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Sexta-feira 29 de Março de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

III - UM MUNDO SEM PRIVACIDADE
Vigilância e Controlo Eletrónico

01-04-2016 - Pedro Pereira

«A vigilância sobre os cidadãos não tem nada a ver com a segurança individual e coletiva, tem a ver com o poder».

Edward Snowden

Todas as pessoas têm o direito de se manter isoladas na sua própria intimidade, a coberto de olhares indiscretos e outros atos de intrusão por quaisquer meios no seu espaço de vivência quotidiana, nomeadamente no recato da sua habitação.

Atente-se que a palavra «intimidade» é de raiz latina e significa aquilo que é inerente ao ser humano, o direito de estar só e de não ser perturbado na sua vida particular.

Acontece que por «vida privada» entende-se o relacionamento de um indivíduo com a sua família e amigos, o que é perfeitamente oposto a «vida pública». Logo, mercê dos avanços tecnológicos que todos os dias quebram barreiras, novas e sofisticadas câmaras de videovigilância, sistemas de interceção de mensagens via internet e navegação nas suas páginas ( Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp…), comunicações telefónicas e outros meios de comunicação, permitem mais aperfeiçoadas técnicas de devassa da vida privada dos cidadãos.

Em boa verdade, todos podemos reconhecer que o facto de haver vigilância desbragada e em massa por parte dos governos e outras entidades mais ou menos obscuras desde há poucos anos até ao presente, a mesma (aparentemente) não ajudou a prevenir os vários, mortíferos e destrutivos ataques terroristas que de há poucos anos para cá tem vindo a ocorrer em quase todo o mundo, inclusivamente como os ocorridos nestas últimas semanas (Paris, Bruxelas…).

As palavras-chave rastreadas pelos serviços de informação e órgãos policiais através de software incluso nos sistemas eletrónicos de espionagem um pouco por todo o mundo, nas comunicações globais, são por exemplo: manifestação, protesto, encontro, reunião, armas, bombas, explosivos, e tantas outras mais.

Desta forma, qualquer pessoa que digite através da internet ou profira via áudio/telefone alguns destes termos ou afins, pode ficar sujeita a investigação policial, devassa da sua vida e de relacionamento pessoais em moldes nem sempre discretos, pese embora possa ser uma pacífica criatura.

Assim, a espionagem de conversas particulares, bem como o cruzamento de dados pessoais quando do conhecimento dos cidadãos, induz-lhes uma sensação de insegurança e intranquilidade, normalmente com nefastos efeitos a médio e até longo prazo. As tentativas de policiamento da internet com o fim de prevenir e/ou combater o crime, colocam questões merecedoras de séria reflexão como seja, a tensão entre a vigilância e o monitoramento das atividades online, por um lado, e a necessidade de proteger a privacidade dos usuários e a confidencialidade, do outro.

Sem dúvida que os agentes policiais necessitam de poder identificar criminosos e de reunir provas de crimes por via online, no entanto é consabido que os fora-da-lei são expeditos em explorar formas de anonimato e disfarce na rede internauta a fim de esconderam as suas atividades de olhares curiosos.

Através de atividades online por parte do usuário da web, é possível às entidades policiais, partidos políticos, empresas, etc., descobrir e monitorar, entre outros aspetos, os sites que este visita, as suas preferências nas mais diversas áreas, a sua orientação sexual, fantasias e fetiches que eventualmente tenha, as suas opiniões políticas e afinidades ideológicas, interesses e aspirações de carreira profissional, associações a que pertence e onde participa, as amizades e relacionamentos familiares, afetivos, e outros.

O rastreio e a verificação destes dados são recolhidos de forma rotineira e cedidos graciosamente, e/ou vendidos/comprados pelas entidades atrás referidas.

Coletada numa base de dados a informação de um indivíduo, o mesmo é digitalmente reconstruido e feito assim o seu «retrato».

Como exemplo: a agregação desses dados pode ser usada para decidir se um indivíduo pode ou não possuir crédito bancário e, por conseguinte, contrair empréstimos e outros serviços financeiros ou contratar um seguro de vida, de doença e/ou invalidez por via de acidente.

Para além da utilização comercial dos dados, é possível observar as formas pelas quais o estado e/ou as empresas de segurança utilizam o monitoramento dos meios eletrónicos (nomeadamente a navegação na internet) para determinar se a pessoa representa ou não um risco para a ordem económica ou política constituídas (crime organizado, terrorismo, etc.) ou para a sociedade e moralidade estabelecidas (pedofilia, diversos modos de devassa, perseguições na internet, etc.).

Na realidade, tem sido sugerido que a utilização das bases de dados eletrónicas assume-se cada vez mais como o cerne do aparelho de justiça criminal, sendo o processamento de informações utilizado tanto para a construção do perfil de «delinquentes» como para mediar o castigo.

Dados os moldes como a web evoluiu para o sistema comercial, a coleta de informações do usuário foi rapidamente institucionalizada.

Já em 1996, os criadores do browser, Netscape Navigator (o mais popular navegador da web nessa época) apresentaram «arquivos cookie» (que também foram incorporados pelo Internet Explorer e outros navegadores).

Os «cookies» são pequenos arquivos criados cada vez que um internauta visita um website. Os seus arquivos por sua vez, contêm um registro das atividades de quem acedeu ao site, sendo o «cookie» enviado para o computador do usuário onde fica armazenado no disco rígido. Quando o internauta visita novamente a página web, o «cookie» é enviado de volta para o servidor onde o website se encontra hospedado, possibilitando assim de retorno a identificação do visitante. Desta forma, os websites são eficazes na elaboração do registro das atividades dos internautas que os visitem.

As informações recolhidas através de «cookies» são uma das faces de um crescente esforço para acumular e explorar detalhes sobre usuários, de forma a obter vantagem comercial e concorrencial.

Assim, nos tempos que correm é um dado adquirido que geralmente as empresas do setor privado mantêm grandes bancos de dados com informações pessoais sobre os seus consumidores, alguns dos quais estão interligados para que os dados sobre os mesmos e os seus agregados familiares possam ser compartilhados.

Esta informação só por si é um bem valioso, pelo que existem inúmeras empresas especializadas em fornecer dados pessoais de terceiros, de molde a que as empresas procurem dados de pessoas selecionadas para fins de captação de clientela.

O mercado comercial de bases de dados com informações pessoais (números de telefone, endereço, email, estado civil, habilitações literárias, ocupações profissionais passadas, local de trabalho presente, condenações penais, e por aí adiante), significa que qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode descobrir detalhes sobre um cidadão sem o seu conhecimento ou consentimento e usá-los para qualquer fim que desejar.

Tecnologias de prevenção da privacidade, como os programas de navegação e de envio de correio eletrónico de forma anónima, bem assim como serviços ou software de criptografia, são normalmente usados para frustrar a identificação de criminosos pela Polícia.

Por conseguinte, torna-se imperativo para os agentes policiais reduzir a privacidade dos internautas através de uma maior vigilância e monitoramento das suas atividades, condições que, inevitavelmente, invadem a privacidade e a confidencialidade das comunicações online, contexto incómodo (eufemisticamente falando) para grande parte dos usuários ante a perspetiva do monitoramento dos seus movimentos e comunicações do foro privado, pelo facto de alegadamente correrem o risco de perderem o controlo sobre as suas informações de caráter privado que circulam na web, em particular o conteúdo dos emails, informações financeiras e outras de semelhante sensibilidade.

Enquanto isso, as autoridades dizem que constitui uma necessidade legítima o acesso a esses dados, de forma a controlarem eventuais abusos da lei. Não obstante, torna-se percetível ao comum dos cidadãos que a devassa policial através da vigilância eletrónica é importante para o controlo de todos quantos criticam e se opõem ao regime dito «democrático», sobretudo nos tempos que correm, em que a pretexto do combate ao terrorismo e da defesa dos cidadãos, sobretudo dos países comunitários, aumentam os mecanismos repressivos de controlo da informação (vulgo censura), controlo das fronteiras e da livre circulação dos indivíduos, de tal ordem que se começam a vislumbrar laivos de potenciais ditaduras mais ou menos difusas em crescendo nos estados europeus comunitários.

Para além disso, as tecnologias de privacidade online a que os infratores podem recorrer para evitar a deteção e consequente repressão, são simultaneamente essenciais para proteger os legítimos usuários da vitimização criminal.

Atente-se ainda que ao se limitar o acesso do público a recursos de proteção da privacidade (caso da encriptação nas comunicações online) em nome da investigação e controlo policial, navegar livremente na internet torna-se cada dia mais inseguro e vulnerável, portanto, às ameaças do (e muitas vezes efetivo) cibercrime.

Assistimos neste momento a uma intensa luta entre a vigilância e a privacidade na rede. Ao mesmo tempo que as autoridades policiais avançam para um cada vez maior acompanhamento das atividades online dos internautas, de forma a combater o crime organizado como é o caso dos terroristas, pedófilos, burlões e outros criminosos, os defensores das liberdades civis incentivam os usuários a contornarem tais intrusões da privacidade através do acesso e uso de ferramentas que aumentam a privacidade.

Assim, os esforços para proteger a sociedade contra a ameaça da criminalidade informática, trazem consigo profundas consequências para o futuro da liberdade em si.

De acordo com Michel Foucault, a punição e a vigilância são poderes destinados a educar (adestrar) as pessoas para que elas cumpram as normas, as leis e os exercícios de acordo com a vontade de quem detêm o poder.

A vigilância é o modo mais eficaz de que o poder dispõe para observar se as pessoas estão realmente a cumprir os deveres que as normas dos estados e dos governos lhes impõem. Trata-se de uma forma de controlo que atinge os corpos dos indivíduos, os seus gestos, as suas intervenções públicas, as suas atividades, as suas aprendizagens, enfim, as suas vidas quotidianas, assumindo deste modo a função de evitar que surja algo contrário aos desígnios do poder, ao mesmo tempo que procura regulamentar a vida dos indivíduos no exercício das suas atividades, enquanto a punição é a fórmula que o poder encontrou para tentar corrigir as pessoas que infligem as regras que são ditadas.

Só através da punição as pessoas terão receio de cometer algo contrário às normas do poder instituído.

(No próximo número: IV - UM MUNDO SEM PRIVACIDADE – A Videovigilância )

Notícia acabada de chegar à nossa redacção, que vem ao encontro do artigo deste nosso colaborador».

 

 

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