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Memórias (25)

19-06-2015 - Henrique Pratas

Como vos escrevi no final do primeiro ano da Faculdade comecei a namorar à séria com uma colega minha de turma, ganhei logo por parte das outras uma amizade visceral, as mulheres são assim este namoro durou até 1983 ano em que casámos e tivemos dois filhos.

Antes disto como já vos dei a conhecer morreu o meu pai e o pai da minha futura mulher, ele sofreu muito, era uma pessoa de quem gostava e muitas das vezes dizia para a minha mulher que não sabia se tinha casado com ela por gostar dela ou se tinha sido por causa do pai.

Apesar de ser médico, de uma competência extraordinária era uma pessoa na verdadeira aceção da palavra, era professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e quando fez a agregação para professor catedrático levou uma bola preta apenas por causa das suas opções políticas, sentiu-se injustiçado e eu também senti uma grande revolta, porque não havia explicação para a atribuição da bola preta a não ser as suas convicções politicas, aí tive conhecimento real do que era o mundo académico, eram e são uns cães para aqueles que têm valor e que não pedem favores para evoluir na carreira académica.

Recuando um pouco no tempo e para poderem avaliar a simplicidade da pessoa que lhes escrevo, ele era um investigador nato, com uma vocação para o exercício das suas atividades profissionais, participava em vários trabalhos a convite da indústria farmacêutica em conjunto com outros, “oficiais” do mesmo ofício e conseguia alcançar sempre o primeiro lugar, como o prémio era normalmente atribuído em dinheiro repartia de forma igual pelos que o tinham ajudado a fazer o trabalho, normalmente seus discípulos.

Aliás alguns deles que já exerciam a atividade de medicina já levavam por um consulta do que ele levava, independentemente dos seus anos de experiência e da sua qualidade enquanto médico, professor e cidadão de plenos direitos.

Recordo-me que um belo dia ele falou comigo por causa de ter sido desafiado para o exercício das funções de secretário de estado da saúde, normalmente perguntava a opinião às pessoas que o rodeavam, apesar de já ter a sua formada, gostava de ouvir a dos outros, falou-me nisso e eu como sempre disse o que pensava, apesar de ter ficado muito aflito, pois estava a colocar uma questão a um “miúdo” com pouca experiência de vida, mas como sou e sempre fui sincero, disse-lhe de imediato que não aceitasse porque ele não tinha feitio para engolir sapos e a sua competência era muito mais importante do que um cargo politico, não era que ele não o merecesse até mereceria mais, mas os jogos políticos iriam fazer que a sua competência, reputação como médico iriam ser abaladas e os eu feitio não era compaginável com esta atividade, como lhes disse era um Homem simples de gostos frugais, que cultivava as amizades e outros valores que agora rareiam na nossa sociedade.

Para ilustrar mais esta figura muitas das vezes dava-me para ler os artigos que escrevia para os jornais, recordo-me de uma altura em que neste País lavravam os incêndios e se levantou pela primeira vez a questão da piromania, escreveu um artigo para o “Jornal” e antes de o entregar deu-ma a mim para o ler e fazer as correções que entendesse. Vindo o pedido de quem veio não hesitei em aceitá-lo até fiquei orgulhoso pela confiança que depositava em mim, mas o pior foi quando me disse para fazer as correções que entendesse por bem fazer, aí sim fiquei aflito com a responsabilidade que me era colocada em mim então um professor catedrático estava a pedir-me que fizesse correções a um texto que ele tinha escrito. Foi-me dada mais uma lição de humildade, nós nunca sabemos tudo, postura que mantenho até hoje. Li o texto com muito cuidado e a lápis lá fui anotando aquilo que se me afigurava passível de ser alterado, eram apenas sugestões minhas, quando me aproximei dele para ver as correções que sugeria disse-me depois de ouvir a primeira, com um ar feliz, desprendido e consciente do que estava a fazer, que estava bem e que não queria ouvir as outras que alterasse o que tinha encontrado para alterar e depois lhe fizesse um favor, ir entregar o artigo ao “Jornal”, para que o mesmo fosse publicado dentro do prazo estabelecido.

Assim fiz, corrigi o que entendia que fosse corrigido e fui levar o artigo ao “Jornal”, dei-lhe conhecimento desse facto e não vos posso transmitir que fiquei orgulhoso por ele e por mim. Por ele por ser mais uma vez um dos pioneiros a escrever sobre o que ninguém queria escrever e colocar as coisas como elas deviam ser encaradas socialmente, por mim que gosto que depositem confiança e me responsabilizem, senti que se o texto não fosse bem acolhido a culpa era minha. Não aconteceu nada disso, o texto foi muito bem acolhido e foi objeto de elogios e deu aso a que outros órgãos de comunicação social o divulgassem.

Gostaria ainda de partilhar convosco que este médico era um médico que já não existe hoje, no exercício da sua atividade de clinica privada, sempre ao final do dia, alguns doentes não tinham dinheiro para lhe pagar a consulta e a resposta dele era sempre a mesma paga para a próxima, mas não ficava importunado por isso, os seus alunos já médicos e a exercer clinica privada para além de praticar preços mais elevados do que aquele que ele levava, se as pessoas não tinham dinheiro não as atendia. A par desta situação havia uma outra prática entre oficiais deste ofício que era se um familiar fosse a uma consulta de outro colega, este não cobrava a consulta, vi a experimentar esta atitude muito mais tarde quando a minha filha que fazia otites com uma regularidade fora do comum nós íamos dia sim, dia não ao consultório de um otorrinolaringologista para que este efetuasse a aspiração do pus que saía do ouvido da minha filha, tarefa árdua e de difícil execução devido à sua tenra idade, mas como ele defendia que ela não devia tomar antibiótico, pois era muito miúda para o fazer e iria ficar encharcada em antibiótico e depois quando este fosse necessário para fazer o efeito pretendido, não o iria fazer, para evitar isto, como lhes escrevi anteriormente em situações de crise íamos ao seu consultório três vezes por semana e de nenhuma das vezes ele nos cobrou qualquer quantia, recordo-me das suas palavras, era o faltava estar a cobrar dinheiro a uma neta de um amigo e colega de profissão.

Estes valores perderam-se no tempo como já devem ter dado por isso, hoje como costumamos dizer não existem almoços grátis, apesar de existirem ainda uns parvos, onde me incluo, que têm esta prática, o dinheiro não é tudo na vida como nos querem fazer crer, ser feliz e ficarmos bem connosco próprios é muito mais importante e gratificante.

Como escrevi no início deste texto fui pai em 1986 de uma rapariga e em 1990 de um rapaz, que aos tês meses, sim leram bem aos tês meses, tiveram que ingressar num colégio, porque ao tempo a licença de maternidade era apenas do tempo que lhes referi. Apesar de termos corrido uma série de colégios onde poderíamos deixar ficar em primeiro lugar a minha filha, a escolha ficou reduzida apenas a dois que entendemos reunir as condições mínimas para que eles ficassem bem e nós ficássemos descansados se é que podíamos ficar descansados, hesitámos muito interrogámo-nos, mas não tínhamos outra alternativa avós maternos não tinham, avós paternos só tínhamos a minha mãe, mas eu sempre entendi que quando saísse de casa não era para sobrecarregar, no caso vertente a minha mãe, a muito custo chegou o primeiro dia em que a minha filha apenas com três meses conforme lhes escrevi, “deu entrada” num colégio em Lisboa, a decisão foi tomada depois de conhecermos as condições e de termos alguém dentro do Colégio que fosse conhecido, isto pesou muito na decisão, mas não impediu que no 1.º dia em que a fomos levar ao infantário, fosse muito difícil de sair de lá, os beijos foram mais que muitos, as caricias a mesma coisa, parecia mesmo que não queríamos arredar pé de lá, ela era tão pequena, mas tinha que ser, não havia outra alternativa, recordo-me como se fosse hoje, saímos de lá os dois a chorar, sim a chorar convulsivamente, parecia que a não iriamos voltar a ver.

Esse dia de trabalho parecia que nunca mais acabava as 8 horas de trabalho parecia que tinham passado a 16 horas, entretanto ainda ocorreram uns telefonemas para o infantário para saber se estava tudo bem, a produtividade nesse dia foi praticamente nula e assim que chegou a hora de saída saímos os dois disparados no carro como se fôssemos ocorrer a uma situação de urgência desmedida para ir apanhar a nossa filha, ao chegar e vendo-a bem ficámos aliviados, mas não deixámos de chorar, agora por outros motivos.

Não foram fáceis as primeiras 4 semanas depois começámo-nos a habituar à ideia, mas nunca totalmente, mal sabíamos nós que 4 anos depois iriamos passar pela mesma experiência com o meu filho e sentimos e reagimos da mesma maneira da mesma forma quando foi a vez da nossa filha, não esperávamos que a sociedade nos empurrasse de tal forma a que os mantivéssemos no mesmo Colégio até terminarem o 12.º ano e ingressassem no ensino Superior.

Henrique Pratas

 

 

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