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Memórias (27)

03-07-2015 - Henrique Pratas

Fui pai como lhes escrevi no último texto e entendo que exerci essas funções como achava que devia de ser apesar de trabalhar e de nas organizações por onde passei até hoje em certos dias não ter horas nem para entrar nem para sair, nunca deixei nos dias em que os meninos tinham atividades fora do Colégio, nunca deixei de ter tempo para os ir buscar e levar às atividades que praticavam e depois destas terminarem voltava a ir apanhá-los para os levar para casa nunca deixaram de fazer o que lhes dava na real gana. A minha filha nunca se conseguiu fixar numa atividade, primeiro foi o ballet, depois o basquetebol, nunca se fixou em nenhuma atividade, pelo contrário o meu filho aos 4 anos iniciou-se no judo, no ténis, no futebol, no rugby e em tudo o que era desporto, este vertente é um bocado minha pois eu com a mesma idade do que ele fazia tudo o que podia fazer de desporto.

Em termos académicos nem um nem outro me deram dores de cabeça, porque tiveram os dois muito boas bases, tiveram ambos a mesma professora primária que os acompanhava do 1.º ao 4.º do ensino básico, como eles têm diferença de quatro anos, quando a minha filha largou o ensino básico estava ele a entrar e coincidência ou não tiveram a mesma professora.

Eu já lhes devo ter escrito noutros textos que para mim é neste segmento escolar que se tudo de bom ou de mal acontece, ganham-se ou não hábitos de trabalho, aprende-se a saber estar e ser, ou de outra forma ganham os embriões que no futuro farão com que os cidadãos deste País sejam mais capazes ou não, para mim a aposta educacional devia ser feita primordialmente nesta fase, não quero dizer que as outras também não sejam determinantes, claro que não mas nesta fase os miúdos estão mais moldáveis e os pais nunca se devem demitir da sua funções de pais.

As regras que estabeleci com eles foram sempre muito simples, transparência, responsabilização e para além de ser pai era também amigo e confidente, mentiras não entravam nas nossas regras de conduta. Estive sempre disponível para o que entendessem, andei sempre a seu lado, mesmo que não estivesse por perto sabia muito bem o que estava a acontecer, tinha os meus receios, a sociedade evoluiu de tal maneira que as solicitações cresceram na mesma proporção e não queria que nada de mal lhes acontecesse, talvez tivesse um bocado pai-galinha, mas nunca os abafei antes pelo contrário confrontei-os sempre com as realidades mais duras para que soubessem dar valor ao que tinham. Eu sou daqueles que falo com toda a gente porque passo na rua e ao tempo costumava estar na esquina da Rua Barata Salgueiro, mas arcadas da sede do BES, um senhor que estava ali a vender a revista CAIS, muitas das vezes lhe comprava a revista e depois voltava a dar-lha para ela o poder vender a outra pessoa e como os meus filhos, sempre que era possível me acompanharam por todo o lado um certo dia, passo pela referida rua, o sinal fica vermelho e o senhor de seu nome João como era hábito dirige-se-me à porta do carro e como tinha o vidro aberto cumprimentou-me, como era costume, dei-lhe o espaço suficiente e o senhor cada vez que eu passava por ali a pé ou de carro vinha-me sempre falar e desabafar sobre as suas agruras da vida, ajudei-o no que pude e no dia em que ia acompanhado pelos meus filhos, o mais novo volta-se para mim e diz-me “oh pai tu falas com toda a gente conheces muitas pessoas em Lisboa”, não esqueci os ensinamentos recebidos dos meus avós e pais que devemos saudar todas as pessoas e quando podemos devemos dar-lhes espaço para desabafarem e ser solidário quando o podia ser.

O meu filho sempre foi mais afirmativo e mais ativo, no Colégio na infantil, um belo dia sobe pelo escorrega e em vez de descer pelo sitio próprio para se descer atirou-se de cabeça pela lateral das escadas por onde subiu até à plataforma por onde podia descer, a sorte foi que como havia areia e cimento ele caiu na areia a poucos centímetros do cimento. Nesse dia as educadoras quando o fui buscar, estavam brancas assim que abriu a porta, disseram-me logo quer ver o que é que o seu filho fez, mostraram-me o local e tinha sido mesmo por um triz, ele olhou para mim era muito pequeno, mal falava e olhos nos olhos riu-se com uma ar atrevido. Eu pensei o que é que hei de fazer, nada, já tinha feita antes uma das dele antes ainda mal falava, um belo dia ele queria passar no corredor do infantário mas um companheiro dele entendeu que o não devia deixar passar e ele, segundo me contou, avisou-o uma, avisou-o outra vez e à terceira tomou balanço e como o outro miúdo estivesse com o braço estendido entre a porta para não mo deixar passar, levou o miúdo à frente, quando cheguei ao Colégio nesse dia estava de castigo, sentado numa cadeirinha daquelas pequenas, assim que cheguei independentemente de as educadoras me contarem, ele próprio por palavras dele me contou o sucedido. Olhei para ele e tendo recebido a explicação que ele tinha avisado duas vezes e que o outro não tinha tirado o braço ele tomou as medidas que achou por mais convenientes, não lhe dei razão, mas também não o castiguei por isso, para mim ele estava coberto de razão só que não lha podia dar, calei-me o assunto passou e eu acho que estas coisas eram para ser resolvidas por eles.

Como vos escrevi eles foram os dois sempre bons alunos, a minha filha tinha necessidade de trabalhar mais ele não era um sorna da pior espécie, mas sempre tirou boas notas, adiava o estudo para a seguir ao almoço, depois para a seguir ao lanche e finalmente para a seguir ao jantar, andava de adiamento em adiamento até pegar nos livros à séria e tinha notas aceitáveis não escreverei excelentes, única porque simplesmente ele não queria, deixavam sempre tudo para a última, era assim não havia nada a fazer, passámos horrores como pais, andávamos sempre aflitos com ele, porque era tudo na última, já a irmã não levantava-se mais cedo para fazer os trabalhos, para estudar, preparava-se sempre com antecedência.

Mas lá conseguiram tirar o seu mestrado em Farmácia e educação Física, porque conforme já vos contei o meu filho praticou várias modalidades, mas quando teve que optar decidiu-se pelo judo, porque ele empenhava-se no que fazia e quando por exemplo praticava rugby ele dava tudo o que tinha e ficava extremamente irritado quando os companheiros de equipa não tinham a mesma atitude. Esta postura levou a que ele se decidisse pelo judo, foi campeão nacional de iniciados, juvenis e seniores dentro do seu peso. Esta dedicação levou com que ele abrisse os horizontes, pois sendo selecionado para representar o País conheceu vários Países e realidades diferente das dele. Ele teria para aí uns 14 ou 15 anos e foi à República Checa, fazer um estágio acompanhado de uma competição interna, quando o fui esperar ao aeroporto perguntei-lhe como é que as coisas tinham corrido, resposta “oh pai as checas são tão bonitas” de imediato lhe perguntei tu foste lá para fazer judo ou para apreciar as checas, resposta pronta, as duas coisas. Pensei para comigo, está certo reduz-te à tua insignificância ele mais uma vez tinha razão.

Um célebre dia por motivos de ordem profissional não o pude ir buscar ao judo, foi a mãe, mas nesse dias as coisas tinham-lhe corrido mal, porque um grande amigo dele quando estavam a fazer o aquecimento e a dar cambalhotas para a frente, decidiu dar-lhe um pontapé no rabo, só como estavam em movimento em vez de lhe acertar no rabo acertou-lhe na cervical e o bom do meu filho lá foi para as urgências do Hospital de Santa Maria, estava cheio de dores mas aguentava-se como um herói com a mãe, entretanto eu chego e mudamos de turno, tomei a iniciativa de ficara ao pé dele e aí agarrou-me a mão e deixou cair duas lágrimas pelo canto do olho e perguntou-me pai é grave, ainda não se sabia nada. Eu como me faço mais forte do que o que sou, filho chora não faz mal, não tenhas vergonha, estava a descomprimir, já não o deixei, acompanhei-o por tudo quanto era sitio e para onde ia, ele também não me largou mais a mão, até que a uma dada altura ele pede-me água e eu tive que lhe explicar que não lhe podia dar água, que a única coisa que podia fazer era molhar-lhe os lábios, pois ainda estávamos à espera da decisão final dos médicos operar não operar, assim que lhe molhei os lábios com uma frequência maior que a entendida como adequada, ele parecia outro e começou logo a dizer-me que não era preciso ser operado que aquilo passava. Pedi-lhe para contar como é que aquilo tinha acontecido, não me contou, nem a mim, nem ao médico, nem à mãe, só lhe consegui arrancar uma explicação quando já se encontrava em casa e só no domingo é que ele me contou como é que as coisas tinham acontecido, o episódio tinha acontecido a uma sexta-feira.

Foi medicado, foram-nos dados os procedimentos a tomar e ele teria que estar todo o fim de semana imobilizado e no caso de as dores aumentarem, voltar às urgências com ele. Felizmente não foi preciso, ficou uma semana em casa sossegado, foi novamente avaliado e foi-nos dito que podia começar a desenvolver a sua vida normal sem esforços e judo ou qualquer outra prática desportiva nada.

Mais tarde passados alguns tempos disto ter acontecido o tal amigo dele lembra-se numa aula qualquer, penso que de matemática, de lhe deitar as mãos ao pescoço mais uma vez na brincadeira, com a destreza que o meu filho tinha e julgo ter, esquiva-se e aplica-lhe um soco no olho e faz-lhe um hematoma daqueles. A primeira coisa que ele fez foi ligar a contar o sucedido, era este o nosso acordo, o pai estava com ele para o bem e para o mal, nessa altura fiquei a saber quem tinha sido o “artista” que lhe tinha dado o pontapé, o Mário Patrão, contou-me que a Diretora do Colégio lhe tinha tirado o cartão que lhe permitia sair do Colégio com a minha autorização e da mãe e disse-me que se sentia injustiçado.

Depois de ter pensado um pouco eu também achei que era demais pego no telefone e ligo para a Diretora do Colégio e peço, para falar com a diretora, ela atendeu-me de imediato, com grande simpatia e de forma pronta e eu só lhe disse o seguinte:” Tem até ao final do dia para devolver o cartão ao meu filho, porque ele tem razão” e contei-lhe a história toda e acrescentei-lhe que quando o meu filho tinha estado em casa os pais do outro jovem não tinham tido a delicadeza de ligarem a saber como é que o meu filho estava e eu quando liguei a primeira coisa que fiz foi inteirar-me do estado de saúde do amigo do meu filho e perguntar se era preciso alguma coisa, foi-me respondido que não era preciso nada e que estava tudo bem à exceção do olho do outro que estava com um hematoma daqueles, pensei para comigo se é só isso passa. A Isabel Soares e é dela que vos estou a escrever, dado que o outro menino era filho de quem era ainda me disse, sabe Henrique ele é filho de pais separados, resposta imediata Isabel e o que é que isso tem a ver para o caso? Voltei-lhe a dizer que queria que desse o cartão ao meu filho naquele dia, aí ela pediu-ma para a não desautorizar, que lhe dava o cartão no dia seguinte à hora do almoço e assim nos ficámos.

No outro dia e por mero acaso passo pela Rua do Colégio ela viu-me assim como eu a vi e não dissemos nada um ao outro a não ser cumprimentarmo-nos, mas vi no olhar dela que não se tinha esquecido do que tínhamos acordado no dia anterior e à hora do almoço o meu filho tinha o cartão na sua posse, porque eu tinha dito à Diretora que se não cumprisse com o acordado que ia ao Colégio e trazia todos os miúdos comigo para a rua, com a minha autorização eram meus convidados para almoçar.

O castigo que era par uma semana ficou apenas reduzido de um dia à tarde para a manhã do dia seguinte.

Henrique Pratas

 

 

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