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Ainda não chegámos ao fim da história

13-12-2013 - Jorge Bateira

O declínio demográfico e o declínio económico fazem com que haja cada vez menos pessoas com capacidade para contribuir para o sistema com o seu chocolate

Em artigo no "Público" (Derreteu-se o chocolate, 4 Dez.), Luís Aguiar-Conraria (LAC) lançou no debate público sobre pensões uma metáfora sobre o nosso sistema de segurança social. Assim, imaginemos uma fila de crianças (a metáfora das sucessivas gerações) em que cada uma dá um chocolate à seguinte. Ocorrendo crescimento demográfico, as gerações mais velhas podem vir a receber mais do que contribuíram. "E mesmo que a população não aumente em número, a verdade é que, se houver crescimento económico, o resultado será o mesmo." Porém, com o envelhecimento demográfico, "se cada um contribuir com um chocolate quando novo, quando velho vai receber menos do que um chocolate. Um péssimo negócio, mais valia guardar o chocolate no frigorífico." Percebe-se aqui a preferência política de LAC pelo modelo individualista de entrega das contribuições ao sistema financeiro. Para além da escolha ideológica neoliberal que está implícita no modelo de capitalização, por oposição a um modelo de solidariedade laboral que mantém todas as suas virtualidades, num outro texto (Um bolo muito apetitoso) alertei para as perdas financeiras destes fundos de pensões na sequência da crise de 2008. É que o tal frigorífico, às vezes, aquece e derrete irreversivelmente o chocolate que os incautos lá guardaram. Esse modelo está agora em recuo ou a ser resgatado pelos Estados, sendo a Polónia o caso mais recente.

Para além da opção ideológica pelo neoliberalismo, o raciocínio de LAC assume também dois pressupostos problemáticos. Quanto ao primeiro, o autor assume a importância do crescimento económico para o equilíbrio das contas da segurança social, o que está certo. Porém, ao referir o envelhecimento demográfico, não só o toma como uma variável exógena (errado), como ignora o contributo do crescimento económico para a resolução desse problema. À Medina Carreira, insiste no rácio dos idosos por activo, mas omite o crescimento da produtividade. Recorrendo a um mínimo de aritmética, é fácil compreender que o peso das pensões no produto da economia é uma fracção definida nos seguintes termos: no numerador, a pensão média multiplica o rácio de dependência de idosos; no denominador, temos a produtividade média dos activos. Assim, o crescimento da produtividade fará aumentar o bolo a repartir, o que pode ser suficiente para neutralizar o aumento do rácio de dependência dos idosos. Aliás, crescendo a produtividade mais do que este rácio, até permite aumentar o valor médio das pensões sem que aumente o seu peso na economia. Entre outros, ler Nicholas Barr, "Economics of the Welfare State", capítulo 9. À semelhança de Medina Carreira, falta a LAC um conhecimento mínimo para falar de pensões.

O segundo pressuposto deriva de uma visão malthusiana do nosso futuro: "O declínio demográfico e o declínio económico fazem com que haja cada vez menos pessoas com capacidade para contribuir para o sistema com o seu chocolate." No fim de contas, pressupõe que o país vai permanecer longos anos em austeridade, quer dizer, na zona euro. Se assim fosse, Portugal continuaria o seu declínio, arrastado pela conhecida dinâmica de polarização em que as regiões mais fortes, económica e politicamente, sugam as mais fracas, como aconteceu ao interior de Portugal ou aos estados mais pobres nos países federais. Acontece que a história das "desvalorizações internas" realizadas na Europa entre as duas grandes guerras, no quadro do padrão--ouro então vigente, contém um ensinamento da maior actualidade que LAC ignora: um sistema monetário socioeconomicamente insustentável também é politicamente insustentável. Por isso, mais cedo do que tarde libertar-nos-emos das algemas do euro e recuperaremos o crescimento, dando início a uma nova etapa da nossa história. Estou certo de que dela fará parte um sistema de segurança social generoso. Ainda não chegámos ao fim da história.

Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

 

 

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