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DEZEMBRO DE 1961 - OS ALVORES DA GUERRA COLONIAL PORTUGUESA

18-12-2015 - Pedro Manuel Pereira

Há 54 anos (dia 14 de dezembro de 1961) por via do ultimato a Portugal por parte do governo da União Indiana, teve início a primeira ponte aérea de refugiados portugueses desde terras do Ultramar (neste caso dos territórios de Goa, Damão e Diu), tendo os últimos deles arribado de navio a Portugal em maio do ano seguinte.

A este propósito, recordemos os alvores do fim do império português.

Assim, no dia 4 de fevereiro de 1961, opositores ao regime de Salazar atacavam a Casa de Reclusão, quartel da PSP e da Emissora Nacional em Luanda, acontecimento este que marcou o início da guerra colonial em Angola, que nos anos que se seguirão irá abrir frentes de combate na Guiné e posteriormente Moçambique, lideradas por movimentos político-militares independentistas.

A 16 de março seguinte, os guerrilheiros da UPA (União para a Libertação dos povos de Angola) 1, ou «terroristas», como foram logo apodados, desencadearam em simultâneo ataques no Norte de Angola, como por exemplo às povoações de Carmona, Vila Viçosa e Bessa Monteiro, deixando um rasto de centenas de mortes e estropiados entre os colonos brancos (homens, mulheres e crianças) e assalariados indígenas.

O regime tratou de pôr a circular por todo o mundo as imagens dos horrores, incluindo na metrópole. Em Lisboa recordamo-nos de placards no Terreiro do Paço e no Rossio, por exemplo, onde foram afixadas fotos de mulheres grávidas esventradas, crianças decapitadas, homens desmembrados… brancos e negros.

Em consequência, no dia 21 desse mesmo mês, teve início uma ponte aérea que evacuou 3 500 portugueses da referida região angolana, a maioria deles camponeses, que deixaram para trás vidas, gerações de trabalho e de sacrifício, bens e fazendas em pequenas vilas e aldeias que entretanto haviam sido criadas desde gerações anteriores de colonos, que (salvo Carmona) nunca mais voltaram a ser ocupadas economicamente.

Nesse meio tempo, Salazar ordenou: «Para Angola e em força», dando assim início a uma hemorragia de homens válidos desde Portugal e de cabedais que deixaram a Nação exausta no final de 13 anos de guerra em três frentes de combate, atendendo sobretudo às dimensões de Angola e Moçambique.

De acordo com um comunicado oficial das Forças Armadas em Angola nesse tempo, só entre 4 de Fevereiro (início das ações de guerrilha) e 30 de junho seguinte, morreram 50 militares portugueses e em conformidade com o velho ditado de que «um mal nunca vem só», o ano de 1961 ficou marcado por outros dois episódios, um deles bem dramático, ilustrativo do início da derrocada do império português: com carácter quase simbólico deu-se a ocupação do Forte de S. João Baptista de Ajudá (erguido pelos portugueses no século XVIII, que serviu de entreposto comercial durante séculos) pela República do Daomé.

O outro, a raiar a tragédia, foi o início da evacuação para Portugal de milhares de homens, mulheres e crianças de Goa, Damão e Diu com início em 15 de dezembro desse ano, dadas as hostilidades que chegavam frequentemente e cada vez mais de além das fronteiras desses territórios incrustados na Índia, que culminaram no ultimato ao governo português por banda do governo da União Indiana chefiado pelo primeiro-ministro Pandita Nehru, intimando Portugal a abandonar os territórios que os portugueses ocupavam há vários séculos.

Em resposta, num comunicado dirigido aos militares que guarneciam os territórios, Salazar proferiu: «Apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». O ditador não lhes permitia a rendição.

Dada a posição irredutível por parte do governo português para abandonar os enclaves, nos dias 17 e 18 de Dezembro, as tropas da União Indiana, muito superiores em soldados (cerca de 50 000 soldados) e armamento, com o apoio logístico de dois porta-aviões, diversas classes de navios, aviões e carros de combate, invadiram o Estado Português da Índia, sobre a designação de Operação Vijaya.

Em contrapartida, cerca de 3 500 soldados portugueses e umas centenas de polícias goeses mal municiados e até sem armas que chegassem para todos, era tudo quanto Portugal tinha para enfrentar a poderosa máquina de guerra indiana.

O Governador-Geral, General Manuel António Vassalo e Silva, face ao cenário que se lhe deparou, decidiu apresentar a rendição das forças portuguesas no final do dia 19 depois de uma resistência que se traduziu em cortes de pontes e outras vias de comunicação e, do combate travado entre os vasos de guerra portugueses e a armada indiana, no caso, O Vasco da Gama e o Afonso de Albuquerque, tendo este último acabado afundado. Saldaram-se os combates por alguns mortos e feridos.

Os seis meses seguintes foram de campos de concentração, em que os milhares de soldados portugueses cativos foram maltratados e humilhados. Nesse meio tempo, Salazar foi fazendo «orelhas de mercador» às solicitações de Nehru no sentido do Estado português recolher os prisioneiros, usou a situação como bandeira junto da ONU, deixando os militares portugueses abandonados à sua sorte.

Depois de peripécias diplomáticas inenarráveis e vergonhosas para o governo português, os soldados foram embarcados no navio Vera Cruz que os foi recolher. Semanas passadas, ao verem terras lusas, por ordem do ditador ficaram parados junto da barra do Tejo à espera que a noite caísse, para que a população portuguesa não visse nem falasse com os militares. Quando por fim o navio atracou, foi desde logo rodeado por um forte aparato bélico e os soldados embarcados em viaturas que os levaram para vários quartéis onde nos dias que se seguiram foram sendo soltos. Entretanto, o General Vassalo e Silva e mais de uma dezena de oficiais foram demitidos do Exército, só voltando a ser reintegrados após o 25 de Abril de 1974. Nessa altura, já o General havia falecido assim como alguns oficiais.

O ano de 1961 marca, pois, o princípio do fim do império colonial português.

Após o 25 de Abril de 1974, quando foram negociadas as tréguas entre os diferentes movimentos de guerrilha em Angola, Moçambique e Guiné, o número oficial de militares oriundos da metrópole nesses territórios era de 796 798 e o total, onde se incluíam os militares mobilizados nos respetivos territórios ascendia a 1 392 230 (dados do Ministério da Defesa). Pelo caminho, no decorrer dos anos de chumbo, havia ficado pelo caminho um rasto trágico de dezenas de milhar de mortos, estropiados físicos e muitos mais do foro psicológico e psiquiátrico.

Os movimentos de libertação eram os seguintes quando do final das hostilidades: Angola – MPLA (Movimento para a Libertação de Angola) chefiado por Agostinho Neto; FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola), liderado por Holden Roberto; UNITA (União para a Independência de Angola) capitaneado por Jonas Malheiro Savimbi.

Moçambique – FRELIMO (Frente Revolucionária de Libertação de Moçambique), liderado por Samora Machel, e RENAMO, organização com pouca expressão no terreno.

Finalmente, na Guiné o movimento que liderava a guerrilha era o PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Quando a guerra terminou e as independências desses territórios se efectuaram, Portugal nem teve tempo para «ressacar» dos treze anos de guerra. O movimento revolucionário em Portugal estava nas ruas. Eles eram as comissões de moradores, as cooperativas, as ocupações de fábricas e de terras, as nacionalizações e, de uma maneira ou outra, os portugueses encontravam-se politicamente divididos, desde logo, no contexto de um espectro político/partidário que ia da extrema-esquerda à extrema-direita em confrontos violentos, por vezes.

Entretanto, os ventos revolucionários começam a amainar a partir de finais de 1977 com a chegada da primeira telenovela brasileira a passar na RTP, chamada de «Gabriela, Cravo e Canela», curiosamente, na sequência da visita de Mário Soares ao Brasil enquanto governante. Esta novela fazia parar o país e até… a Assembleia da República. Foi aí que a festa revolucionária começou a esmorecer, tanto mais que a partir de então a têvê foi enfestada por telenovelas, contribuindo «bondosamente» para acalmar os ímpetos do «bom povo português».

A festa revolucionária chegava ao fim. Os portugueses acordavam finalmente para a realidade.

1 – A UPA era liderada por Holden Roberto, cunhado de Mobutu, presidente vitalício do Zaire, Estado fronteiro com o Norte de Angola. Holden Roberto veio anos mais tarde a chefiar outra formação de guerrilha, a FNLA que permaneceu ativa nos inícios da guerra civil angolana pós-independência. Após a revolução portuguesa de abril, Mobutu comprou vastas propriedades em Portugal, do Minho ao Algarve, vindo a falecer de cancro na próstata.

Pedro Pereira

 

 

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