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Memórias (18)

24-04-2015 - Henrique Pratas

Terminei a Secção Preparatória na Escola Comercial Veiga Beirão que dava acesso ao Curso Geral de Contabilidade por onde era necessário passar mais dois anos para entrar na Faculdade entretanto acontecem dois episódios que iriam marcar a minha vida para sempre.

No início do ano de 1974 ano em que completava os 18 anos fui consultar os editais verifiquei que teria que comparecer no dia 16 de março, em Setúbal, para me fazerem a inspecção como era natural para todos os jovens, homens na altura, para ver se estava em condições de cumprir o serviço militar obrigatório ou não, raros eram os que não estavam.

No dia 16 de março de 1974 lá fui eu a Setúbal, de carro, porque já possuía carta de condução e o meu pai emprestou-me a viatura para ir às “sortes”, como tinha que lá estar às 8 horas, levantei-me às 5h30m e lá fui sozinho, já que o antigo Governo tinha o “cuidado” de não enviar os jovens conhecidos, que se pudessem dar bem e que fossem da mesma idade daí eu fui para Setúbal, alguns dos meus amigos ficaram em Lisboa, enfim fomos distribuídos de forma previamente estabelecida e escolhida.

Antes das 8 horas já lá estava, à porta do quartel em Setúbal na Praça do Bocage, eu gosto de ir sempre cedo para ver como param as modas e para analisar muito bem o espaço onde vou passar pelo menos um dia. A rapaziada começou a juntar-se e cada mais do que outro demonstrava a sua falta de vontade de estar ali, não sabíamos ao que íamos e ninguém queria ir para uma Guerra que não era a dele.

Às 8 horas abriram os portões e começámos a entrar para umas salas apetrechadas de uma cadeira e secretária, nós naquela altura falávamos uns com os outros e riamo-nos de tudo o que não tínhamos nada a ver as ordens que não faziam sentido. Bem lá nos mandaram sentar e começámos a fazer os testes psicotécnicos, como estávamos a abandalhar o sistema deixávamos copiar aqueles que estavam menos à vontade com aquelas provas, até que aparece um sargento à séria e com voz grossa de militar que não sabe porque é que era militar, chamou-nos à atenção que a partir daquele momento nós éramos mancebos e assim sendo regíamo-nos pelo chamado RDM (Regulamento Disciplinar Militar), aí acalmo-nos e estivemos um bom bocado calados e direitinhos que nem um fuso e continuámos a fazer os testes psicotécnicos que nos tinham dado para fazer, mas durou pouco, porque passado uns breves instantes vem um praça perguntar-nos quem é que quer almoçar no quartel, resposta de muitos de nós a uma só voz, “ temos muito tempo para passar fome”, aí a coisa ficou mal para o nosso lado o referido “sorja” voltou a aparecer e disse-nos aos berros que bastava mais uma gracinha igual a esta era motivo para ficarmos lá mais do que um dia, tivemos que amochar e estivemos calados que nem uns ratos até há hora do almoço.

Recordo-me perfeitamente eu e um amigo feito no momento fomos almoçar a uma “tasca”que se chamava Rio Azul e há alguns anos para cá passou a restaurante de luxo.

Eu e o meu amigo de infortúnio e acontece-me sempre isto, não sei porquê nós não nos conhecíamos mas para comer e beber estávamos por ali, como só tínhamos que entrar no quartel às 15 horas, alimentámo-nos muito bem e bebemos ainda melhor e pagámos uma ridicularia, a sugestão tinha-me sido feita pelo meu pai, a qualidade da comida era muito boa.

Bem alimentados dirigimo-nos de novo para o quartel e quando estávamos na parada para que nos começassem a chamar para a inspecção médica passou uma bela de uma mulher que devia trabalhar na parte administrativa do quartel e a rapaziada não se conteve, assobios e piropos choveram em catadupas, nova ripada do “sorja” agora já com mais adjectivos e impropérios próprios de um militar que não o é por gosto do exercício das suas funções, levámos o último aviso, tememos pelo nosso bem-estar, a partir daí acalmámo-nos um pouco mais, o bonito foi quando começou a inspecção física mandaram-nos entrar para uma sala e ficarmos no estado em que tínhamos vindo ao Mundo, apercebemo-nos que as janelas da sala davam para a Praça do Bocage e que umas senhoras que estavam à janela se riam da nossa triste figura, mas como não podíamos mudar nada havia que aguentar e cara alegre.

Eu armado em esperto, já usava óculos, mas não levei a prescrição das lentes que usava quando o médico me perguntou que letras é que via, prontamente lhe respondi que não via nenhuma, levanta-se e aponta-me para as letras maiores e volta a questionar-me que letra é esta e eu não me desmanchei respondi de imediato qual letra, não vejo nenhuma, estiquei a corda demais, o médico senta-se rapidamente e faz-me uma última pergunta não tens contigoa prescrição médica da graduação das tuas lentes pois não. Ele já sabia a resposta, mas eu apressei-me a responder que não e como um boomerang oiço como resposta acabas de ficar apurado para todo o serviço. Fiquei completamente gelado, sem resposta e acabrunhado, a minha aposta era ficar apurado para os serviços auxiliares, porque se fosse para aí o meu pai poderia ver se eu não ia à Guerra, ficava por cá, não deu certo, aliás naquele dia todos ficámos apurados para cumprir o serviço militar incluindo um rapaz que lá apareceu e que era paraplégico, usava canadianas para se movimentar, ficou apurado para os serviços auxiliares, este foi o resultado de nos termos comportado como uns corrécios.

Como o último a rir é quele que ri melhor, esperámos eternamente pelas cadernetas militares só por volta das 21 horas é que nos deram as cadernetas militares, gozaram connosco até dizer chega, ainda nos repetiram que a partir da presente data estávamos sob a alçada do regulamento militar como mancebos que éramos.

De regresso a casa, pensativo quanto ao meu futuro, vi muito devagar ainda não tinha caído em mim e como penso demais, comecei logo a pensar como é que iria ver livre de cumprir o serviço militar obrigatório e não encontrei grandes saídas a não ser as que já vos escrevi anteriormente, isto durou uns dias andei triste como o raio, mas depois esqueci-me e como continuava a estudar fui logo pedir adiantamento de incorporação, mal sonhava eu que a 25 de abril de 1974, teria o meu melhor presente de anos.

Nesse dia, 25 de abril de 1974, levantei-me cedo como era costume pois começava as aulas às 8 horas da manhã, como não ouvi rádio nem vi televisão não sabia o que estava a acontecer. Eu acho que fiz tudo automaticamente não prestai atenção a nada saí a correr para apanhar o 12, eléctrico que fazia o circuito da Graça, desci na Rua dos Fanqueiros, subi a Rua do Carmo e a Calçada do Sacramento e cheguei à escola no Largo do Carmo, aí entrei e passado um bocado é que me apercebi o que estava a acontecer, pouco depois chegava o Salgueiro Maia com os carros de combate, primeiro tentaram subir a Calçada do Sacramento mas os carros de combate com lagartas derrapavam no asfalto foi aí que ajudámos sugerimos que em vez de irem por ali descessem dessem a volta e entrassem por uma rua com sentido proibido mas menos acentuada e assim foi, sentei-me em cima do blindado e fui orientando o condutor do caro de combate até chegar ao Largo do Carmo, aí saltei e fui-me por à entrada da Escola.

Antes disto já tinha assistido à saída do quartel de uns pequenos carros lança granadas blindados saírem a toda a pressa do Quartel do Carmo e passado cera de uma hora voltarem a entrar no Quartel a toda a velocidade e fecharam de imediato todas as portas e janelas do Quartel, mais tarde via saber que tinham saído por ordens do poder instalado para irem às torres de transmissão que se encontram no Monsanto tomá-las de assalto, mas como chegaram atrasados, vá de voltar para trás e fecharam-se às 4 chaves no Quartel como já referi.

Quando chegou o Salgueiro Maia apoiado por militares que eram do quadro e acompanhados por outros que tinham acabado de fazer a fazer a recruta.

Como o carro de combate que tinha as peças de fogo com maior capacidade de fogo era muito grande o Salgueiro Maia optou por colocá-lo apontado ao quartel do Carmo mas levemente atravessado do seu direito, para quem está voltado para o Convento do Carmo e do Quartel que fica mesmo ao seu lado.

Os militares que acompanhavam Salgueiro Maia criaram um perímetro de segurança, mas de um momento par o outro o perímetro de segurança que tinha sido montado, foi invadido por todos nós, o Largo do Carmo ficou apinhado de populares e de poucos militares.

A vida tem destas coisas um dos militares que estava fardado com uniforme de combate, tinha sido meu colega no Ciclo Preparatório, mas para além de ser mais velho do que eu tinha optado por fazer a tropa logo aos 18 anos, pois estudar não era com ele.

Contente aproximei-me dele dei-lhe um abraço e senti que ele tremia muito, foi aí que fiquei a saber que tinha acabado a recruta há pouco tempo tinha decidido juntar-se aos que avançaram sobre Lisboa, mas a tremedeira devia ao facto de a G3 que o acompanhava não estava carregada.

Aí até eu tremi e pensei o que é que vai sair daqui então a “rapaziada” vem com as calças na mão, entretanto as pessoas foram-se juntando todas no Largo do Carmo e a páginas tantas já não se vislumbravam os militares e o carro de combate no meio daquela mole.

Entretanto iniciaram-se as negociações entre Salgueiro Maia e os sitiados, por várias vezes Salgueiro Maia, deu ordem de rendição aos GNRs, mas estes teimavam em obedecer-lhe até que Salgueiro Mais fez um ultimato, se não se rendessem na próxima meia hora iria tomar o Quartel à força e começou a contar o tempo, mas ninguém arredou pé e eu pensei se isto dá para o torto vai morrer muita gente, o Largo do Carmo estava pejado de gente.

Acabado o tempo que tinha sido dado e como a rendição não se deu foi disparada uma rajada a tracejar a fachada do Quartel do Carmo que não causou danos de maior apenas umas marcas na parede e nem um vidro partido, ou foi pontaria a mais ou falta dela, até hoje não sei, o que eu sei é que de um instante para o outro no Largo do Carmo apenas ficaram os militares e as peças de guerra, não sei onde é que se meteu tanta gente em tão pouco espaço de tempo.

A partir daí saiu um graduado da GNR que falou com o Salgueiro Maia informando-mo que só se renderiam a um general era as ordens que tinham, Marcelo Caetano e Rui Patrício na altura Ministro dos Negócios estrangeiros estavam lá dentro, foi aí que Caetano disse que aceitava a rendição e a queda do regime mas só o faria perante um general, o resto da história já vocês conhecem, eu ainda hoje me interrogo, porque é que sendo o Salgueiro Maia, com a patente de capitão e sendo através do seu comando que o Quartel do Carmo ele aceitou esta condição e não foi mais firme, dado que tinha sido ele que tinha sitiado o Quartel do Carmo, não exigiu que o poder lhe fosse entregue a ele e porque é que não abriu fogo mais pesado sobre o Quartel do Carmo e se limitou a dar ordem para darem um rajada sobre a sua fachada.

Os GNRs estavam borrados, Marcelo e Rui Patrício também, os blindados de rápida acção tinham ido apanhar as personagens e esconderam-nos dentro do Quartel.

Se esta atitude fosse tomada talvez o rumo do nosso País fosse outro o Povo estava pronto para o que se desse e viesse, a história poderia ter sido contado de outra forma, foi aí que comecei a ouvir uma palavra de ordem que me deixou tranquilo “ Nem mais um soldado para as Colónias”, começava a visualizar uma solução para o meu medo e de muitos companheiros meus.

Lisboa, 20 de abril de 2015
Henrique Pratas

 

 

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