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Timor-Leste, um país cada vez mais desigual e com proliferação de classes sociais

26-02-2016 - M. Azancot de Menezes

Os timorenses, aqueles que combateram pela liberdade e ainda acreditam numa sociedade fraterna, sentem-se bastante indignados e revoltados, principalmente nesta fase de desemprego, improdutividade agrícola e desigualdade de oportunidades, de momento sem paralelo na sociedade de Timor-Leste.

Um pouco na linha de raciocínio de Quivy e Campenhoudt, uma boa pergunta de partida para se abordar qualquer tema de interesse é aquela que contribui para um melhor conhecimento dos fenómenos a analisar, portanto, onde se destacam os processos sociais, económicos, políticos ou culturais. Neste sentido, perguntemos a todos nós, qual é o ponto de situação em relação à distribuição das riquezas em Timor-Leste e ao desenvolvimento do País?

As estatísticas do PNUD (2014) indicam que Timor-Leste regista desigualdades no domínio do desenvolvimento humano porque existem muitas debilidades na saúde, educação, e no que respeita ao acesso aos bens e serviços fundamentais e às infra-estruturas básicas. Por outras palavras, apesar de Timor-Leste dispor de importantes recursos naturais, a pobreza e a exclusão social são preocupantes, crescem de forma exponencial, contudo, não se nota nenhuma política pública que possa contornar esta calamidade.

Embora haja diferentes pontos de vista sobre o conceito de pobreza, há uma certeza, a pobreza deve ser entendida como uma situação existencial, relacionada com as necessidades materiais, onde intervêm também aspectos de ordem sociológica, social, cultural, etc., com repercussões na vida e na personalidade de cada um.

Amartya Sen (1999), citado por Bruto da Costa (2008), faz uma associação muito interessante entre a pobreza e a noção de (falta de) liberdade. É uma nova perspectiva que aprofunda o conceito e aplica-se de forma paradigmática ao caso de Timor-Leste. E Porquê? Uma pessoa com fome não é livre, antes de tudo não é livre de comer. E quem não é livre de comer também não tem condições para o exercício da liberdade. Quem enfrenta a fome, por lhe faltar meios de subsistência, está postado à dependência dos mais fortes. Aí reside a nova teia denominada dependência, que constitui uma nova fonte da desumanização humana. Quem vive dependente dos outros, principalmente no âmbito económico, esvazia a sua natureza de ser livre e autónomo.

Se olharmos para a sociedade timorense como um conjunto de sistemas sociais nos diferentes aspectos como o económico (mercado de bens e serviços, educação ou saúde), por exemplo, verificamos que os agricultores não produzem por falta de apoio e o País é obrigado a importar produtos como o arroz que por sua vez é comprado pelos agricultores para poderem sobreviver.

Outro factor que contribui para os agricultores não produzirem é a nova mentalidade implantada nos últimos anos da ocupação de Timor-Leste pela Indonésia. Muitas mentalidades alteraram o curso da própria evolução, onde os que já conseguem ler e escrever se sentem escravizados a trabalhar nas hortas e várzeas. Esta situação tem a ver hoje com a falta de mãos de obra jovem nas zonas agrícolas e o crescer exorbitante do desemprego nas cidades urbanizadas. Cresceu nas entranhas da sociedade timorense uma categoria de intelectuais orgânicos mas, por estarem estagnados, nunca até aqui conseguiram ser a pedra basilar das mudanças sociais e económicas.

Há níveis de analfabetismo assustadores no seio da juventude, abandono escolar precoce, discriminação e violência crescente. Estes são traços emblemáticos dos modelos de sociedade onde reina o modelo de produção capitalista. Onde ou em que estágio estamos?

No mercado de trabalho há factores de exclusão gritantes, como o desemprego e salários baixos e problemas graves ao nível da segurança social. Em matéria de saúde, há um péssimo sistema de acesso aos serviços de saúde e acesso aos medicamentos. Ao nível institucional, há péssimos serviços de apoio social, pois não há apoio à infância, não há apoio a idosos, nem a deficientes.

O sistema jurídico, importado ou copiado, não corresponde à fase actual do desenvolvimento sociocultural e económico do País. Daí que as leis andem à frente da sociedade, e o povo postado a seguir ou a aceitar um sistema jurídico, quer híbrido e não híbrido, quer civilista ou do “common law”, pouco importa, e que não contribui para a moldagem de uma nova sociedade pela qual muitos deram a vida.

Nos bastidores houve-se gentes a agitar uma ideia absurda ao querer cultivar na mente dos camponeses timorenses a urgência duma lei de terras e propriedades, com a falsa argumentação de que não vem investimento se não houver uma garantia dos títulos de propriedade. Estas gentes esquecem-se de que existem dois sistemas legais de títulos de propriedade, o sujeito ao direito consuetudinário/direito tradicional que ainda vigora nas aldeias mais remotas e que nunca se submeteram ao direito positivo colonial, e o sujeito ao direito colonial.

Forçar a aprovação de leis das terras e propriedades sem definir uma política agrária é o mesmo que entregar de bandeja todas as parcelas de terras, propriedade indiscutível dos camponeses donos das terras. Com este estado de coisas, queiramos ou não, está-se a contribuir para as desigualdades sociais.

No que diz respeito à habitação, há milhares de jovens sem acesso à habitação social e existem situações de sem abrigo. É uma situação preocupante! Pode ser reflexo dum sistema económico desadequado à evolução como povo e nação, ou pode ser por falta de iniciativas, como resultante duma sociedade ou dum modelo de sociedade que perdeu as suas próprias características.

A leitura a fazer em relação à situação actual em Timor-Leste é a de que a independência não conduziu o povo a trilhar os novos caminhos depois da ponte de ouro. As gentes viram na independência o fim das suas lutas. Acreditavam que a independência em si libertaria cada um e todos e que seria erguido um Estado Previdência e Providência, como outro lado do Estado Social, que ofereceria pão e água para todos. Uma expectativa errada, devido à ausência da conscientização política das massas. Aqui se alimenta a emoção das classes sociais, quer ela burguesa, pequena burguesa, ou as classes mais desfavorecidas. O Poder, mais cedo ou mais tarde, pendulará entre segmentos destas classes sociais que a luta produziu, e o actual sistema amamentou.

No âmbito das leis que alimentam o processo democrático, o Parlamento Nacional de Timor-Leste aprovou a proposta de lei nº 22/III (3ª), segunda alteração à lei nº 5/2006, de 28 de Dezembro (Órgãos de Administração Eleitoral). Esta lei situa em causa os órgãos eleitorais, factores determinantes para a construção de uma verdadeira vida democrática. Porque é que esta lei, para além de outros, traz como um dos objectivos acabar com o actual mandato da CNE - Comissão Nacional de Eleições (2013/2019) e desvincular os seus comissários? Alterar a composição dum órgão eleitoral a meio do mandato, com eleições agendadas para 2017, não existe outra conclusão a não ser a de demonstrar que o sistema vigente é frágil, inseguro e não está à altura de garantir eleições verdadeiramente livres e justas.

Tudo o que foi dito, e outros aspectos que aqui não foram ressaltados, constituem o rosário da vida de um povo que lutou, porque queria ser livre e independente, mas não estava preparado para assumir os jogos e as regras de um sistema democrático. O povo depositou nas urnas os seus votos, o cardinal democrático dos seus poderes. Mas, fê-lo, movido por laços emocionais, e por vínculos primordiais amarrados à teia de uma ilusão material, abalados por uma fatia de pão e por uma gota de água que em nada lhe enalteceu ao longo dos anos de uma governação, que não lhe pertence, após a validação dos votos válidos convertidos.

Este estado de coisas mostra que as relações das diferentes classes sociais estão a crescer em Timor-Leste e são divergentes em questões essenciais. Havendo esta consciência de que as relações entre as classes dominantes e as classes dominadas são fundamentalmente relações de desequilíbrio económico e de ausência de uma consciência política e ideológica, os nacionalistas timorenses com pensamento crítico, estou certo, tudo irão fazer politicamente para que a sua luta, a luta dos trabalhadores, oprimidos e excluídos, constitua um dos motores da história e das transformações sociais em Timor-Leste para prosseguir a caminhada na construção de um País com humanismo, solidariedade social e justiça social.

M. Azancot de Menezes

 

 

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