição, que não só através dos partidos políticos, que o direito à insurreição perante o despotismo e o abuso de poder de um qualquer governo se encontra constitucionalmente inscrito, que o destino dos cidadãos está nas suas mãos mas que para isso tem que estar unido, só nessa altura, então, pode ter (poderemos ter) esperança em Portugal como um país mais coeso, mais justo, mais fraterno, onde o futuro se auspicie promissor, que a todos nos orgulhe de ser portugueses.

NOTA

Dada a dupla efeméride que Portugal comemora este mês de abril (42 anos da Revolução dos Cravos e 40 anos da Constituição da República), a crónica semanal habitual (UM MUNDO SEM PRIVACIDADE), será publicada na próxima semana com o tema: «As Escutas Ambientais».

 

 

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