Edição online quinzenal
 
Sábado 4 de Maio de 2024  
Notícias e Opinião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Memórias (30)

31-07-2015 - Henrique Pratas

Não pretendendo prolongar mais esta série de textos, para não vos maçar e porque entendo que aquilo que é contável da minha vida, termino partilhando convosco mais alguns dos episódios que ocorreram comigo durante a minha vida profissional e continuarão a ocorrer porque já não tenho idade para mudar e acho que vou acabar os meus dias como nasci, livre, sem preconceitos, ideias pré-concebidas e disponível para abordar livremente todas as questões até aqueles que são simples, às vezes são as mais complicadas.

Assim recordo-me de um dia depois de termos terminado a nossa jornada de trabalho eu e um amigo meu, resolvermos ir fazer um lanche ajantarado. Era Verão, ainda havia em Lisboa, os locais onde se iam beber uns pintelhos, trombadas, ginga e eduardinho, foi por aí que começámos, estava calor e soube tão bem, mas como temos ideias brilhantes dado ao calor que se fazia sentir, fomos comer uma santola, acompanhada de vinho verde bem fresquinho, num restaurante que existe na Rua do Coliseu, que bem que nos soube, fazia calor e tínhamos tomado uma boa decisão. A “carga” já era muita depois de tanta prova, tivemos mais uma ideia brilhante ir a pé até ao Cais do Sodré para tomarmos um licor que é era feito no British Bar, que eu ainda nos dias de hoje não sei como era feito mas que era bom era, sei que levava Drambuie, mas que não sabia a tal, agora que era fresco e reconfortante era.

Nesse dia quando nos dirigíamos para o Cais do Sodré, na Rua Augusta, como já íamos os dois “carregados” o arco da Rua Augusta começou a andar de um lado para o outro, nunca me tinha acontecido tal, perguntei ao meu amigo, estás a ver o mesmo que eu, resposta imediata, não me digas nada que o Arco está a andar a velocidade louca. Decidimos dar o braço um ao outro para ver se a coisa ficava mais firme, foi pior a emenda que o soneto, como se costuma dizer, agarrado um ou outro o balanço aumentou e o Arco continuou a movimentar-se agora a uma velocidade maior. Olhámos um para o outro e pensámos é melhor continuar como íamos, porque isto assim não dá.

Não sei se por influência do vento que soprava do Terreiro do Paço vindo do Rio Tejo a coisa melhorou e bem quando chegámos ao destino, já estávamos em estado de consumo perfeitamente aceitáveis. Entrámos no British e aí trabalhava um senhor chamado Silva que já nos conhecia e era uma satisfação, entrávamos e aproximávamo-nos do balcão e éramos superiormente servidos sem que pedíssemos alguma coisa. Gosto de frequentar locais onde não é preciso pedir nada, acho uma delícia chegar a um locale os empregados ou os donos saberem os gostos dos clientes e servi-los da melhor maneira e era isso que acontecia, era tempo perdido estar a perguntar o que que é que desejamos.Depois de bebermos alguns digestivos, fomos ao Califórnia, onde trabalhava o senhor Francisco, entrámos e dissemos apenas isto, senhor Francisco traga a piscina e ele entendia o que queríamos, esta gente que vos descrevo já não existe hoje, mas eram pessoas à séria e tinham uma experiência de vida adquirida muito grande, estes sim eram gestores, na verdadeira aceção da palavra, muito mais capacitados para gerir do que muitos nomeados pelos diferentes Governos.

Passados mais uns tempos e de conversa sempre afiada e construtiva, atendendo ao facto do meu amigo ter que apanhar o último comboio para Cascais e as “viagens” de um lado para o outro serem muitas, porque aparecia muita gente boa com histórias de vida que nos ajudam a crescer a desenvolver ideias cada uma melhor do que as outras.

O British era frequentado por pessoas que não vivem uma vida mesquinha, recordo-me do Marquês de Fonteira, não este que acabou de morrer de ir para lá e só sair no dia seguinte porque quando ia à casa de banho, tinha que se descer umas escadas mais estreitas que o habitual, para um cidadão normal, para o Marquês cada vez que ia à casa de banho ficava lá e o Silva passava a servi-lo lá em baixo porque ele não conseguia subir as escadas porque era de tal maneira gordo, cheio, anafado que já não conseguia sair de lá e então ficava lá até às tantas da manhã e pedia ao Silva que chamasse a criada para lhe levar roupa lavada porque ele tomava banho lá no British, que estava apetrechado para o efeito. Mas as conversas com ele eram uma delícia prolongavam-se pela noite dentro era um Homem de uma cultura inigualável e os conhecimentos que possuía e que partilhava connosco era simplesmente brilhantes.

Isto tudo para vos dizer que eu já vi o Arco da Rua Augusta a andar de um lado para o outro, penso que poucos o virão, não imponho mas se algum dia tiverem essa oportunidade experimentem que é coisa raro mas de belo efeito.

Uma outra “viagem” foi feita com um fadista da nossa praça em que um célebre dia à noite, tivemos a ideia de alugar um elétrico só para nós e percorrermos a cidade de Lisboa de lés a lés. O início do percursoteve lugar em Alcântara onde com a nossa persuasão conseguimos convencer os comerciais da CARRIS a alugarem-nos um elétrico, pago logo ali com dinheirinho vivo, não fizemos questão no preço do aluguer o gozo que nos deu não teve preço, saímos de Alcântara e é óbvio que fomos deixando entrar quem queria entrar, o elétrico tinha guarda-freio e cobrador mas ninguém pagava bilhetes nunca ninguém tinha visto nada assim algumas pessoas entravam a medo, porque achavam tudo muito estranho, andar e não pagar bilhete o que era aquilo. Recordo-me de apanharmos uma jovem que estava numa esquina da cidade a dormir, toxicodependente, mandámos parar o elétrico e como se pegássemos nas nossas filhas pegámos na rapariga e sentámo-la dentro do elétrico, durante toda a “viagem” não acordou e manteve – se sempre na mesma posição até abandonarmos o elétrico já de manhã cedo. Entretanto durante este périplo lembrámo-nos de ir a um bar na Graça, que um cantor muito conhecido da nossa praça que agora está no Brasil e de fazermos um visita, ele estranhou tanta gente àquela hora tomámos um copo e depois contámos-lhes a nossa ideia, ficou perfeitamente desaustinado porque queria “embarcar na mesma “viagem”, mas tinha o bar aberto e gerou-se ali um processo de indecisão, fecha o bar não fecha, põe os clientes na rua ou convida-os para a “viagem”. A decisão foi fechar o bar, não esperávamos outra coisa o intuito era esse, só que os clientes do bar foram convidados a participar na “epopeia”. O músico, cantor e compositor, pegou na vila, arrebanhou-se todo o gelo que havia para dentro de uma toalha, apanharam-se uns copos e umas garrafas e a “viagem” continuou, agora mais completa com música e cantores à altura, acompanhados de umas bebidas. A partir daqui foi a loucura total parávamos nas paragens onde estavam pessoas à espera de elétrico, não parávamos em todas apenas naquelas que entendíamos e as pessoas muito a medo lá acediam ao nosso convite, depois de lá estarem dentro e de se sentirem à vontade só diziam que nunca lhes tinha acontecido nada assim na vida, foi um gozo indescritível que só terminou às 7 horas da manhã, o guarda-freio nunca tinha andado à velocidade máxima com o elétrico estava esfusiante, dizia ele que estava a viver um sonho.

Tenho mais histórias na minha vida que me ajudaram a conhecer muita gente boa e má, faz parte do nosso processo de crescimento enquanto pessoas, como já referi não tenciono maçá-los mais com as minhas vivências, mas quero aqui deixar bem claro que elas se ficaram a dever aos meus pais que me educaram de uma forma exemplar e me deram a liberdade que eu precisava e me atribuíram a responsabilidade associada a essa liberdade e me ensinaram a ter vontade própria, a ser como sou, com os meus defeitos e as minhas virtudes, poucas, mas acima de tudo a ser uma pessoa integra em toda a aceção da palavra.

Para terminar destaco as primeiras “viagens” que fiz e aí hoje até acho que os meus pais foram muito pacientes comigo. Assim que tirei o passaporte por volta dos 15 anos e depois de já ter saído de Portugal com os meus pais, experimentei várias vezes com os meus amigos, viagens à então capital da cultura onde tudo acontecia e cá nada se passava. Estávamos a maior parte das vezes no café e um de nós dizia e se fossemos até Paris, ver este ou aquele filme que na altura não passavam em Portugal e basta uma ideia destas para 3 ou 4 porem pernas ao caminho, Santa Apolónia, apanhar o Sud-Express e lá íamos nós, muitas vezes não tinha tempo para ligar aos meus pais a avisar não dava tempo, mas assim que o comboio parava numa estação a primeira coisa que fazia era ligar e dizer podem jantar não se preocupem comigo eu estou bem vou ali a Pais e já venho.

Provavelmente no vosso espirito questionam onde é que eu arranjava o dinheiro para estas coisas, era fácil eu era bom aluno tinha Bolsa de Estudo, cerca de 12.500,00 escudos/mês que era muito dinheiro e obtia umas receitas extraordinárias a jogar ao dominó normal ou ao belga, que jogava muito a contragosto, mas era desafiado e lá lhes fazia a vontade, a trabalhadores da estiva e de outras atividades profissionais que gostavam de jogar a dinheiro, como aprendi com o meu avô a jogar e bem, quase sempre ganhava uns cobres umas vezes mais, outras menos, porque sabia sempre sair na altura certa se as coisas estavam a correr bem continuava a jogar, se as coisas tivessem a correr não tão bem arranjava uma desculpa e saía do jogo, mas como os meus proveitos eram sempre muitos, os clientes queriam recuperar o dinheiro que perdiam e tinha sempre clientela, sabia fazer esta gestão era necessário não espantar a caça.

Tenho mais episódios de vida que poderei partilhar convosco, alguns são susceptiveis de o serem outros não porque manda os bons princípios que certas coisas que fazemos na nossa vida não seja partilhados com ninguém apenas os participantes têm conhecimento deles e também é importante que a minha memória se recorde deles com a sensatez desejável.

Henrique Pratas

 

 

 Voltar

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome