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Memórias (21)

22-05-2015 - Henrique Pratas

Como já vos escrevi tinha 24 anos mas nunca me tinha preocupado com nada de gestão da casa e dos dinheiros, a partir da data em que o meu pai partiu não sabia o que em esperava.

Mas para ficarem a conhecer como tudo se procedeu, o meu pai teve que ser autopsiado, por causa da Companhia de Seguros, tivemos que esperar mais um dia, cá o rapaz esperou mais um dia e mais uma noite sem dormir no dia seguinte, começava mais um processo que não tem nada a ver comigo apareceram os fulanos da funerária, para eu ir escolher o caixão, só me faltava esta, para mim qualquer coisa servia, pois entendo que as pessoas devem ser tratadas bem é em vida o resto é um processo subsequente a que não importância nenhuma, mas como estava acompanhado pela minha mãe e os senhores da funerária insistiram e lá fomos nós escolher o caixão para mim eram todos iguais e já me estava a irritar a forma como os fulanos descreviam os caixões, este tem isto este aquilo, respirei fundo para não explodir pois agora tina que aguentar a minha mãe, ela lá se decidiu, perguntou-me a minha opinião disse-lhe imediatamente que sim, queria era ver-me livre daqueles “abutres”, resolvida que estava esta questão, voltámos de novo para a morgue do Hospital onde se encontrava o corpo do meu pai.

Quando lá cheguei umas das formalidades era ir reconhecer o corpo, como queria ficar com a imagem do meu pai vivo, evitei a situação e pedi a um dos chefes do meu pai que lá se encontrava para me fazer esse favor e ele lá foi o funeral ficou marcado para esse próprio dia, por volta das 13 horas saímos da Guarda a caminho do Cemitério da Carregueira, aldeia de onde o meu pai era originário.

Ninguém queria que eu viesse a conduzir, mas como sou teimoso que nem um burro e tinha chegado a hora de tomar as “rédeas” disse que não, que aguentava muito bem se já tinha aguentado até ali, aguentava até ao fim. A minha mãe decidiu vir na carreta funerária, eu não quis e refugiei-me na desculpa de que alguém teria que trazer o carro e assim foi, como os “abutres” não conhecessem o caminho pediram-me que fosse à frente, para lhes indicar o caminho assim fiz, tínhamos que rodar a uma certa velocidade e ter uma autorização prévia para poder atravessar os concelhos por onde passássemos. Isso foi tratado pela funerária, mas existia esta burocracia, como se um morto fizesse mal a alguém os vivos é que fazem e não é pouco.

Bem percorrendo o caminho até à Igreja de S. Marcos no Arripiado, onde os amigos e companheiros do meu pai esperavam por ele e já tinham marcado uma missa de corpo presente, quando lá cheguei e vi a quantidade de autocarros que estavam e fiz uma estimativa se cada autocarro levava no mínimo 55 pessoas e estadia para lá mais de 20 não os contei, por isso não sei o número certo e mais os companheiros do meu pai que decidiram de ir de carro próprio, foi aí que me fui completamente abaixo, ao ver os amigos do meu pai, que eu também conhecia e estavam lá todos, quando se aproximaram de mim para me acarinhar, despejei o cansaço dos dias todos em que não tinha pregado olho, tentei ser forte perante eles mas não conseguimos, estou a escrever-lhes sobre afetos e aí quando se aproximava de mim algum amigo do meu pai que tivesse mais convivência comigo, vinham-me à memória os bons momentos que passámos juntos, os petiscos que fizemos juntos, as viagens e o carinho que todos eles tinham por mim pois conheciam-me desde que eu era gente, alguns deles quando eu era pequeno como gostava de mim picavam-me porque me achavam graça e como paga recebiam pontapés nas canelas que até ferviam, mas eu só reagia aos “picanços” que me faziam e como achava graça ao menino ensinaram-lhe também as asneiras mais utilizadas, alguns deles sem, eu saber o que dizia levaram com elas de volta, sem eu ter a noção de que os estava a ofender, mas como eles se riam.

Foi nessa altura que senti o que era de facto a amizade e a cumplicidade, todos os amigos do meu pai sem exceção estavam lá para me dizerem coisas agradáveis a mim e à minha mãe e ajudaram-me muito, até na altura em que os vi e me aproximei deles e chorei como nunca tinha chorado até então, mas senti-me protegido, estava entre os que me queriam bem, ganhei coragem e iniciei uma nova fase na minha vida, para a frente é que é caminho, assisti à missa, já devidamente recomposto e como sabem nas aldeias os funerais fazem-se com as pessoas a pé atrás da carreta ou no caso vertente numa espécie de andor com rodas onde os homens pegam em dois varapaus e lentamente se faz chegar o caixão com o defunto até ao cemitério, nesta fase abandonei o carro fiz o percurso a pé entreguei o carro a alguém que o pudesse levar até ao cemitério e fiz o percurso todo a pé desde a Igreja do Arripiado até ao Cemitério da Carregueira, que era uma distância entre os 3 e 4 Kms, mas aguentei mais este esforço, chegado o momento da separação final e as cerimónias a que este tipo de ocorrência obedecem, que eu não presenciei, porque queria manter a minha ideia, afastei-me não entrei no cemitério fiquei à porta ou por ali não me recordo o que sei é que na minha memória só consta a imagem do meu pai em vida como eu queria.

Acabada a cerimónia, feitas as despedidas da maior parte das pessoas ficou a família e os amigos mais próximos do Arripiado, que insistiam quer comigo quer com a minha mãe, para que ficássemos lá, mas eu como sou muito determinado disse para a minha mãe, vamos para a nossa casa, com esta tomada de posição quis-lhe dizer que tínhamos uma casa para governar, que era pior para ela ficar lá, pois iriam a falar da mesma situação e assim foi impus a minha ideia e viemos para Lisboa já comigo a conduzir outra vez, mais cerca de 130 Kms, em cima do pelo mas era assim que eu achava que deviam ser as coisas.

Chegados a casa sentimos um vazio, mas tínhamos que nos habituar a ele e nestas coisas mais vale logo que mais tarde. Chegámos pelas 20 horas a casa sono não tinha a minha mãe chorava e eu não sabia o que lhe havia de dizer mais, arrumámos o que havia para arrimar comemos qualquer coisa e fomos cada um para o nosso quarto, para ela foi mais difícil porque se deitou na cama de casal, que daí para a frente iria só ser dela até à sua morte, para mim não foi fácil, deitei-me na minha cama e as imagens dos acontecimentos ocorridos e o que tinha que nos dias seguintes para tratar passavam-me a velocidade 1.000 Kms à hora, tinha que arranjar emprego havia que tratar de toda a documentação inerente ao acidente de viação sofrido pelo meu pai em serviço, foi um acidente de trabalho, havia que me preparar para estas “guerras infindáveis”, como já vos escrevi tinha 24 anos mas experiência de governação de uma casa não tinha nenhuma, por outro lado não queria perder o ano na Faculdade como é que iria dar a volta a tudo, como sou muito metódico penso e esquematizo logo tudo como é que vou fazer e antes que adormecesse pensei logo que no dia seguinte tinha que arranjar os recibos de vencimento dos últimos 12 meses do meu pai para poder esgrimir em sede de Tribunal de Trabalho a pensão a receber pela minha mãe como eu era dependente, não trabalhava ainda, era o meu pai que me sustentava, a seguradora teria que se chegar à frente.

Tinha feito já na altura uma cadeira da Faculdade que se chamava Direito de Trabalho, disciplina de que gostei e aprendi alguma coisa destas tramitações processuais, no dia seguinte tinha que comprar também o livro de Direito de Trabalho do Abílio Neto que continha toda a legislação laboral e Jurisprudência não gosto de “perder” nem a feijões, tinha que me preparar muito bem, porque não queria ceder em nada nem queria sequer ser “comido” pelas seguradores, porque tanto hoje como naquela altura as Seguradoras só gostavam de receber dinheiro quando era para desembolsar era o cabo dos trabalhos, preparei-me para a “batalha”.

Adormeci de cansaço, mas logo de manhã no outro dia cedo estava a pé para fazer tudo o que tinha pensado na noite anterior, primeiro, finanças, depois segurança social e por fim comprei o Abílio Neto.

A minha mãe estava anestesiada, não reagia foi desta forma que tomei as rédeas de tudo, a Faculdade teve que ficar um pouco de parte, porque estas coisas feitas à séria como gosto de fazer tudo, absorviam-me o tempo todo, mas meus amigos as pauladas maiores vieram nas duas semanas após o falecimento do meu pai, a falta de ele chegar a casa, as rotinas de 24 anos tinham sido abruptamente interrompidas e habituarmo-nos a novos hábitos não é fácil.

Procurei emprego e com algum sucesso disseram-me para iniciar funções no dia 1 de agosto de 1980, não me importei, não senti nenhuma pena em ver os outros irem de férias e eu começar a trabalhar era o que queria, queria continuar a dar o mesmo nível de vida que o meu pai dava à minha mãe.

Entretanto tive que ir ao Tribunal de Trabalho com a minha mãe para se fixar a pensão, aí eu ia preparado a empresa não tinha uma apólice de seguros que incluísse o trabalho extraordinário, subsídio de refeição e outras retribuições de carácter certo e permanente que integravam o conceito de retribuição salarial.

A empresa em sede de Tribunal dá como retribuição o vencimento base do meu pai, eu ouvi, olhei e esperei que o Juiz perguntasse se a minha mãe estava de acordo, como ela cada fez que ouvia o nome do meu pai desatava a chorar era eu que tinha que estar atento a ela e a tudo.

Assim que o Juiz pergunta à minha mãe se está de acordo, eu peço autorização ao Juiz para intervir em nome da minha mãe dado que ela não estava em condições para o que quer que fosse. O Juiz vendo o estado dela e dado que intervi no sentido de a poupar a estas questiúnculas, peguei nos recibos dos últimos 12 meses de trabalho do meu pai onde estava incluído as remunerações que lhes escrevi anteriormente e após consulta de cada um dos recibos dá-me razão e volta-se para a empresa que se fez representar e para o representante da companhia de seguros e disse-lhe perentoriamente, de facto a pensão tem que ser calculada com base naquilo que me foi presente, a empresa concordou e a companhia de seguros, nem sequer estrebuchou, a empresa delegou na companhia de seguros, o pagamento do diferencial da pensão inicial, aumentando o prémio de seguro a pagar pela empresa à seguradora, a mim esta “guerra” já não me dizia respeito isto era entre eles, mas geri sempre esta situação com a máxima delicadeza pois não queria espantar a caça, pois a este processo seguir-se-ia um outro processo, o de indemnização civil, havia que ser elegante e eu não gosto de fechar as portas com as costas, nós nunca sabemos quando é que vamos “precisar” daquelas pessoas, ou podem-nos voltar a sair ao caminho.

Agora havia que agarrar o processo civil, estabelecida que estava a pensão a que a minha mãe tinha direito, eu dado que não era filho de nenhum senhor doutor, engenheiro ou licenciado noutra área, não tinha direito a nada, mas se fosse já tinha, esta sim doeu, aprofundei os meus conhecimentos sobre o País real, critérios diferentes consoante o nível de habilitações literárias, agora aqui está um belo exemplo de igualdade tão apregoada pelos políticos na altura como hoje o fazem, há sempre uns mais iguais do que outros, não demonstrei a minha azia, mas pensei para comigo, esperem pela demora.

Henrique Pratas

 

 

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