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Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Nostalgia

25-03-2016 - Francisco Pereira

Abri os olhos ao mundo no ano da desfolhada, nesse mesmo ano em que um braço forte americano pisava as terras dos selenitas, só passados uns anos e depois do adeus, numa manhã submersa, veio o hino à alegria que transformou Grândola numa vila morena.

Foi uma toirada, vieram chocas e capotes, mas a mensagem era clara, foi um livro de desassossego, nem escaparam as pupilas do velho reitor, que estava cansado, eu porém estava só como o mais nobre dos gatos vadios.

Entre campos de cardos e prosas, quis ver Portugal na CEE, e cresci assim um Chico fininho de chiclete, num tempo em que o amor era fodido, nesta jangada de pedra que derivava cega, dando azo a um excelente ensaio sobre esta cegueira nacional, explicando onde Descartes tinha errado, os lusíadas pareciam querer ir mais além da Taprobana.

A volta da fogueira, éramos meninos, parecíamos bandos de pardais, éramos os putos, verdadeiros imortais, mesmo o Zé gato, o maior de nós, que isto possa ser uma crónica de malandros, mas dos bons, desenfiados, ladinos e prenhes de vida, cada um, um conquistador, longe de imaginarmos que anos depois nos olhariam a dizer olha o robot!

Nessa angústia que por vezes se servia ao jantar, por míngua de cabedais o despontar da aurora fazia cantar o passarinho e era ver as miúdas das escolas secundárias a fumar ganzas rodeadas de machos a cheirar a patchouly, numa orgia de sabores e odores, onde todos entoavam a canção do engate, sempre destoando alguma baby suicida, pois, porque estávamos no tempo dos góticos, dos metaleiros e claro das betinhas e dos betos de Santarém.

Ombro arma, gritaram lá do fundo, enchi o peito, no final vinham todos e mesmo destacados para os cus de Judas, o oráculo da sibila predizia que nos sairíamos bem sem ataques de bichos e sem nos rendermos a qualquer amor que fosse a nossa perdição, temi pelo Malhadinhas que era o mais travesso e desarranjado, um falso presbítero, que à primeira ocasião se sentiu agadiçado pela morgadinha que viu passar junto aos canaviais, oh que belos esses tempos de viagens pela minha terra sem preocupações.

Nessa altura de Lisboa a Bragança eram nove horas de distância, sem portagens, por entre paisagens de verdes anos, onde estão esses tempos, ai Deus, e u é?

Eram tempos difíceis em que os filhos da guerra e os filhos da droga, aproveitavam a recente liberdade, e foi aí o começo da desgraça, vivíamos numa guerra de estrelas sempre à procura de um qualquer Godot e era muitas vezes a mãe coragem que nos socorria. Entre um gelado de limão e um salteador de uma arca perdida de quem ninguém sabia o nome, fantasiávamos com ases indomáveis com asas que nos fizessem voar pelo mundo em oitenta dias e até percorrer vinte mil léguas submarinas num instante.

Eu que busque esse tempo perdido, venham mais cinco e tu que busques quem quiseres e onde estão esses tempos, ai Deus, e u é?

Francisco Pereira

 

 

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