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Quinta-feira 25 de Abril de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

IV - UM MUNDO SEM PRIVACIDADE
A Videovigilância

08-04-2016 - Pedro Pereira

As câmaras de videovigilância encontram-se hoje inseridas nas sociedades modernas, no quotidiano dos cidadãos, de tal ordem que a maior parte destes já não repara nelas. É como se fizessem parte da “paisagem”, da decoração urbana (ruas, estradas, parques…) e dos interiores dos hospitais, bancos, empresas das mais diversas áreas, serviços oficiais, estádios desportivos, caixas de multibanco, etc., sem que os cidadãos saibam até que ponto algumas delas estão legalmente autorizadas a funcionar.

O mercado oferece várias opções de sistemas de câmaras de segurança. Existem opções para todos os tipos de bolsas, uma vez que o preço pode variar de acordo com o interesse e a disponibilidade monetária do interessado. Um sistema VPON (Video Picture on Net), por exemplo não requer computador para que as imagens sejam vistas, porque o aparelho é conectado à internet e todas as imagens geradas podem ser vistos por qualquer computador ligado a internet ou até mesmo num telemóvel.

Existem câmaras que captam a cena em 360º e que ampliam várias vezes a imagem. A tecnologia VPON é constituída por gravadores digitais, softwares específicos para central de monitoramento, softwares e componentes de integração com outros sistemas.

Os softwares e componentes de integração disponíveis permitem variadas integrações com outros sistemas, não só de segurança como de controlo de acesso de pessoas e de veículos, balanças, caixas de supermercado, ou qualquer outro tipo de equipamento que produza informações. Mas também, graças às redes de comunicações globais através da internet, tornou-se possível ao todos os indivíduos participarem de uma variedade de comportamentos e de intercâmbios visuais através de câmaras instaladas nos seus computadores e telemóveis.

A internet representa, assim, o mais importante e amplamente utilizado espaço de visionamento com câmaras semelhantes às utilizadas na videovigilância, permitindo também (diga-se em abono da verdade) o visionamento e interação entre pessoas separadas por vezes, por milhares de quilómetros.

No que reporta à videovigilância externa, é comum, por exemplo, observar ao longo de manifestações e em outros tipos de protestos, agentes policiais a filmar e fotografar manifestantes com posturas intimidatórias. Nos que são visíveis por estarem fardados, que enjorcados à civil são difíceis de identificar.

Essa prática viola o direito à privacidade e à liberdade de pensamento e expressão dos cidadãos, além de ser utilizada para intimidar e vir a potencialmente coagir e/ou criminalizar os manifestantes, o que limita a livre propagação de ideias e gera uma espécie de censura prévia por parte de todos quantos pretendem participar nos protestos.

Geralmente, essas imagens, coletadas de forma arbitrária, são utilizadas para a formação de monstruosos bancos de dados sobre os manifestantes, o que causa um efeito inibidor na liberdade de expressão.

A captura dessas imagens e sons poderia ser utilizada de outra forma, ou seja, para garantir e proteger os manifestantes de eventuais confrontos com opositores no decorrer no acontecimento, inclusive, para registar os abusos cometidos por alguns agentes que frequentemente ultrapassam o limite das suas funções, escudados na arma de fogo e no cacete (também conhecido por cassetete) durante as manifestações. No entanto, em nenhum momento de algum evento desta natureza que se conheça, agentes policiais foram vistos a registar a brutalidade policial, nem mesmo permitindo que outras pessoas, entre elas manifestantes e jornalistas, o fizessem.

O material gravado por eles não é utilizado com o intuito de registar ocorrências violentas por parte dos seus agentes nos protestos, assumindo-se apenas como mais uma das facetas do aparelho repressivo do estado contra os manifestantes.

Dada esta realidade, a sociedade tende a renunciar a determinadas liberdades em nome da sua pretensa «segurança».

A vigilância específica ocorre quando as câmaras de videovigilância são instaladas em locais específicos com o intuito de reprimir crimes. Em determinados locais onde existe um elevado índice de práticas criminais, tais como assaltos, roubo, venda de drogas, exercício de prostituição, etc. A relação entre a vigilância genérica e a vigilância específica é que ambas se destinam (alegadamente) a assegurar a segurança de pessoas e bens e a prevenção criminal. Ambas visam igualmente a obtenção de meios de provas para os casos de crimes, de forma a coletar dados suficientes para comprová-lo.

A vigilância genérica incide sobre o uso de câmaras em locais afins da segurança geral, enquanto a vigilância específica incide no uso de câmaras em locais específicos onde habitualmente se verifique um elevado índice de infrações legais, como já referido.

Porém o seu uso não se limita à vigilância pública mas também privada, de igual modo como forma de evitar e prevenir crimes em locais como por exemplo, num condomínio residencial, onde é cada vez mais frequente encontrarmos câmaras instaladas em quase todas as áreas comuns de acesso livre a todos os moradores, como o átrio de entrada de um prédio, entrada e saída da garagem, nos elevadores, na piscina, na entrada do salão de eventos, etc..

As câmaras plantadas nos condomínios geram imagens que muitas vezes causam desconforto, como as captadas dentro dos elevadores, onde os seus passageiros permanecem quase que imóveis, para não se exporem a eventuais situações constrangedoras, uma vez que a sua imagem é captada e passível de ser visionada por quem aceda às suas gravações.

Os locais públicos diferenciam-se da habitação de cada individuo, onde este possui direito à sua privacidade e intimidade.

Entretanto o cidadão que se encontra num local público, por estar à mercê dos olhares dos outros condiciona o seu comportamento. Um indivíduo que aguarda numa paragem de autocarros pelo transporte, não se comporta como se estivesse na sala de estar da sua casa, uma vez que está a ser observado pelo outro. Face a esta perspetiva a câmara visa observar a conduta humana nos locais públicos, onde cada indivíduo deve respeitar o espaço do outro. Mesmo que a câmara possa captar a imagem com uma maior nitidez que o olhar humano, o que se visa teoricamente é a harmonia social, pois quando um indivíduo adota uma conduta que agrida o outro, as câmaras estão lá para «reprimi-lo» e «dizer-lhe» que invadiu o espaço do outro.

A imagem como atributo do cidadão deve de ser resguardada, mesmo que este se encontre num local público. As imagens captadas não deveriam constituir um alvo para denegrir aqueles se vinculam a ela.

Em Portugal o sistema de videovigilância é bastamente utilizado nas mais diversas situações. Não obstante, o regime jurídico português estabelece critérios para o exercício desta atividade, no qual estão contemplados entre outros os seguintes aspetos:

. Identificação do responsável pelo tratamento de videovigilância.

. Limitação geográfica do uso de câmaras no local de trabalho.

. Diferenciamento daquelas que são consideradas entidades privadas que prestam serviços de proteção a pessoas e bens, daquelas que executam serviços para a sua própria proteção.

. A atividade não pode ameaçar, inibir ou restringir as liberdades, direitos e garantias fundamentais.

. Os executores da videovigilância devem possuir licença.

. As gravações obtidas serão conservadas durante 30 dias e somente serão utilizadas nos termos da lei.

. É obrigatório afixar um aviso no local onde é utilizado o sistema de videovigilância.

Além disso, as empresas são obrigadas, conforme for o caso, a possuir alvará ou licença, devendo observar as exigências em relação à preservação dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos sujeitos à captação de som e de imagem. «A utilização de equipamentos eletrónicos no âmbito das finalidades enunciadas na lei (proteção de pessoas e bens) obriga as entidades responsáveis a absterem-se de utilizar estes meios quando constituam ameaça, inibam ou restrinjam o exercício de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos».

Além disso, o regime jurídico português também aborda a conservação dos dados captados de forma a inibir a utilização indevida, estabelecendo que o tratamento dos dados «visa exclusivamente a proteção de pessoas e bens», restringindo temporariamente a conservação dos dados recolhidos, «garantindo assim o conhecimento pelas pessoas da utilização daqueles meios, bem como restringindo a utilização de dados recolhidos nos termos previstos na legislação processual penal».

Em sites como Google Earth já é possível visualizar com nitidez qualquer pessoa em qualquer parte do mundo via satélite. Também é possível visualizar as ruas, as pessoas, os bairros, as casas, ou seja, qualquer casa ou rua pode ser observada, sendo que o seu proprietário pode nem ter consciência disso.

Operadores de circuitos internos de televisão e seguranças particulares vigiam zelosamente os movimentos dos indivíduos, como se fossem protagonistas de um qualquer reality show televisivo. O crescimento rápido e exponencial no uso da videovigilância criou, aparentemente, uma sociedade na qual todas as pessoas estão permanentemente a ser observadas, examinadas e julgadas, sendo que as imagens captadas podem ser repisadas vezes infindas, e visionadas até aos mais íntimos detalhes.

É entendimento por parte de vários especialistas e cidadãos em geral, que o uso indiscriminado destas câmaras constitui um nítido atentado ao direito de todo cidadão à privacidade, que no limite poderá resultar em ameaças aterradoras aos direitos civis quando utilizadas com fins políticos, na certeza que (como acima referido) as câmaras de videovigilância certamente não filmam tão só eventuais crimes e cenas do quotidiano, mas principalmente greves, manifestações políticas e uma série de outras ameaças aos interesses de quem, mais tarde, terá a posse das filmagens e o poder de as analisar e agir em conformidade com os seus desígnios. Daí até ao controle ideológico e à repressão política sob o singelo pretexto de repressão à criminalidade, o passo não é muito largo.

De entre os países da Europa comunitária, aquele onde existe um maior número de câmaras plantadas nos meios urbanos, é o Reino Unido onde cada cidadão é vigiado em média por 300 câmaras nos decorrer dos seus afazeres quotidianos. Neste país existe uma câmara por cada 14 habitantes, disseminadas pelas ruas, estabelecimentos públicos e privados, transportes públicos, etc.

(No próximo número: IV - UM MUNDO SEM PRIVACIDADE As Escutas Telefónicas )

Pedro Pereira

 

 

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