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Memórias (26)

26-06-2015 - Henrique Pratas

Dando continuidade às minhas memórias como vos escrevi casei em 1983 com uma colega da faculdade que conheci filha de um médico na verdadeira aceção da palavra, pessoa que gostei de conhecer e de partilhar a minha vida.

Como sou de ideias fixas e entendo que consigo compensar as pessoas de uma infância que não tiveram. A mulher com quem casei tinha ficado sem mãe aos 5 anos e o pai já com 5 filhos como tinha que trabalhar para manter a casa e os “meninos”, teve que se sujeitar a arranjar empregadas que tomavam conta dos meninos como podiam, mas sobre isto não gostava de escrever mais porque os condicionalismos que esta situação pode criar não é objeto de qualquer tipo de comentário cada um faz o melhor que pode e que sabe e os condicionalismos são muitos e opinar sobre uma situação que só vivida é que sabemos o que custa gerir não o faço porque não existem soluções perfeitas ou podemos cair numa situação de nos pronunciarmos de uma forma errada porque não somos nós que passamos pelas situações. Apesar de parecer simples a vida ensinou-me que estas situações são muito complexas porque se desenrolam no campo dos afetos e aqui cada um de nós tem o direito de fazer as opções que entende.

Como vos escrevi eu sou “cabeça dura” e não vos escrevo que não gostava o suficiente para ter casado coma mulher que casei, esperei e estabeleci como objetivo compensá-la e mimá-la dos anos em que tinha ficado sem mãe recordo-vos que foi aos 5 anos que ela ficou sem mãe, quando casámos tínhamos 27 anos e já tínhamos 6 anos de namoro e eu tentei dar-lhe o que não lhe tinha sido dado, convenci-me de que era capaz e como não gosto de desistir à primeira levei 30 anos da minha vida para perceber que quando as pessoas não querem não há nada a fazer, burro não sou, mas pauto-me por ser um homem de família e esgotei todas as possibilidades para que a coisa desse certo até que fiquei completamente exausto e me comecei a borrifar para tudo, mal me tinha apercebido que já não aguentava mais, estava nas lonas do ponto de vista afetivo.

Durante esses 30 anos fiz tudo o que achava que era correto fui pai, fui mãe, dona de casa tudo para compensar uma mulher que tinha tido uma infância sem afetos, nunca me apercebi que ia perder esta batalha.

Fomos pais pela primeira vez em 1986 de uma rapariga, bessa altura fiz tudo para que a mãe que tinha acabado de dar à luz se esforçasse o menos possível, ficou na clinica 3 dias nesses três dias eu fui trabalhar porque ela estava acompanhada e depois quando saiu eu tirei férias para poder ficar em casa para tomar conta da criança e para que a mãe não fizesse esforços e se restabelece o melhor que fosse possível. Eu lavei roupa, eu engomei, fiz comida ia às compras à praça, limpava a casa enfim fiz tudo, convencido de que estava a proceder bem era esses os ensinamentos que tinha recebido, foi assim que procedi porque achava que era correto, dava banho à rapariga, mudava-lhe a fralda, sarei-lhe o umbigo já que à mãe lhe fazia impressão, enfim fiz tudo o que podia para fazer alguém feliz. Um belo dia estava eu a cuidar da minha filha e oiço choros vindos do quarto, fui ver o que era, era a mãe que estava a chorar e que me disse que eu já não gostava dela só gostava da criança que tinha nascido, dado que as depressões pós parto podem ser muito traumáticos de imediato corrigi o meu procedimento, disse-lhe que não que era uma baboseira o que estava a pensar e de imediato corrigi a minha posição colocando a filha mais perto dela e de futuro não tomava eu as rédeas de fazer tudo passei a envolve-la em todos os processos,
à exceção dos trabalhos mais violentos como os de engomar fraldas, na altura em que a criança nasceu as fraldas descartáveis eram muito caras e tivemos que optar pelas fraldas de pano, senhora da hora, que a minha mãe me ajudou a comprar, porque como devem imaginar era muitas porque as mudas também eram significativas, recordo-me que um dos dias em que engomei uma quantidade significativa de fraldas fiquei com bolhas na mão, poi não nos passava pela cabeça por fraldas que não fossem passadas a ferro no rabo da criança.

Nunca faltei a uma consulta com o pediatra e como vos escrevi ao fim de três meses a criança ingressou num infantário de onde só sairia no 12.º ano porque entendi que era o melhor para ela.

Passados 4 anos voltei a ser pai desta vez de um rapaz estávamos em janeiro de 1990, mais propriamente no dia 16 de janeiro e por volta das 11 h da noite o rapaz nasceu, passados uns instantes e sem ninguém esperar entra pelo quarto a dentro sem bater e sem pedir licença uma empregada da clinica e de rompante pergunta, foram os senhores que acabaram de ser pais, respondemos que sim e de imediato ela nos informou que a criança não estava bem, estava a ficar ligeiramente sinusada de imediato liguei ao pediatra, ao tempo diretor na Maternidade Alfredo da Costa e passados uns instantes estava uma ambulância do INEM para recém-nascidos na entrada da clinica para proceder ao transporte da criança da Maternidade Alfredo da Costa, onde o pediatra de seu nome José Miguel Ramos de Almeida, controlava de forma mais eficaz as coisas. Eu fui com o meu carro atrás da ambulância até à Maternidade, mas não me deixaram ver mais o rapaz, a enfermeira que o acompanhou tinha uma fotografia polaroid que lhe tinham tirado dentro da ambulância e quando me disse que não o podia ver eu fiquei preocupado e ela apercebeu-se desse facto, disse-me para não me preocupar que as coisas estavam controladas e que tudo iria correr bem, mas para um pai as coisas que nos dizem mas que não vemos deixam-nos apreensivos, foi aí que ela me deu a fotografia do rapaz, voltei para a clinica e acompanhei a mãe até às 5 horas da manhã onde ela me dizia insistentemente que a criança já tinha morrido e eu contrariava-a para que não tivesse uma depressão pós-parto. Eu tinha a fotografia comigo, mas não lha podia mostrar porque não sabia o rumo que as coisas iriam tomar, travei esta luta dentro de mim entre as horas a que regressei à clinica e as que voltei a sair para me encontrar com o médico na Maternidade Alfredo da Costa, ele chegava cedo às 6 horas da manhã já lá estava e combinámos encontrarmo-nos a essa hora à porta das urgências e assim foi, mas digo-vos a luta que travei comigo para aguentar tudo foi terrível por um lado contrariando a opinião da mãe que me dizia a todos os instantes que o bebé já tinha morrido eu que tinha a fotografia não lha queria dar para que no caso do desfecho desta situação ser a pior a traumatizar ainda mais, foram longas as horas desde as 2 até às 5 da manhã, e uma luta de contrários interminável, a mãe dizia o que dizia eu acreditava que tudo ia correr bem, porque tinha toda a confiança no médico, mas existe sempre um mas nestas coisas e eu já tinha passado pela morte do meu pai, já estava escaldado.

Às 5 da manhã sai da clinica para me encontrar com o médico na Maternidade Alfredo da Costa, mas antes não pude deixar de fazer uma coisa, já não aguentava mais quando disse à mãe da criança que ia sair para me encontrar com o médico e perante a insistência dela em como o bebé já tinha falecido, mostrei-lhe a fotografia, estás a ver ainda não morreu, fez questão de ficar com a fotografia para lhe fazer companhia enquanto eu não estava na Clinica.

A distância que mediava entre a Clinica e a Maternidade Alfredo da Costa é curto mas para mim pareceu-me que era enorme, só me recordo de pensar qual seria o cenário que iria encontrar pois tinha estado uma noite inteira a produzir afirmações que não sabiam se correspondiam à realidade, o que é que me esperava.

Quando cheguei à Maternidade Alfredo da Costa, estacionei a viatura de modo a que pudesse ver a chegada do médico, às 5h 45 m, olho par o espelho retrovisor e vejo- o a aproximar das urgências porta por onde entrava, si do carro imediatamente e aproximei-me da entrada, esperei por ele a minha ansiedade era muita ele logo me disse que estava tudo bem com o meu filho pois tinha dado instruções de o manterem permanentemente informado sobre o evoluir da situação do rapaz, gostei do que ouvi, mas queria mais. Mandou-me esperar, enquanto ele subia e vestia a sua bata para ir ver como estava o serviço do qual era responsável, esperei cerca de meia hora, que me pareceu uma eternidade, entretanto ele mandou uma enfermeira descer à porta das urgências para me fazer acompanhar ao seu gabinete, quando entrei diz-me está tido bem com o rapaz, o que ele precisava era apenas de um pouco de calor e oxigénio e nada mais, encontra-se de perfeita saúde, já o vi, fiz os devidos exames e o rapaz tem um apegar de 10 e se quiser pode vir buscá-lo às 12 horas que já o pode levar, aí meus amigos caiu-me tudo chorei a bom chorar e o médico, pessoa de quem eu gosto bastante, brincando comigo disse-me Henrique já vi que não pertence àqueles que dizem que os Homens não choram, chore à sua vontade isso faz-lhe bem, pedi-lhe desculpas mas não me contive a pressão era muita, sei que a partir dali ganhei mais um amigo ele foi impecável em tudo, comigo, com a mãe e com o rapaz, um médico na verdadeira aceção da palavra, digam o que disserem dele, para mim é um amigo independentemente das virtudes que alguns não lhe possam ver, para mim naquela altura e noutra que lhes descreverei comportou-se como um gentleman.

Depois desta cena no gabinete do médico, ele disse-me vamos esperar um pouco, porque estão a fazer a higiene aos bebés e já o levo onde ele está para o ver, passaram apenas 10 minutos mas mais uma vez pareceu-me uma eternidade. Chegado o momento conveniente acompanhou-me até ao local onde estava o meu filho e pude verificar que estava tudo bem com ele e que de facto o podia ir buscar às 12 horas.

Agora tinha que “correr” para junto da mãe para lhe dar as boas novas, o médico ainda me disse, Henrique, vá com cuidado, porque não precisamos de mais eventos e ouvi mas não liguei, havia que chegar o mais rápido à Clinica onde se encontrava a mãe na angústia de saber se o seu filho se encontrava de perfeita saúde. Não me recordo mas acho que percorri a distância em tempo recorde, devo ter feito algumas tropelias, mas não me recordo a minha preocupação era dizer à sua mãe que estava tido bem e que eu já o tinha visto e que confirmava tudo o que lhe tinha dito.

Assim foi cheguei num ápice à clinica e corri para junto da mãe e contei-lhe tudo com pormenores para a tranquilizar, acho que consegui, tinha medo que ela se “passasse” e eu não queria a minha aposta quando me casei com ela tinha sido a de a fazer feliz e compensá-la pelo facto de não ter tido o afeto da sua mãe, mas como vos descreverei foi uma batalha que travei e que perdi em toda alinha mas aprendi à minha custa quando as pessoas não querem não há nada a fazer.

Henrique Pratas

 

 

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