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Memórias (20)

15-05-2015 - Henrique Pratas

Estava no 4.º ano, sem nunca ter chumbado um ano ou ter cadeiras em atraso e num belo dia a 12 de maio de 1980 levantei-me como habitualmente, fui levar o meu pai que ia para Espanha e Marrocos e ele deu-me 500,00 escudos, como eu nunca peço nada dei-lhe um beijo e estranhei a fartura mas só comentei com a minha mãe ao final do dia, dizendo-lhe deve estar algum burro para morrer, mas deu-me jeito para a minha vida, valor este acrescido à bolsa que o Estado me dava para estudar na altura 12.500,00 escudos mensais eram muito bom, havia muitos casais com filhos que não possuíam este rendimento mensal para viver, mas como tinha aproveitamento e boas notas o Estado na altura entendia que me devia dar o valor referido e eu aceitava de bom agrado porque me dava para estudar e para fazer a minha vida.

A 13 de maio de 1980, levo a mais um “paulada” na cabeça estava eu muito bem nas aulas quando se aproxima de mim uma colega e me informa que o meu pai tinha tido um acidente na Guarda, que tina sido noticiado na televisão e em todos os órgãos de comunicação social eu não sabia de nada, mas assim que me foi dada a noticia, como é meu hábito parei fiquei imobilizado durante alguns segundos, de imediato me dirigi para casa para o pé de minha mãe, já lá estava um companheiro de trabalho do meu pai e colocava-se a dúvida se nós íamos no nosso carro para a Guarda e se íamos com esse companheiro de trabalho de meu pai.

Como sou muito autónomo e gosto de tomar decisões pela minha cabeça disse para a minha mãe vá vamos embora eu vou a conduzir e leva roupa porque me parece que isto vai durar algum tempo.

Cheguei à Guarda em tempo recorde eu acho que nunca andei tão depressa como naquele dia, coitada da minha mãe que de vez em quando me perguntava se eu estava bem e sempre lhe ia respondendo que sim mas cá por dentro a revolta era mais do que muita.

O meu pai estava internado no Hospital da Guarda nos cuidados intensivos, pois tinha sofrido perfuração de abdómen, mas antes na estrada quando eu ia a subir para chegar ao Hospital já vinha no reboque o outro autocarro que lhe tina batido, aí sim ao ver o estado em que este se encontrava caí e comecei a chorar desalmadamente, porque pelo estado em que se encontrava o autocarro deduzi logo que o estado de saúde do meu pai não seria bom.

Assim que chegámos ao hospital a minha mãe foi ter com o meu pai aos cuidados intensivos tinha acabado de ser intervencionado tinha uma hemorragia porque o meu pai tinha problemas de coagulação do sangue e os médicos não conseguiam estancar a hemorragia. A minha mãe, veio cá fora e contou-me o que se estava a passar, eu entrei em contacto com o cardiologista que acompanhava o meu pai em Lisboa e como era natural ele pediu aos médicos do Hospital da Guarda que entrassem em contacto com ele, transmiti essa informação e sei que falaram entre eles e encontraram a dose certa entre sangue e plasma para que se a hemorragia parasse.

Mais tarde vêm ter comigo informar-me que eu tinha que arranjar sangue para o meu pai pois já tinham esgotado o stock que havia, era noite perto das 20 horas, como a minha cabecinha estava a trabalhar a 1.000 à hora, lembrei-me de ligar para a televisão para que se fizesse um apelo para que as pessoas daquela região fossem ao Hospital dar sangue, como neste País as burocracias não são só de agora já vêm de longe dizem-me do outro lado da linha que tenho que falar com o Director de Programas, de imediato lhes disse então passem-me a chamada porque o tempo urge, falei com o Director e ele disse-me que tinha que falar com a Administração, muito bem eu falo com alguém deles, passem-me a chamada falei com um dos Administradores da RTP e é-me dito que tinha que ser o Director do Hospital a enviar um pedido por escrito, para que concretizassem o meu pedido, aí expliquei-lhe que a noticia tinha sido dado por eles de manhã cedo que tinham equipas no local para contar o que tinha ocorrido mas não o demovi do pedido formalizado por escrito, pois em seu entender podia ser um falso pedido. Fiquei como devem imaginar revoltadíssimo e mandei-o à merda e disse-lhe já aos gritos que não entendia a posição assumida, tinham sido eles que tinham dado a notícia através de equipas que tinham deslocado para o local, para quê tanta burocracia, não entendia, desliguei-lhes o telefone na tromba.

Entretanto e para ajudar à festa aproxima-se de mim uma enfermeira quera testemunha de Jeová e vem-me com acantilena de que as transfusões de sangue na sua opinião não eram bem vistas de acordo com a sua crença e que talvez fosse melhor não dar mais transfusões de sangue ao meu pai, nem lhe respondi, mas pela cara que lhe fiz ela desapareceu do pé de mim, entretanto como o meu pai tinha muitos amigos lembrei-me de ligar ao antigo patrão dele da Empresa Claras, de nome Carlos Clara, que era Administrador na altura nas minas da Urgeiriça e de imediato me disse, Henrique não se preocupe amanhã de manhã cedo terá aí as pessoas necessárias para darem sangue para o seu pai. Como a minha aflição era muita perguntei aos médicos se o tempo dava disseram-me que sim, pois como já vos descrevi já tinha acertado na combinação de plasma e sangue para fazer estancar as hemorragias ao meu pai, mas tinham receio que voltassem a acontecer daí estarem a fazerem aquele pedido.

No outro dia de manhã cedo, chega um autocarro cheio de trabalhadores das minas para satisfazerem o meu apelo, lá deram o sangue que foi necessário e suficiente para que fossem criadas as reservas necessárias e suficientes para uma situação de emergência. Pedi ao amigo do meu pai que não deixasse os homens partir sem que eu lhes agradecesse, tinha na altura 24 anos e quando foi para lhes agradecer, não fui capaz, assim que abria a boca para lhes expressar o meu agradecimento, começava a chorar tentei duas ou três vezes e foram eles que se voltaram para mim e me disseram, nós já entendemos não nos precisa de dizer nada, nós fizemo-lo de boa vontade e se fosse necessário mais alguma coisa que dissesse pois podia contar com eles, aí senti que a gente humilde é aquela que podemos contar, os organismos, as empresas, não têm coração pura e simplesmente não funcionam, fiquei-lhes eternamente grato.

Como durante 3 dias não me tivesse chegado junto do meu pai ele mandou dizer pelas pessoas que já o tinam visto e pela minha mãe, então e o “meu rapaz” não me vem ver, que eu há três dias e três noites não dormia andava de um lado para o outro e dentro do Hospital a espicaçar as pessoas que lá trabalhavam para que as coisas andassem, quando me colocava a hipótese de ir até ao pé do meu pai só chorava, porque eu sentia que a coisa não era boa e como sou uma pessoa cheia de coragem para estas coisas, fiquei na retaguarda a assegurar que tudo funcionasse em condições.

Face à insistência de meu pai ao fim de três vias subi às urgências e disse para mim vais-te aguentar, respirei fundo enchi o peito de ar e entrei nas urgências onde me deparei com um quadro que eugostaria de nunca ter visto, mas naquela curta visita, curta porque eu não me aguentei muito tempo o meu pai perguntou-me então não me vinhas ver, sabes eu gosto muito de ti, quando ele diz isto a coragem que levava caiu toda, aguentei-me, por que nós não precisava-mos de falar bastava olharmos um para o outro e percebíamos o que dizíamos um ao outro. Com vos escrevi a visita foi rápida e curta a chamada visita de médico o tempo suficiente para eu me aperceber que as coisas estavam feias e que havia que lutar muito para a situação fosse reversível.

Entretanto o amigo do meu pai coloca-me a hipótese de evacuar o meu pai para Espanha, aí pensei se seria melhor ou não como tive medo das consequências fui ter com o médico responsável pelo tratamento do meu pai e coloquei-lhe a questão, obtive como resposta que talvez não fosse bom porque o meu pai estava a recuperar bem e que o transporte de helicóptero poderia causar danos no meu pai. Tive medo e não assumi a responsabilidade de tal acção e deixei que o meu pai ficasse a ser tratado no Hospital da Guarda.

Entretanto ele teve alta e passou para um quarto sozinho onde eu e minha mãe permanecíamos 24 horas, ajudando o meu pai em tudo o que era necessário, recordo-me que um dia o médico lhe disse par eu lhe dar iogurtes para ajudar o intestino a funcionar, corria a Guarda inteira para arranjar iogurtes para o meu pai, porque os tempos eram outros e este produto não abundava como abunda hoje, mas consegui comprá-los a peso de ouro mas comprei-os, o médico tinha prescrito, tinha que ser. O meu pai homem de 53 anos que não estava habituado e não gostava de iogurtes, fez-me uma cara feia e disse-me que não queria eu volto-me para ele e digo-lhe, agora sou eu que mando se não comes o que te quero dar levas umas palmadas, abriu-me os olhos e eu percebi que ele não tinha gostado do que lhe tinha dito, mas lentamente comeu-os, dados por mim.

Passados mais dois ou três dias disse-me que queria ir para casa, pediu-me que pegasse nele ao colo e o deitasse no banco detrás do carro e o trouxesse para casa, isto foi-me pedido com tanto cuidado e carinho, que me custou dizer-lhe que não podia ser porque os médicos não deixavam, senti que me estava a dizer algo que eu não queria ouvir.

A recuperação continuava a bom ritmo até que um belo dia o meu pai pediu-me para o ajudar a levantar para se aproximar da janela, como tinha autorização prévia dos médicos fiz-lhe a vontade, apoiado em mim aproximou-se da janela e ficou feliz, como o seu estado era débil pediu-me para se deitar.

No dia 24 de maio de 1980, o cardiologista do Hospital da Guarda, chama-me quer falar comigo, estranhei, falar comigo se está tudo a correr normalmente a medo e esperando que não me dissesse o que suspeitava lá fui e ele foi muito directo comigo e disse-me tenho um má noticia para lhe dar, aí fiquei não sei como, mas ouvi atentamente o que me queria dizer, o seu pai está muito bem do coração o pior é que o médico que o está a assistir esqueceu-se de lhe dar a quantidade de antibiótico necessário para estas situações e vamos tentar dar-lhe uma dose cavalar de antibiótico para ver se o conseguimos salvar, eu pensei num milhar de coisas ao mesmo tempo, desci ao quarto e quando os enfermeiros entraram no quarto de rompante no quarto para ver se ainda lhe conseguiam apanhar qualquer veia, para lhe dar a dita dose cavalar de antibiótico, eu saí do quarto e à porta quando saía do quarto rodei a cabeça olhei para os olhos do meu pai e percebi tudo, recebi como uma mensagem ajuda-me.

Foi assim que ele morreu depois de ter recuperado da perfuração intestinal que o acidente lhe provocou, da “limpeza” de vidros de fibras de carbono, de lã que lhe entraram no corpo sem pedir autorização o meu pai faleceu porque o médico se esqueceu de lhe dar a dose de antibiótico necessária e suficiente para o tratamento daquela situação, que exigia, uma atenção especial e mais cuidadosa.

Quem lhes escreve este texto não dormiu nem comeu desde o dia do acidente até ao dia em que o meu pai faleceu, não o voltei a ver queria ficar com a imagem dele enquanto vivo e assim foi até aos dias de hoje essa imagem permanece em mim é dela que me recordo, quando recebi a informação do cardiologista arrependi-me das decisões que não tomei, os ses…….., mas tudo visto e analisado acho que procedi bem.

Resta-me escrever que os dias que passei à cabeceira do meu pai foram muito duros porque ele acordava e dizia-me para eu o ajudar a levantar porque tinha que estar em tal sítio às tantas horas e que não queria chegar atrasado, isto passou-se todos os dias era o que designamos por um workaholics , (viciado em trabalho).

Recordo-me também nesse dia de ter dito para a minha mãe depois de ter passado por isto estou pronto para tudo, que indelicado que eu fui, não fiquei preparado rigorosamente para nada, nós de vez em quando produzimos afirmações que não têm aderência nenhuma à realidade, porque não ficamos preparados rigorosamente para nada quando nas relações entre as pessoas existem afectos de facto.

Mais uma pequena observação o médico assistente do meu pai saiu pelas urgências para me evitar, precisamente onde eu estava e ele esperava que não estivesse a minha revolta era tanta que eu dei pontapés nas portas e quando ele passou encostado à parede do lado contrário onde me encontrava encostou-se todo à parede, quase que entrava pela parede a dentro e eu quando dei por ele voltei para a parede e dei um soco tão grande que ficou lá marcado.

Foi pessoa que nunca mais vim e pretendia ver, foi mais um dos cobardes que conheci na minha vida, daqueles que não assumem os erros que cometem.

Henrique Pratas

 

 

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